Foi em Setembro de 2007, porém, que numa outra mesa-redonda internacional, desta vez inteiramente dedicada a Mbanza Kongo, realizada na capital da província do Zaire, que foi recomendada a inscrição de Mbanza Kongo na lista do Património Mundial, o reconhecimento, tanto ao nível nacional como internacional, do valor do Património Histórico-Cultural da antiga capital do Reino do Kongo e a criação de um centro de estudos da área cultural kongo. Passaram-se, entretanto, 10 anos.

Que futuro para tanto passado?

A pergunta ecoa nas nossas mentes quando acordamos naquele que é considerado o melhor hotel de Mbanza Congo. A noite foi feita de mau dormir. Os quartos da unidade hoteleira não oferecem condições a quem tem de pernoitar na cidade. Construídas em contentores de carga, as acomodações dos hóspedes consistem numa cama, num candeeiro que não funciona, numa televisão com cinco canais, um deles sem som, roupas de cama e banho encardidas, casa-de-banho onde a ferrugem tomou conta das loiças sanitárias, sobretudo do pequeno poliban, e onde o cheiro a esgoto persiste. O som propaga-se por todos os compartimentos. Se um telemóvel toca num dos quartos, todos os hóspedes ouvem a conversa. Os passos ecoam no estreito corredor de acesso aos dormitórios.

Um sabonete foi deixado sobre o lavatório. Para lavar os dentes, por exemplo, os hóspedes terão de trazer a sua própria garrafa de água, visto que a água do hotel, bem como a das habitações da cidade, não é própria para consumo.

Para pequeno-almoço esperavam-nos ovos mexidos com salsichas, pão fresco, leite e café, uma banana. Menos mal. A simpatia de quem atende os clientes é o melhor emblema do hotel que, segundo informações do recepcionista, é dirigido pelo governador provincial.

Saímos para a rua à procura do que pensa quem mora em Mbanza Congo sobre o certificado internacional da UNESCO que classifica o centro histórico da cidade como património da humanidade.

Falamos com Mbangui Sebastião, que diz ser da linhagem de Nimi a Lukeni, rei do Kongo quando os portugueses descobriram a região.

Defende que o Governo e o sector privado têm de potenciar o turismo com a classificação das ruínas da antiga capital do Reino Congo como património da humanidade pela UNESCO.

"Quando o governo angolano candidatou Mbanza Congo a património cultural da humanidade, deveria ter feito uma leitura minuciosa das condições da cidade em todos os domínios", diz.

Para o funcionário público Armando Kifaniso Mbenga, os governantes que por cá passaram, nunca deram importância ao desenvolvimento da província e da cidade.

"O governador provincial disse que estão em construção mais dois hotéis, cada um com mais de 100 quartos e que já existe um concluído, com 120 quartos, que está à espera de ser inaugurado, mas ainda não vimos nada", conta.

A saída que o libanês Said Hamed encontrou para visitar a cidade com o filho de oito anos foi dormir na casa de um jovem estudante.

"Nos dois hotéis, Miragem e Estrela do Kongo, que dizem ser os melhores da cidade, não oferecem condições nenhumas de hospedagem. Falei com um jovem que me disponibilizou o seu quarto e que arrendei por 15 dias", lamenta.

Na opinião do reformado Daniel Mbaqui, a cidade de Mbanza Congo já deveria estar pronta para receber os turistas.

"Muita gente vem para cá a fim de visitar esse património. Por esse motivo, a rede hoteleira da cidade precisava de se modernizar, aumentar não só a quantidade mas também a qualidade. É isso que deve ser feito", afirma.

O Centro Histórico de Mbanza Kongo está classificado como património cultural nacional desde 10 de Junho de 2013, um pressuposto indispensável para a sua inscrição na lista de Património Mundial. O Governo Angolano qualificou onze espaços da secular cidade, entre os quais o cemitério dos Reis do Congo e o túmulo de Dona Mpolo.

A classificação destes onze espaços é fundamentada, no decreto executivo, por ser "uma das mais antigas e representativas urbanizações vivas na África subsariana abaixo do Equador" e face à "necessidade de se promover o reconhecimento do património histórico, arquitectónico, arqueológico e cultural" da cidade.


Entre os locais classificados encontram-se o cemitério dos Reis do Congo, local onde os monarcas se encontram sepultados, no recinto contíguo ao Kulumbimbi (ruínas da antiga Sé Catedral), e também a Yala Nkuwu, uma árvore secular onde se realizavam os julgamentos pelas autoridades tradicionais, no recinto do Palácio dos antigos Reis do Congo (actual museu dos Reis do Congo), assim como o túmulo de Dona Mpolo, a mãe do rei Mbemba Nzinga, que foi enterrada viva no século XVI.

Os locais onde eram preparados os corpos dos defuntos Reis do Congo, casos do Mpidi-a-Tady e Swinguilu, ou a antiga prisão do Governo Colonial português, do século XX, passaram a estar classificados como Património Histórico-Cultural Nacional. O mesmo aconteceu com a residência dos secretários dos Reis do Congo e a Tady-dya-Bukikwa, local com vestígios das mais antigas construções da cidade de M"Banza Congo, supostamente o antigo Palácio Real.
A classificação com o mesmo título abrange ainda o templo da Igreja Evangélica Baptista, fundada em M"Banza Congo, em 1889, por missionários da Missão Evangélica, a Igreja de Santo António, afecta à Congregação Franciscanas das Missionárias de Maria, e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ambas datadas do século XX.

Palácio dos Reis fechado ao Domingo

Ao lado do palácio dos Reis está o jovem José Sambi. Lamentando o estado actual do palácio, Sambi explica: "Com um grande valor histórico que tem a palácio dos reis, acho que deveria ser mais bem tratado pelas autoridades locais".

