O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder desde 1975, afirma que o processo de paz no país, que terça-feira assinala 15 anos, tornou-se numa "referência" internacional, apesar das críticas de "intolerância" da oposição.

Numa posição a propósito do 15.º aniversário da assinatura do memorando de entendimento complementar ao protocolo de Lusaca, no Luena, entre as forças militares governamentais e da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), já sem Jonas Savimbi, o Bureau Político do MPLA afirma que a "paz concreta e definitiva" foi "o maior bem público" alcançado.

O partido, liderado por José Eduardo dos Santos, também chefe de Estado, afirma que se empenhou nos últimos 15 anos "num processo de convivência democrática, promovendo a reinserção política, económica e social dos dirigentes e militares de todas as forças envolvidas na guerra" e "encetando um verdadeiro processo da sua consolidação e de reconciliação nacional".

"O êxito alcançado nesse processo é reconhecido por todo o mundo e o caso de Angola é já um modelo e uma referência que é seguida internacionalmente, uma condição que o MPLA continuará a evidenciar, a todo o momento, pois é uma via para desenvolver a cultura da paz e da estabilidade universal", refere o Bureau político do partido.

Até 04 de Abril de 2002 a guerra civil seguiu à proclamação da independência, a 11 de Novembro de 1975, deixou mais de 500.000 mortos e quatro milhões de deslocados.

Ao fim de 15 anos de paz, a UNITA, signatária do acordo que efectivou a paz após quase 30 anos de conflito armado, denunciava em Março problemas de "intolerância política", poucos dias depois de vários militantes terem sido presos e depois libertados pela polícia, no sul, e de em 2016 uma comitiva de deputados do partido ter sido atacada em Benguela, resultando em vários mortos.

O partido liderado por Isaías Samakuva instou por isso as autoridades angolanas a "garantirem os direitos constitucionais a todos os cidadãos" e "porem termo aos atos de intolerância política" e à "privação da liberdade sem qualquer fundamentação, que infelizmente continuam a ter lugar".

Além disso, o partido fundado há 50 anos por Jonas Savimbi afirmava "responsabilizar" a Procuradoria-Geral da República e as instituições judiciais "na investigação e no apuramento de responsabilidades perante as múltiplas e persistentes evidências de desvios de fundos públicos", bem como das "denúncias de corrupção" que "está na base da grave situação social e económica" do país.

Já o MPLA afirma, ao invocar os 15 anos de paz e no actual contexto de crise económica e financeira, que "continuará a dedicar uma atenção especial ao desempenho dos quadros aos quais foram confiadas tarefas de gestão da coisa pública".

"Combatendo, com todas as suas forças, todos os fenómenos que indiciem actos de corrupção e de gestão danosa e irresponsável na execução dos orçamentos afectos aos serviços da Administração Pública, central e local", aponta o Bureau Político do partido no poder.

O 15.º aniversário do acordo que tornou a paz efectiva fica ainda marcado pela preparação da saída do poder de José Eduardo dos Santos, que não se recandidata ao cargo de Presidente da República, tentando o actual ministro da Defesa, João Lourenço, suceder-lhe nas eleições de agosto.

"Esse momento será, também, o culminar de um processo de transição exemplar, que marcará a passagem de testemunho para um novo cabeça-de-lista do MPLA", enfatiza o partido.

O acordo de cessar-fogo em Angola surgiu na sequência de negociações iniciadas oficialmente a 15 de Março de 2002, cerca de três semanas depois do líder da UNITA, Jonas Savimbi, ter sido abatido pelas FAA na província oriental do Moxico.

A 03 de Abril de 2002, antecedendo o dia da assinatura do acordo final de paz, o parlamento angolano aprovou a lei da amnistia para "todos os crimes contra a segurança do Estado que foram cometidos no contexto do conflito armado angolano".

Contudo, a organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional condenou na altura a aprovação desta lei, defendendo que os dois lados cometeram crimes horríveis e que os seus autores deviam ser julgados.

