O julgamento, que já leva um mês, vai na sua 15.ª audição. Ontem, terça-feira, o réu Eurico Alexandre Pereira da Silva, ex-director adjunto para a Administração e Finanças do CNC, voltou a afirmar, em tribunal, que recebeu ordens do fugitivo Agostinho Itembo e da ré Isabel Bragança, ambos responsáveis do CNC à data dos factos, para receber comissões de 15 por cento a privados e fazer distribuições desses pagamentos nas contas de outros réus, com excepção de Augusto Tomás.

Nesse esquema, conta o réu, o dinheiro era levantado, após confirmação da transferência bancária, sendo depois depositado numa conta, quase sempre indicada pela ré Isabel Bragança.

O réu, que se encontra em liberdade, contou ainda que era a ré Isabel Bragança quem determinava os valores que seriam depositados em cada conta bancária através de recados escritos em bilhetinhos.

Durante o seu interrogatório, Eurico Alexandre Pereira da Silva afirmou sempre ao TS que ali foi de livre vontade confessar à Justiça todas irregularidades que praticou com o fugitivo Agostinho Itembo e a ré Isabel Bragança no CNC.

No seu último dia de interrogatório, o réu negou ter recebido ordens ou ter feito qualquer despacho com o antigo ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás.

Depoimentos dos quatro réus em tribunal não expõem antigo ministro dos Transportes

Em fase de interrogatório, o réu Rui Moita, antigo-director-geral adjunto para a área Técnica, assumiu ter recebido, igualmente, gratificações de empresas privadas, cujo montante não soube precisar na ocasião, mas lembrou que as transferências para sua conta bancária foram feitas pelo réu Eurico Pereira da Silva, a mando do ex-director geral, Francisco Itembo, actualmente foragido da justiça.

Durante o seu interrogatório, Rui Moita negou ter recebido ordens do então ministro Augusto Tomás para qualquer acto ilícito no CNC, enquanto director-geral adjunto para área Técnica, mas admitiu ter recebido dinheiro de empresas privadas como gratificações.

O réu disse na ocasião que foi o ex-director do CNC, Agostinho Itembo, que o informou sobre um depósito na sua conta bancária, de valores de gratificação que havia recebido, e que foi o réu Eurico da Silva quem o fez, mas que não se recorda dos montantes depositados.

Já o antigo director-geral do Conselho Nacional de Carregadores (CNC), António Manuel Paulo, denunciou, em tribunal, que 40 das 70 empresas que prestavam serviços à instituição tinham contratos duplicados e fraudulentos.

O réu justificou em tribunal que o dinheiro encontrado na sua conta bancária foi transferido pela sua adjunta Isabel Bragança, sem o seu conhecimento.

Manuel Paulo sublinhou que, enquanto director-geral, e sempre que se ausentava do País em missão de serviço, delegava poderes a Isabel Bragança, que, por lei, tinha, nestas circunstâncias, a obrigação de movimentar as contas do CNC num valor de até cinco milhões de kwanzas.

O réu confessou, na ocasião, que houve vezes em que a ré Isabel Bragança assumia a gestão do CNC e movimentava as contas da empresa sem o seu conhecimento.

O antigo director-geral do Conselho Nacional de Carregadores afirmou que o CNC financiou um projecto afecto ao Ministério dos Transportes, mas que esses financiamentos foram sempre dentro da legalidade, segundo os estatutos.

Em tribunal, a ré Isabel Bragança, ex-directora para Administração e Finanças do CNC, disse que nunca recebeu ordens do ex-ministro dos transportes Augusto Tomás para tirar dinheiro das contas do CNC para outros fins ou para terceiros, mas afirmou que o ex-governante autorizou o pagamento das despesas de saúde de dois funcionários do CNC, facto confirmado pelos réus Rui Moita e António Manuel Paulo, em sede de interrogatório.

Questionada por que razão recebeu comissões relativas a contratos com empresas privadas, a ex-directora para Administração e Finanças respondeu que não sabia que eram comissões e que o ex-director- geral do CNC, Agostinho Itembo, fugitivo da justiça, lhe disse que tinha feito um depósito na sua conta bancaria.

A ré admitiu, durante o seu interrogatório, que o CNC, a mando do ex-director-geral, Agostinho Itembo, colocou à venda no mercado informal mais de três milhões de dólares.

Já o antigo ministro dos transportes, Augusto Tomás, durante a fase de interrogatório, negou todas as acusações que caem sobre si e exigiu que o Ministério Público (MP) apresente provas, sobre o desvio de avultadas somas de valores do Conselho Nacional de Carregadores (CNC), órgão adstrito ao Ministério dos Transportes, do qual foi responsável durante 10 anos.

Augusto Tomás nega ter-se se apropriando de verbas, a título pessoal, do Conselho Nacional de Carregadores CNC e afirmou que antes de ser ministro dos Transportes já tinha a vida organizada.

"A apropriação de valores no CNC de que estão a acusar-me não corresponde à verdade. Sou empresário do ramo imobiliário desde os anos 90, fruto de um empréstimo bancário de cerca de 60 milhões de dólares no período de 1996 a 2003".

"Eu tenho o meu património, recursos, e a minha vida organizada muito antes de ser ministro dos Transportes, e sempre separei a minha vida privada com a da política e profissional. Sempre defendi, aos meus estudantes da universidade, que em Angola se pode ganhar dinheiro sem roubar", referiu o ex-governante.

Augusto Tomás, que é a figura central desde mediático julgamento, disse durante a sessão de interrogatório que foi detido sem saber porquê, e que só está a ser julgado por desmantelar redes de mafiosos no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro e no Porto de Luanda.

A sessão de discussão e julgamento prossegue esta quarta-feira,3, no Tribunal Supremo com os primeiros declarantes arrolados no processo.