Recorde-se que o Tribunal Provincial do Huambo condenou a 16 anos de cadeia Ana Paula Isabel, de 19 anos, na terça-feira, autora confessa de nove homicídios envolvendo nove crianças, nas províncias da Huíla, Bié e Huambo, ao longo dos últimos meses.

Em síntese, as autoridades só descobriram que Ana Paula era autora de oito dos nove crimes porque, depois de ter sido apanhada em flagrante no nono homicídio, no Huambo, confessou à polícia a autora dos restantes, cometidos na Huíla, onde matou cinco crianças , no Bié, onde tirou a vida a outras três.

A agora condenada alegou, perante a justiça, que pretendia "apenas" raptar as crianças, dando-lhe um produto, denominado "óleo", usado comummente para dar volume ao cabelo, que as faria adormecer para melhor serem levadas, mas, sem explicar para que queria raptar as crianças, e reiteradamente ter assassinado uma após a outras, o juiz disse na sentença que Ana Paula estava ciente da mortalidade do produto, tendo, mesmo assim, continuado.

Face a isto, e depois de conhecida a aplicação de "apenas" 16 anos de cadeia, num máximo legal de 24, face à lei em vigor no país, considerada, em muitos comentários nas redes sociais, pena escassa para a gravidade dos crimes em questão, o NJOnline foi ouvir o jurista Albano Pedro para enquadrar a decisão do tribunal face à lei angolana.

Albano Pedro começou por explicar que "nos crimes de homicídio pode ser aplicada a pena máxima que vai até a 24 anos, mas os homicídios que chegam a este nível são os homicídios qualificados".

O homicídio qualificado seria aquele "praticado com propósito de se tirar a vida, quando a pessoa actua com propósito único de tirar a vida de outro. E nesse caso, quando isso ocorre e se prova, a pena que costuma ser aplicada e de 24 anos de cadeia".

O jurista considera importante lembrar ainda que o sistema penal angolanano aplica o chamado "cúmulo jurídico", que se distingue do "cúmulo material de penas", que ocorre em sistemas como o brasileiro, por exemplo, onde "quando um individuo, comete vários crimes, somam-se as penas aplicadas por cada um dos crimes e o resultado desta soma é a pena aplicada à pessoa", que pode ir até 200 ou mais anos.

Em Angola, onde se aplica o cúmulo jurídico, as penas atingem um máximo de 24 anos, porque "é a soma das parcelas divididas pelo mesmo número de parcelas".

Ou seja: "Se ao indivíduo é aplicada a pena de 20 anos por cada crime e este tenha cometido, por exemplo, quatro crimes, que daria no cúmulo material 80 anos, no nosso sistema esses quatros crimes são divididos em quatro parcelas, e, obviamente se dividimos 80 por 4, vai dar 20. E, portanto, seria aplicado a pena de 20 anos. É como se ao individuo fosse aplicada a pena de um dos crimes cometidos, até um máximo de 24 anos".

Face a isto, segundo o jurista, e considerando a sentença aplicada pelo Tribunal do Huambo à autora dos nove homicídios, "dá para perceber que o juiz não considerou ter-se tratado de crimes qualificados, no sentido em que a pessoa que cometeu o crime não o fez, na interpretação do tribunal, com propósito cru e nu de tirar a vida das crianças".

Embora Ana Paula não tenha feito saber o que pretendia fazer com as crianças, segundo a sentença, esta poderá ter confessado que a intenção seria, numa mera hipótese, "vender ou outro tipo de prática ilegal mas não de provocar a sua morte".

"Aqui estamos em face do chamado homicídio preterintencional", disse Albano Pedro, referindo-se ao que é, no jargão jurídico, um crime que acontece quando os resultados da acção ultrapassam os pretendidos pelo autor, consubstanciando um misto de dolo e de negligência, que pode levar o tribunal a optar pelo crime de homicídio involuntário, reduzindo assim de forma substancial a moldura penal aplicável.

"Por outro lado, há também que considerar um outro aspecto que é o facto de a jovem ter revelado, confessado, os crimes em tribunal", adiantou o jurista, deixando perceber que, com as revelações de outros crimes, estes tendem a ser condenados de forma diversa daqueles em que o homicida é condenado depois de a autoria do crime ter sido descoberta em resultado da investigação policial.

"Supondo que ela foi alvo de uma queixa-crime de um único homicídio, por exemplo, por causa da morte de uma única criança, o juiz não poderá julgá-la pelo facto de ela ter revelado que matou mais cinco ou seis crianças", esclareceu, acrescentando que "o juiz, por dever de ofício, deve ater-se apenas aos factos que foram invocados na acusação. Se ela for chamada para ser condenada num único crime, será apenas neste que ela será condenada.".

"O que vai acontecer em relação a está revelação é o surgimento daquilo que nós chamamos circunstâncias agravantes. O juiz vai considerar está revelação como um facto que leva a crer que a senhora não pratica actos ilícitos pela primeira vez", funcionando em relação ao crime em concreto em que está a réu a ser condenada, notou Albano Pedro.

O julgamento

Ana Paula Isabel, de 19 anos, acusada pelo Ministério Público (MP) de ter assassinado nove crianças em três províncias desde o ano passado, foi condenada nesta terça-feira, 7, a 16 anos de prisão maior, pelo Tribunal Provincial do Huambo (TPH).

Os crimes ocorreram nas províncias da Huíla, Bié, e Huambo. As primeiras vítimas foram assassinadas no ano de 2017, no município do Lubango, e na província do Bié, a ultima foi este ano na província do Huambo

O juiz Sebastião Nangamãle considerou a mulher culpada pelos nove homicídios voluntários, por ter dado, segundo adiantou ao NJOnline o porta-voz da Polícia Nacional na Huíla, intendente Carlos Alberto, um "óleo Indiano", usado para dar volume ao cabelo, cujo efeito foi a morte das crianças.

Segundo Sebastião Nangamãle, as provas produzidas durante o julgamento todas pesam contra a ré porque o objectivo da arguida era raptar qualquer menor do sexo feminino, pretensamente depois de adormecidas com a mistura que lhes juntava à comida.

Mas o tribunal considerou como provado que a mulher sabia da letalidade do produto quando dado a ingerir às crianças, embora esta tenha alegado que a ideia era raptá-las depois de adormecidas.

"Nestes termos, os juízes deste tribunal julgam procedente, porque provada, a acusação do magistrado do Ministério Público e fica a ré Ana Paula Isabel condenada a 16 anos de prisão maior", sentenciou.

Ana Paula Isabel deverá pagar ainda uma multa 60 mil kwanzas de taxa de justiça e uma compensação a cada uma das famílias das vítimas um milhão de Kwanzas cada pelo crime de envenenamento.