População dividida

Os 15 anos de paz acontecem com a população dividida entre os ganhos do maior período de estabilidade em quatro décadas de independência e reclamando que um país "verdadeiramente reconciliado" precisa de melhorias na saúde, educação ou emprego.

"São 15 anos de paz e valeram a pena, felizmente a guerra terminou e, apesar de alguns problemas que ainda vivemos, como a fome que assola muita gente e a falta de emprego para os jovens, o país está estável", comentou à Lusa João Paulo Juca, funcionário do Estado.

Tinha 24 anos quando viu a paz chegar a Angola, lamentando hoje a fome e a falta de emprego que ainda assola muitos angolanos como as grandes "manchas" do país na actualidade, além da "crise que veio piorar ainda mais".

Após a morte em combate de Jonas Savimbi na província do Moxico, praticamente dois meses antes, o Governo angolano, liderado pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), assinava em Luena, com a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) a 04 de abril de 2002, um memorando de entendimento complementar ao protocolo de Lusaca.

Para Carlos Kimbanda, técnico de relações internacionais, a paz não é total quando muitos ainda sofrem, diariamente, para tentar arranjar sustento, defendendo por isso que em 15 anos o país não se desenvolveu.

"É difícil falar em paz em Angola quando nós continuamos a sofrer, qual paz, qual que se o país está pior do que em tempo de guerra? Olha, eu venho do Zango [arredores de Luanda] e durante o trajecto vi muita gente a caminhar a pé, sem uma rede de transporte, muita gente a sofrer. Não posso falar de paz com estas condições que o país nos oferece", desabafou.

Com 37 anos, Kimbanda diz sonhar com uma Angola "integradora e reconciliada", mas sublinha que o país apenas cresceu em infra-estruturas e não se desenvolveu.

Com o país a viver a pior crise económica do período de paz, e com milhares a morrerem anualmente vítimas de doenças como a malária ou a Sida, a população assume a preocupação com o básico.

"Angola registou, sim, algum crescimento de infra-estruturas. Algumas pontes e edifícios foram construídos e apenas isso mesmo. Mas o país não se desenvolveu, não temos um desenvolvimento eficaz e não posso dizer que estamos em paz", acrescentou Carlos Kimbanda.

As comemorações de 2017 decorrem no Huambo, feriado nacional, sob o lema "Paz, Estabilidade e Desenvolvimento", celebrações que decorrem até ao dia 20 de Abril, segundo o Ministério da Administração do Território.

Alheio às cerimónias, o funcionário público Paulo Pinto admite que "o país está melhor", apesar da crise económica, com a quebra para metade nas receitas com a exportação de petróleo.

"O país está em crise, mas está crise é passageira. A maior dificuldade em Angola é o emprego e a falta de condições básicas para as pessoas, porque sem emprego não conseguimos fazer nada. O meu salário continua a ser pouco para as despesas com a família, mas tenho fé que a situação vai melhorar", desabafa.

Por sua vez, a enfermeira Maria Luísa, de 30 anos, lamenta a actual condição sanitária do país, mas ao mesmo tempo realça que a paz foi "um ganho para Angola".

"Angola em paz durante 15 anos foi um ganho do nosso governo e aí sim posso dizer que valeu a pena estarmos em paz durante todo esse tempo, ainda temos muito por fazer para termos outros ganhos, mas tem valido a pena encarar desta forma o país", observou.

Ainda assim, esta enfermeira de Luanda anseia por mudanças no sector onde trabalha e na educação: "Acho que a mudança deveria mesmo começar daí, porque a nossa saúde não está nada boa. Depois posso apontar também a educação, que é o nosso grande problema e ainda a falta de emprego para muitos jovens".

Já para o contabilista Manuel Nlandu, de 40 anos, falar de paz "é sempre motivo de alegria", mas também aponta que há muito ainda por fazer.

"Mas valeu a pena, apesar de precisarmos de melhorias na saúde, educação, água, energia e mais educação para a população. É isso que todos nós desejamos para o país", r