Angola apareceu na 63ª Sessão Ordinária da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que decorre até ao próximo dia 13 de Novembro, para expor um relatório que, segundo os comissários, não retrata o país.

A ministra da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, Victória Francisco Correia da Conceição, leu, durante pouco mais de uma hora, o relatório conjunto que Angola desenvolveu para dar respostas às recomendações feitas na última sessão da Comissão Africana dos Direitos Humanos.

Ao assistir à leitura em Banjul, Lúcia da Silveira, presidente da Associação Justiça Paz e Democracia (AJPD), defendeu que "para apresentar um relatório desta importância, é necessário alguém que interaja com o mecanismo, seja o ministro da Justiça ou o ministro das Relações Exteriores, até para dar importância ao sistema e mostrar que de facto existe seriedade por parte de Angola". Segundo a dirigente, "a ministra da Família e Promoção da Mulher não está em condição de dar resposta às questões colocadas pela Comissão Africana dos Direitos Humanos", limitando-se a ler as respostas. "Os comissários vão acabar por perceber que não tem o domínio sobre os assuntos. Tal como já ouvimos, a ministra leu o relatório que se revelou vazio, sem conteúdo e informações...", reforçou a responsável da AJPD.

Os reparos após a leitura do relatório angolano ouviram-se bem alto, com destaque para os apresentados pela presidente da Comissão Africana dos Direitos Humanos, Maître Soyata Maiga.

"Há um desequilíbrio relativamente ao facto de as recomendações não terem sido respondidas artigo por artigo. O relatório deve ser melhorado, não apresenta de forma prática as recomendações e os dados não espelham a realidade", sublinhou.

Sete outros comissários levantaram de seguida uma série de questões sectoriais que não foram respondidas, e todos, de um modo geral, exigiram dados que espelhem a realidade do país e demonstrem o impacto dos programas e leis na vida da população.

Depois de ouvir as críticas dos comissários, Ana Celeste Januário, secretária de Estado para os Direitos Humanos e Cidadania, assinalou que "falar de um trabalho de um país desde 2012 até 2018 é muito", acrescentando que isso "ia dar muitas páginas". Segundo a governante, "quando se resume nem sempre se diz tudo ou se define quais são as prioridades".

Ana Celeste Januário garantiu que o Governo está "bastante tranquilo".

"Temos a certeza que este diálogo é o momento para podermos apresentar à Comissão aquilo que fizemos em termos de avanço e também poder trazer aportes, informações que não tinha", sustentou.

Já as organizações da Sociedade Civil, consideram que o Executivo deu prioridade à política. Hermenegildo Teotónio, advogado do Mosaiko - Instituto para a Cidadania, adiantou que "tendo em conta os novos ventos da governação angolana, esperava-se talvez que o relatório reflectisse aquilo que é a realidade sobre os direitos humanos no país". Pelo contrário, "mostrou uma realidade que ainda está muito distante de Angola", lamentou.

Por sua vez, Lúcia da Silveira considerou que "o problema é que os Estados continuam a fazer da relatoria uma questão política". Para a presidente da AJPD, "o relatório de Angola parece que foi escrito por um filósofo". A responsável defende que "se existe efectivamente uma vontade séria de reportar sobre como se está a implementar a Carta Africana, é necessário seguir as regras, que são simples, sem politiquices, tudo muito técnico. Aliás, o relatório precisa ser feito por técnicos, pessoas que entendem e aprenderam sobre direitos humanos", especifica.

Limite de palavras "comprometeu" relatório, diz secretária de Estado

Para além de erros de estrutura apontados pela presidente da Comissão Africana dos Direitos Humanos - já que o relatório deveria apresentar uma disposição que percorresse cada artigo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e os Direitos da Mulher em África, referindo os desafios da implementação no país e o impacto ou efeitos sobre a população -, as organizações presentes na Gâmbia insistem na necessidade de o país abandonar a lógica do discurso político, focando-se nos resultados.

"Mosaiko, AJPD, Omunga e outras associações reiteradas vezes chamaram à atenção do Estado Angolano para a importância de envolver as pessoas e as organizações na feitura do relatório. Quando não nos ouvem, isto cai mal junto das organizações regionais. Esta não foi, infelizmente, a primeira vez. Já no relatório anterior foram feitas as mesmas críticas", sublinhou Hermenegildo Teotónio do Mosaiko.

Ana Celeste Januário explicou, entretanto, a capacidade de síntese pode ter sido o problema. "O que aconteceu foi que, como tínhamos limitação de páginas, priorizámos as respostas directas às recomendações, e não tanto a avaliação de como é que o Estado está relativamente a cada um dos artigos. Quando há limite de páginas, limite de palavras, temos que optar o que vamos priorizar, e priorizámos as respostas às recomendações".

Apesar dessa limitação, houve espaço para, entre menções aos protocolos e convenções internacionais e regionais ratificados e à eleição do Presidente João Lourenço, incluir que "o Governo Angolano tem uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, Angola 2025, que começou a ser executada através de planos anuais e bianuais". Acrescentou-se ainda que "para implementação do mandato do Governo foi elaborado o programa para o período de 2018-2022, denominado Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal", bem como "o plano de Desenvolvimento Nacional" que "contém 229 acções transversais, entre estas 25 políticas que uma vez atingidas melhorarão de certeza a vida dos cidadãos", leu a ministra.

Crítica em relação às falhas apresentadas por Angola, Lúcia da Silveira lembrou que "há muitos documentos e instrumentos que ensinam como fazer um relatório". Inclusive, apontou a dirigente "a AJPD publicou um roadmap que explica como os governos devem fazer para ter um relatório de qualidade, ao invés de fazerem apenas uma reportagem sobre as boas práticas do governo".

"Há necessidade de evoluir e nós estamos sempre abertos a trabalhar com o governo", reforçou.

Angola respondeu

Entretanto, esta quarta-feira, 31, a delegação angolana voltou ao foco da 63ª Sessão Ordinária da Comissão Africana dos Direitos Humanos, tendo sido dada a oportunidade para responder às questões colocadas pelos comissários, na passada segunda-feira, após leitura do relatório, classificado como insuficiente e desequilibrado. A delegação angolana passou por todas as questões, levou dados estatísticos recentes e pediu permissão para enviar documentos, mal chegue ao país.

Entretanto, Angola continua sem saber o número exacto de Organizações Não-Governamentais no país, admitiu a ausência de uma lei de protecção de Defensores dos Direitos Humanos e não respondeu, de forma concreta, sobre as directrizes relacionadas com a Liberdade de Associação e com a Lei dos Defensores do Direitos Humanos. E admitiu ainda a necessidade de resolver situações críticas como o casamento de menores de 18 anos.