Se o mundo "oficial" aposta hoje todas as fichas das boas intenções nos cerrados avisos lançados a partir da capital brasileira, cujo Fórum Mundial da Água junta diversos Chefes de Estado para assinalar a data, e nas Nações Unidas é lançado o projecto "Década para a Acção - Água para o Desenvolvimento Sustentável 2018-2028", a cidade sul-africana de Cape Town (Cidade do Cabo) há meses que está a fazer mais para alertar a humanidade para este problema que todas as acções oficiais em anos.

Em Janeiro último, os responsáveis municipais de Cape Town decidiram radicalizar os alertas sobre a prolongada seca que a cidade, o país e a sub-região austral estão a viver, em alguns locais a mais grave do último século, criando um calendário do risco, colocando o "Dia Zero", aquele a partir do qual deixará de haver água nas torneiras dos habitantes da cidade, em Abril, conseguindo, depois, afastar esta data limite para o mês de Maio e, ainda mais, para Junho, graças a medidas drásticas de poupança.

E, desta forma, Cape Town, com 3,7 milhões de habitantes, a segunda mais populosa da África do Sul, a seguir a Joanesburgo, aparecia aos olhos do mundo, tal foi a densa cobertura mediática global, como a primeira grande metrópole em risco severo de deixar de ter águanas torneiras.

As notícias e reportagens feitas pelos grandes media globais foram sendo acompanhadas por fotografias reveladores do drama, com destaque para barragens secas, filas de pessoas a encher garrafões, sinais de alerta espalhados pela urbe e frases esclarecedoras, como esta: "if it"s yellow, let it melow...", que é como quem diz, "depois de urinar, deixa estar, não gastes água com o autoclismo..." que pode fazer falta mais tarde para beber.

O esforço de sensibilização surtiu efeito e a Cidade do Cabo conseguiu aguentar. A chuva não regressou como devia, mas as pessoas acolheram o recado e mudaram as suas atitudes, ao mesmo tempo que alguns fazendeiros sentiram a urgência da solidariedade e desviaram água das suas reservas para a comunidade, diluindo em grande medida o grave problema.

O todo austral

Mas a questão está longe de focalizada na Cidade do Cabo, ou mesmo na África do Sul, que está em situação de emergência oficial, com severo impacto na sua agricultura, sendo claramente um problema austral, onde países, entre outros, como a Namíbia, o Botsuana, Moçambique, apesar de aqui as coisas terem melhorado, e o sul de Angola, estarem a viver aquela que é já a mais grave seca dos últimos 35 anos.

Este problema resulta de fenómenos globais provocados pelas alterações climáticas induzidas pelas emissões descontroladas de gases com efeito de estufa, como sejam o "El Nino" e "La Nina", filhos das alterações da temperatura das águas do Oceano Pacífico, que geram correntes de ar globais que vão alterar enormemente as chuvas em algumas regiões, a menos na África Austral ou na África Oriental, ou a mais, noutras regiões do globo.

Para lhe fazer face, os países do sul do continente africano, com poucas excepções, decretaram estados de emergência que implicam investimentos em novos reservatórios, desvios de rios, furos artesianos, distribuição de bens alimentares devido a escassez gerada pela falta de água, etc.

Angola tem, tal como os restantes países da região, sentido fortemente este problema, especialmente em províncias como o Cunene, Kuando Kubango ou Huíla, onde a ONU estima existirem quase um milhão de pessoas a sofrer o impacto directo da seca, estando, pelo menos metade, em risco de défice alimenta severo, incluindo milhares de crianças a necessitar de ajuda permanente.

Mas este cenário pode ser, apesar de tudo, pouco dramático se comparado com algumas estimativas produzidas por diversos organismos internacionais.

Por exemplo, no Fórum Mundial da Água, que decorre no Brasil, com a presença de centenas de Chefes de Estado e governos representados ministerialmente, acabou de ser divulgado que em 2025, metade da humanidade, quase 4 mil milhões de habitantes, vai estar a viver com condicionamentos no acesso à água.

Face a isto, ainda segundo os mesmos dados revelados pelas agências, 80 por cento dos países apresentam-se com sérias dificuldades financeiras ou capacidades técnicas para alcançar os objectivos de acesso a água potável, como é o caso de Angola, sendo que, actualmente, quase mil milhões de pessoas em todo o mundo vive sem acesso a água que não apresente qualquer tipo de risco para a saúde, sendo ainda avassalador o número de pessoas sem acesso a uma casa de banho.

Podendo parecer ironia, a verdade é que o Fórum de brasília serviu de palco para uma das mensagens mais reveladoras do estado actual do mundo nesta matéria, quando Matt Damon, activista e estrela de Hollywood, lembrou que há mais pessoas no mundo com acesso a um telemóvel que cidadãos com acesso a uma casa de banho.