Em declarações à Lusa, Mo Ibrahim disse mesmo estar "muito surpreendido" com as mudanças políticas que o Presidente João Lourenço impulsionou em Angola, justificando o efeito surpresa com a ideia de que, sendo visto como um aliado de José Eduardo dos Santos, o expectável era que fosse proteger essa mesma anterior liderança.

"Fiquei muito surpreendido pelas mudanças em Angola porque todos assumimos que o novo Presidente de Angola, que era um aliado do anterior Presidente e fiel à anterior liderança, seria alguém que iria proteger essa liderança", disse.

Aos 72 anos, Mo Ibrahim é uma espécie de farol para as lideranças africanas porque os seus prémios anuais, dedicados aos melhores exemplos em matéria de combate à corrupção e de boa governação, visando a excelência no desempenho dos cargos, são vistos como os mais prestigiados e credíveis.

Essa credibilidade e prestígio resulta da criação, em 2007, deste prémio com um valor pecuniário de 5 milhões de dólares iniciais e 200 mil USD por ano e para toda a vida para os líderes africanos que cumpram com os requisitos do galardão, e que passam, em síntese, por promover a saúde, a educação, a segurança e o desenvolvimento económico, bem como ter garantido uma transição democrática e efectiva do poder.

Mas o seu prestígio resulta ainda da forma directa como critica a generalidade dos governantes africanos, tendo, em 2017, tecido fortes críticas à própria União Africana, que considerou então ser uma espécie de torre criadaq para que os lideres do continente se protejam uns aos outros.

Nessas declarações, afirmou que os lideres africanos têm de perceber de uma vez por todas que a forma tradicional de actuar do Presidentes, criando mecanismos duvidosos para se protegerem contra o seu próprio comportamento criminoso, rapidamente vai deixar de ser viável e que estes têm de mudar rapidamente os seus comportamentos.

É, provavelmente, com base nesta forma de encarar as coisas que Mo Ibrahim está a olhar para a governação de João Lourenço.

Para além disso, Mo Ibrahim comprometeu-se, sendo esse elemento um dos pilares da sua credibilidade por ter sido dos primeiros multimilionários a enveredar por esse caminho, a doar metade da sua fortuna para caridade, sendo que esta está avaliada em 1,8 mil milhões USD e foi construída essencialmente na área das telecomunicações, primeira como gestor e depois como proprietário da Celtel, que vendeu, com mais de 24 milhões de assinantes em carteira, por 3,4 mil milhões USD, em 2005.

Recorde-se que para além do prémio, a Fundação Mo Ibrahim é ainda responsável pelo Mo Ibrahim Index, uma avaliação severa e sustentada em parâmetros internacionalmente reconhecidos da performance dos países.

E é com esta bagagem por detrás que Mo Ibrahim acrescentou, neste entrevista à Lusa, que gostaria de se encontrar com o Presidente João Lourenço, cujo exemplo que escolheu para sublinhar a ideia de homem independente que construiu para ele, é a forma como lidou com os filhos do anterior Presidente.

"Não tenho a pretensão de entender em detalhe o que se passa no país, mas adoraria encontrar-me com o Presidente de Angola para tentar perceber como é que ele pensa e o que está a acontecer. É um país africano importante e espero que comecem a prestar atenção à importância da boa governação", considerou.

E o homem de negócios deixou mesmo um recado para as governações africanas que resultam de processos revolucionários, sobre os quais se mostra céptico porque o seu desempenho não corresponde, em regra, às proclamações feitas antes de chegar ao poder.

"Preocupa-me sempre quando os movimentos revolucionários cheguem ao poder porque o seu comportamento muda. Não acho que os movimentos revolucionários e de libertação tenham sido muito bem-sucedidos na sua transformação de guerrilheiros em partidos de Governo", disse.

Os ex-Presidentes de Moçambique e Cabo Verde, Joaquim Chissano (2007) e Pedro Pires (2011) respetivamente, integram a lista de laureados da Fundação Mo Ibrahim.

Em 2018, não houve qualquer laureado, o mesmo tendo acontecido em outras seis edições anteriores, algo que Mo Ibrahim assegura ter antecipado aquando da instituição do galardão.

"Sabíamos que havia deficiências nas lideranças em África. Estamos tão atrasados [no desenvolvimento do continente] porque os nossos líderes não são suficientemente bons. Não estou desiludido, a boa liderança é difícil. É difícil para os africanos, para os europeus, para toda a gente", disse.

"Vamos continuar a fazer o que estamos a fazer e alguns anos vamos encontrar magníficos líderes, que gostaremos de distinguir e tornar em modelos, e outros anos não encontraremos, mas a responsabilidade é deles e não nossa", acrescentou.

Os prémios Mo Ibrahim são atribuídos aos lideres africanos que deixaram o poder nos últimos três anos e cumprem os requisitos enunciados, o que, desde que foi lançado, apenas quatro foram galardoados: Hifikepunye Pohamba, da Namíbia (2014), Pedro Pires, de Cabo Verde (2011), Festus Mogae, do Botsuana, em 2008, e Joaquim Chissano, de Moçambique, em 2007. Nelson Mandela foi galardoado com o prémio inicial honorário, em 2007.

Cada eleição é uma preocupação em África

Nesta entrevista à Lusa, Mo Ibrahim dfesdobra-se ainda em declarações sobre a democracia em África, dizendo que cada eleição em África "é uma preocupação" porque a democracia ainda é uma realidade mal assimilada.

"Cada eleição em África é preocupante porque eleições livres e pacíficas, comissões eleitorais independentes e respeito pela oposição são conceitos novos que ainda não foram assimilados em muitos países africanos", disse.

E apontou como dupla preocupação o facto de este ano o continente ter realizado já ou estar a preparar realizar mais de 20 eleições, o que no seu entender são pelo menos 20... preocupações, incluindo em destaque as eleições de 31 de Dezembro de 2018 na República Democrática do Congo (RDC).

Sobre a vitória contestada de Félix Tshisekedi, na RDC, Mo Ibrahim apontou o "surpreendente reconhecimento" pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), depois de terem sido fortemente contestados pelo candidato derrotado, Martin Fayulu, pela Igreja Católica no país e levantaram "sérias dúvidas" de fraude à comunidade internacional.

"A SADC cedeu e agora não há muito que se possa fazer. Não sabemos porque cederam. A SADC é a mais democrática região de África, muitos dos seus países são verdadeiramente democráticos - a África do Sul, a Namíbia - simplesmente não percebo o que aconteceu. Fizeram uma reunião e aceitaram os resultados", disse.

"Espero que não tenham sido os interesses da indústria mineira. Mas a África do Sul já desceu a um ponto em que os interesses mineiros dos países vizinhos se tornaram factor decisivo naquilo que faz? Isso seria muito preocupante", acrescentou.