O mote é por demais conhecido dos expatriados. Os meses passam sem que consigam transferir os seus ordenados para Portugal. Nas empresas, nas ruas e nos grupos de facebook multiplicam-se as queixas, os lamentos e os pedidos de ajuda para trocar kwanzas por euros.

Desde finais de 2014, Angola vive uma crise financeira e económica, com a forte quebra das receitas com a exportação de petróleo devido à redução da cotação internacional do barril de crude. Para conseguir divisas é preciso recorrer ao mercado paralelo no tão conhecido Bairro dos Mártires ou em outros pontos estratégicos de Luanda onde o comércio de moeda estrangeira se faz sob o olhar indiferente das autoridades.

Por outro lado, o valor das divisas vendidas pelo Banco Nacional de Angola à banca comercial tem descido vertiginosamente, levando mesmo muitos portugueses a abandonar o país.

Se tivermos em conta que o preço de rua é cerca de duas vezes e meia a taxa de câmbio oficial (o que equivale a dizer que são precisos 500 mil kwanzas para conseguir colocar em Portugal um valor equivalente a pouco mais de 1000 euros), qualquer oferta mais baixa, por exemplo de um valor equivalente a 350Kz/euro, pode ter a aparência de um quase El Dorado para os expatriados, criando um terreno muito fértil para a burla.

Foi isso mesmo que aconteceu num dos vários grupos de facebook criados por portugueses a trabalhar em Angola.

Um indivíduo fez um post a anunciar a venda de moeda estrangeira "a um preço muito apetecível", contou ao Novo Jornal Online o administrador, que até já tinha feito vários avisos ao grupo sobre os muitos embustes de que muitos expatriados têm sido alvo.

"Claro que todos nós que vivemos e trabalhamos em Angola estamos sedentos de moeda estrangeira, dada a escassez, a dificuldade de enviar o dinheiro via banco, e a necessidade de honrar os mais diversos compromissos em Portugal", lembra.

O suposto vendedor, sabendo dessa necessidade dos expatriados, quando alguém o contactava, dizia já estar com os valores limitados face à grande procura que havia, forçando os interessados a apressar-se a fazer os depósitos e as transferências para a conta que ele lhes indicava.

"O indivíduo, no seu perfil, tinha número de telemóvel português e, quando falavam com ele, tinha sotaque do norte de Portugal. Mas a realidade é que era, e foi, uma grande burla", conta o administrador que não quis ser identificado.

"O homem deu os dados da sua conta, recebeu os valores e desapareceu".

O administrador do grupo Portugueses em Angola explica ter sido um membro que lhe contou, em particular e de forma envergonhada, o que lhe tinha acontecido.

"Rapidamente colocámos um post na página como forma de alerta sobre o tal indivíduo que alegadamente andava a vender moeda estrangeira", diz.

A suspeita de burla já se começava a sentir

Foi nessa altura que começaram a chegar outras queixas. A suspeita de um grande embuste já se começava a sentir.

"Organizámos os membros lesados, enfrentámos a triste realidade, e começou a tomada de decisões", diz o administrador do grupo. Conta ainda que foi graças à astúcia de alguns membros e ao seu relacionamento com algumas entidades bancárias que os lesados conseguiram cativar os valores creditados na conta do suposto vendedor de divisas, através de denúncia escrita, junto dos bancos.

Mas houve pessoas que tinham feito depósitos, de modo que uma delas telefonou ao burlador e fez pressão para se encontrarem para resolver a situação, ameaçando-o sobre as consequências dos seus actos e prometendo-lhe que, se ele devolvesse o dinheiro, não faria queixa à polícia. O indivíduo concordou e agendaram um encontro.

"Quando chegou ao local, o indivíduo, um cidadão nacional, que nada tinha a ver com o perfil do Facebook, estava rodeado de cúmplices, alguns do tamanho de um minibus. Eram mais de dez", conta o gestor da página.

"Felizmente, o lesado teve a esperteza de avisar a polícia, pois algo lhe parecia não estar bem. E não estava. O que vale é que a polícia controlou a situação, porque poderia certamente resultar num rapto. Foi impecável".

Foi a polícia que conduziu o indivíduo até ao Banco para se recuperarem os valores dos lesados.

"O indivíduo ainda deu "gozo" à polícia, mas, durante a viagem, feita a pé, negociou a reposição dos valores em troca de não ser levado para a esquadra, negociação essa, supostamente, aceite".

"Finalmente, entraram na agência bancária onde o suposto vendedor tinha conta e foram recuperados os valores de todos quantos se tinham queixado no grupo", continua.

"Quem cai nestas burlas não é porque roubou da empresa e está a tentar mandar o dinheiro para fora, ou recebeu uma comissão e quer ir de férias, ou porque passou a perna a outro num negócio e quer é tirar o dinheiro daqui. Não! São pessoas com família, filhos, pais lá fora e responsabilidades para cumprir", remata o administrador, feliz, apesar de tudo, porque "esta história poderia ter tido outro final".

O Presidente da República tem repetido que o combate à fuga de divisas da banca para o mercado informal é um objectivo prioritário, reafirmando que foram dadas orientações precisas às novas chefias da polícia e do Banco Nacional de Angola para a sua "responsabilidade", defendendo não ser verdade que o país não tem divisas, apontando que estas apenas estão onde não deviam estar, no mercado paralelo.

João Lourenço, que tomou posse em Setembro, sublinhou que em Angola os dólares e os euros não estão nos bancos mas sim "noutros locais", para deixar em evidência que os "outros locais" não são o lugar apropriado para as divisas do país, cuja crise começou entre 2013 e 2014 por causa da queda abrupta do preço do barril de petróleo.