Anunciado como o início do fim do fenómeno "não tem sistema", melhorando as comunicações e tornando-as mais baratas, e promovido como forma de captar divisas, o AngoSat-1 tornou-se, poucas horas após o lançamento, realizado a 26 de Dezembro de 2017, uma fonte de incertezas.

As dúvidas sobre a sua operacionalidade começaram a partir da perda de contacto com o aparelho, confirmada menos de 24 horas após a entrada em órbita, problema que recentemente voltou a ser reportado.

Para além das interrogações sobre a capacidade de funcionamento do primeiro satélite angolano, os seus custos também têm sido questionados, centrados na ideia de que o Governo fez um mau negócio.

Pelo contrário, o Executivo não só defende o investimento, como vem limitando a discussão ao facto de o AngoSat-1 estar ou não em órbita, como se a localização do aparelho fosse um comprovativo de operacionalidade.

Mas "não é a mesma coisa", explicou ao Novo Jornal Online o especialista em Mecânica Aplicada e Aeroespacial, Paulo Gil.

Por email, o professor do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa, Portugal, esclareceu essa e outras dúvidas sobre o primeiro satélite de telecomunicações angolano.

Estar visível (em órbita) é sinónimo de estar a funcionar? Como se percebe a diferença?

Não é a mesma coisa. A partir do site http://www.n2yo.com/?s=43087&live=1 apenas se poderá saber se está visível a partir de um certo local de observação, por exemplo Luanda. O satélite tem neste momento, segundo o site, um período de 1449 minutos, uma órbita quase estacionária mas não exactamente estacionária (para tal devia ter um período de 1436 minutos). Se fosse exactamente estacionária o satélite estaria sempre na mesma posição no mapa e sempre visível ou invisível a partir de um ponto na superfície. Como demora mais 13 minutos a dar uma volta que a Terra, ele deslocar-se-á para Oeste relativamente à superfície. Pode ser um erro não corrigido devido aos problemas reportados.
Para saber se o satélite funciona tem que se comunicar com ele, não há modo de saber apenas pela localização.

Os problemas que foram reportados, nomeadamente na telemetria, são habituais nestas situações? Ou revelam que, de facto, algo correu mal?

Problemas na telemetria significa que algo correu mal. No entanto, muitas vezes é possível recuperar, depende do problema específico que tenha acontecido (e é muitas vezes difícil saber). O negócio do espaço é difícil e problemas acontecem, por vezes com a perda do satélite (que continuará na mesma órbita mas sem funcionar, sucata). Por vezes acontece recuperar-se o controlo passado muito tempo, mas essa situação é rara. Neste caso, penso que estavam até há pouco em curso, ou ainda decorrem, tentativas de recuperar o contacto com o satélite. Portanto ainda há esperança de recuperação (se essas tentativas ainda estiverem a decorrer).

As imagens do lançamento começaram a ser partilhadas como "prova" de que o mesmo fracassou. É possível concluir isto de tais imagens?

Se são as imagens do lançamento do foguete a partir de Terra, não é possível. O satélite está numa órbita muito próxima da que devia, no equador, sendo o único problema visível com a trajetória o período, que já referi, que é 13 minutos de diferença do geostacionário. Isso significa que o satélite foi basicamente colocado no lugar correcto, à parte o período que poderá possivelmente ser corrigido se o satélite vier a funcionar correctamente. O problema será então do satélite em si e não do lançamento. Claro que o lançamento pode ter provocado o problema mas isso não pode em princípio ser detectado nas imagens que refere.

Face a sucessivas perdas de contacto com o satélite, a recuperação pode ser total? Na avaliação de operacionalidade tudo tem de estar a 100% ou é normal que não esteja?

A recuperação pode ser total, embora perdas repetidas de contacto não sejam bom sinal. As perdas de contacto indicam que há algum tipo de problema que aparentemente não foi apenas uma dificuldade inicial (que acontece por vezes no processo de lançamento e inserção em órbita) de, por exemplo, o satélite ter sido lançado com a atitude ou velocidade angular erradas. Uma perda repetida de contacto pode indicar um problema persistente. A probabilidade de perda aumentou, mas possivelmente ainda nada está perdido.