"Vale a pena visitar o local, assim dá para ter ideia dos problemas que o palácio tem" acrescentou.

O estudante universitário, Panzo Nzandi, fala do péssimo estado de conservação do palácio dos reis, em Mbanza Congo. "Do meu ponto de vista, o Palácio dos Reis está abandonado há muitos anos", diz.

Do lado de dentro dos muros do palácio, podem ver-se alguns sinais de abandono, como o lixo espalhado em todos os cantos.

"É estranho que uma cidade como Mbanza Congo, que é rica com esse palácio, não tenha uma visão de conjunto para combater a degradação do património mundial", atira o ancião Massaki Pedro.

Segundo as autoridades locais, 4. 222 visitantes, entre nacionais e estrangeiros, visitaram de Janeiro a Agosto deste ano o Museu dos Reis dos Kongo, localizado na cidade de Mbanza Kongo.

A vida diária no Antigo reino do Kongo está espelhada nas 100 peças museológicas expostas no Museu dos Reis do Kongo.

O acervo está repartido em quatro principais grupos, de acordo a sua importância.

O primeiro grupo corresponde às peças que retratam aspectos históricos, geográficos e políticos, nomeadamente retratos, mapas sobre o território que abarcava o Reino do Kongo e respectivos reis que passaram pelo trono, bem como o carimbo.

O segundo bloco espelha a organização socio-económica do Reino do Kongo, nomeadamente o testemunho do domínio da tecnologia de fundição do ferro e do metal pelos antigos habitantes do antigo reino que permitiu a fabricação de enxadas, catanas, flechas, caçadeiras, entre outros instrumentos agrícolas e de caça.

Nesta área estão incluídos ainda os diferentes elementos que serviam como objecto de troca em actividades comerciais, designadamente borracha, pano tradicional, nzimbo, missangas, entre outros.

Ainda na vertente económica, estão igualmente expostas as ferramentas tradicionais para a pesca.

Do terceiro grupo fazem parte peças que testemunham o culto ancestral nos domínios da música e da comunicação à distância, enquanto o quarto grupo retrata a abertura do Reino do Kongo ao mundo ocidental.

O projeto "Mbanza Congo, cidade a desenterrar para preservar", que tinha como principal propósito a inscrição desta capital do antigo Reino do Congo, fundado no século XIII, na lista do património da UNESCO, foi oficialmente lançado em 2007, mas a sua classificação é o culminar de um processo com cerca de 30 anos.

O museu guarda ainda outras relíquias seculares, como uma túnica oferecida pela coroa portuguesa aos reis do Congo, entre outros artefactos de uso diário, à época, ainda conservados e em exposição.

Dividido em seis províncias, que ocupavam parte das actuais República Democrática do Congo, República do Congo, Angola e Gabão, o Reino do Congo chegou a ter 12 igrejas, conventos, escolas, palácios e residências.

O julgamento tradicional realizado no Lumbu, outro dos espaços do antigo palácio dos reis do Congo, constitui um dos destaques para os turistas.

Trata-se de uma prática ancestral que consiste num julgamento, com sentença decidida pelas autoridades tradicionais, como disputas normalmente familiares, e que ainda hoje acontece duas vezes por semana em Mbanza Congo.

Terminamos no Kulumbimbi, as ruínas da sé catedral de Mbanza Congo, do século XVI, o primeiro templo católico construído a sul do equador, cartão-de-visita da cidade, juntamente com o cemitério dos antigos Reis do Congo.

Em redor do centro histórico, as pessoas convivem com o lixo, a falta de água potável, vivendo do pequeno comércio e da agricultura de subsistência.

A energia eléctrica chegou há pouco tempo, proveniente da barragem de Cambambe, e ainda apenas para uma percentagem mínima da população. O projecto, prossegue até finais de 2018, período em que os seis municípios da província do Zaire vão estar completamente iluminados sem sobressaltos. Se tudo correr como prometido pelo ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, o Zaire vai ser a primeira província do país a ser electrificada na sua plenitude.

Há muito por fazer em Mbanza Congo até que os turistas comecem a chegar de carro, enfrentando maus caminhos, ou de avião, agora três vezes por semana, num aparelho do tipo B1900, com a capacidade de 18 passageiros da Sonair, subsidiária aeronáutica da Sonangol, que abriu recentemente uma rota doméstica para a cidade património da humanidade, juntando-se à empresa nacional "SJL", que opera com uma frequência semanal.

19 950 kwanzas é o preço do bilhete de embarque, na rota Soyo/Luanda e vice-versa, com o tempo de vôo de aproximadamente 35 minutos, enquanto na ligação Mbanza Kongo/Luanda e vice-versa os passageiros terão de desembolsar 17 950 kwanzas, passando pelo Soyo, cuja viagem dura cerca de uma hora.

O aeroporto de Mbanza Congo é ainda do tempo colonial e está situado muito perto do Kulumbimbi, as ruínas da sé catedral de Mbanza Congo. Com esta classificação, como património cultural da Humanidade "pelo valor excepcional dos vestígios de Mbanza Congo", Angola assumiu o compromisso de melhorar as infraestruturas da província, retirar o actual aeroporto do local, bem como as antenas de comunicações que se encontram na sua envolvente. De acordo com o governador da província do Zaire, José Joanes André, o novo aeroporto de Mbanza Congo será construído até 2020, em Nkiende, a 20 quilómetros do actual.

Amanhã, a equipa de reportagem do Novo Jornal começa a descer a colina, em direcção a Luanda. Há ainda muito por contar, e prometemos fazê-lo na próxima e última reportagem desta semana em que as autoridades angolanas recebem o certificado internacional da UNESCO, que dá ao país um trunfo ímpar na captação de turismo internacional.

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