Uma queixa recorrentemente associada a este projecto são os custos: anunciou-se um orçamento de pelo menos 320 milhões de dólares. Depressa surgiram referências a satélites muito mais económicos, acusando-se o Governo angolano de ter feito mau negócio. O preço aqui é relevante para comparações ou as mesmas exigem a consulta de outros indicadores, como por exemplo o tempo de vida útil (neste caso de 15 anos)?

É muito difícil determinar o preço, os satélites são máquinas quase únicas e os contratos dependem de muitos factores. Só o lançamento de um satélite com a massa do Angosat-1 custa cerca de 70 milhões de dólares, mas este valor varia com o foguete utilizado, órbita final, local de lançamento, serviços incluídos, etc. Tipicamente, o custo divide-se em cerca de 30% para o lançamento, 50% para o desenvolvimento e 20% para o seguro, mas estas percentagens variam bastante. Se fossem verdadeiras, poder-se-ia esperar um custo de lançamento+satélite de cerca de 233 milhões de dólares. No entanto, como disse, os valores variam bastante: um satélite meteorológico custa tipicamente cerca de 290 milhões (sem lançamento). Outros satélites são ainda mais caros. Quinze anos de tempo de vida é elevado e penso que o satélite tem propulsão contínua para correcção de trajectória, uma tecnologia moderna (e dispendiosa). Não me espanta que fique com um preço acima da média. Depois há que considerar se houve transferência de tecnologia, e se o preço inclui o custo de operações, que é elevado. Sei que estava previsto uma base de comunicações em Angola, mas não sei se está incluída no preço. Pelo que li, há um consórcio com a Roscosmos, que deve ter uma estrutura e funções que não sei se estão incluídas no preço. Em suma, o preço parece acima da média, mas não disparatado, pois depende da capacidade específica do satélite e dos serviços incluídos no orçamento. Há demasiadas variáveis que não conheço para dizer que foi caro.

Têm surgido problemas com outros satélites lançados pela Rússia. É legítimo assumir que Moscovo nesta fase não oferece garantias?

A Rússia tem um historial de sucesso no espaço e a Roscosmos é bem conhecida, não me parece que se possa dizer em geral que não é de confiança. Normalmente nestas situações é feito um seguro (e parece ser o caso). Os seguros são normais, e dispendiosos, porque a tecnologia espacial é dispendiosa e difícil. Acidentes são normais. Pode até acontecer que haja outras entidades que ofereçam uma menor probabilidade de falha (que existe sempre). Mas não creio que a probabilidade seja muito diferente e normalmente menor probabilidade de falha implica um preço mais elevado.

O primeiro satélite cerca de 8 anos a materializar-se, desde a assinatura do acordo (2009). Tendo em conta que as infra-estruturas já foram criadas, um segundo satélite será necessariamente mais rápido? É possível estimar algum tempo mínimo?

Não conheço a situação. A produção de um satélite deste género pode demorar bastante tempo e é independente do tempo que as instalações terrestres demorem a ser construídas, pois podem ser realizadas em paralelo. Oito anos para a construção e teste de um satélite geostacionário do género do AngoSat-1 parece-me dentro do esperado.

As especulações sobre os problemas do AngoSat-1 incluíram a associação a um estranho fenómeno observado no Peru (http://www.novojornal.co.ao/sociedade/interior/estas-esferas-metalicas-sao-do-angosat-1-o-misterio-esta-entregue-as-nacoes-unidas-50047.html). É uma associação plausível? A explosão do tanque propulsor de um satélite seria razão para isto acontecer?

Não é uma associação plausível, tal como a questão é descrita. Esta explosão, mesmo que tenha tido origem no módulo Fregat que lançou o AngoSat-1, ocorreu muito depois do lançamento, e o satélite, como já referi, está praticamente na órbita correcta. Não me parece que possa estar relacionado com os problemas identificados no AngoSat-1.

Ainda em relação à explosão do tanque propulsor: há quem tenha dito que faz parte do processo. Faz?

Pode fazer, há uma directiva obriga os responsáveis pelos lançamentos a fazerem cair os foguetes para a Terra num certo tempo (até 25 anos), para evitar a proliferação de lixo espacial. Os foguetes são particularmente críticos porque têm restos de propelente que tende com o tempo a instabilizar e explodir. Não conheço o procedimento específico para o foguete Zenit, mas pode acontecer que eles façam o módulo Fregat cair rapidamente após o lançamento, resolvendo o problema.