Alegando razões de higiene e para minimizar o risco de propagação de doenças como a cólera, o Governo determinou a proibição de venda fora dos locais próprios na Ilha de Luanda e na Praia da Mabunda, na Samba.

Pescadores, vendedoras ambulantes (zungueiras), escaladores (pessoas que limpam e secam peixe), e contadores (contam e comercializam o peixe) também chamados de ajudantes de terra, que diariamente exerciam as suas actividades no famoso mercado da Salga, na Ilha do Cabo, ou de Luanda, perderam de um dia para o outro o seu ganha-pão.

Filipe Dito, escalador há 25 anos, contou ao NJOnline que a medida do Ministério da Pescas e do Mar em proibir a actividade naquela zona vai apenas agravar a vida das pessoas com poucos recursos financeiros para adquirir peixe.

"Aqui vinham senhoras com cinco mil kwanzas comprar peixe para ir vender na zunga. Essas pessoas já não vão conseguir comprar mais, porque os beneficiários serão os grandes comerciantes que compram mais de 100 caixas de peixe para revender. Que beneficio terão as pessoas pobres? ", questiona o escalador, acrescentando que "essa juventude que agora deixa de ter trabalho vai ter de se desenrascar e a delinquência é o seu futuro".

De acordo com Filipe Dito, os escaladores não têm para onde ir, pois o ministério só vai mesmo transferir as embarcações do segmento artesanal, que deverão proceder às descargas nas instalações do Porto Pesqueiro da Boavista, sem o referido pessoal que antes fazia a descarga dos barcos e comercializavam o peixe.

Oliveira Evaristo, também escalador de peixe há 10 anos, proveniente do Waku Kungo, província do Kwanza-Sul, contou que veio para Luanda à procura de melhores condições de vida para sustentar a sua família que ficou na terra natal.

Com o pouco que ganhava, conta o jovem, conseguia enviar dinheiro mensal à sua esposa e filhos no Kwanza-Sul, onde reside a família.

"Estava contente por trabalhar aqui e conseguia mandar dinheiro à minha família, pois eu vim à procura de emprego em Luanda para sustentar os meus filhos. Agora não sei o que vou fazer com a minha vida sem este emprego", disse.

Álcool como refúgio

Desde que proibiram a pesca e a venda de peixe, "a juventude não sabe para onde ir e tudo está parado. Há quem já esteja a refugiar-se no álcool diariamente, porque estão a pensar na vida daqui para frente", diz ao NJOnline Domingas Luís, moradora na ilha há mais de 30 anos.

O pescador Francisco Hossi tem ideia que "existe má-fé do Ministério das Pescas e do Mar, pois, segundo conta, "os armadores vão parar as actividades na Ilha e o peixe vai subir em Luanda porque as populações compram o peixe nas peixarias cujos proprietários são eles mesmos. Esse é o objectivo desta proibição porque sempre tiveram essa luta", disse o pescador.

Entretanto, apesar da pesca e da venda estar proibida, o NJOnline constatou que as mais de 100 vendedoras do mercado da Salga ainda não foram transferidas para o Centro de Apoio à Pesca Artesanal da Ilha do Cabo, como foi prometido, e continuam a aguardar.

Uma fonte do referido Centro, que não quis ser identificada, afirmou que a transferência será para breve e que estão a ser ultimados os acertos para a acomodação das vendedoras.

No primeiro dia deste mês, o Ministério das Pescas e do Mar proibiu as descargas de pescado em toda a costa marítima da Samba e da Ilha de Luanda, onde considera haver contravenção dos requisitos de higiene, que comprometem a saúde pública.

A proibição abrange a actividade semi-industrial, com excepção das empresas que tenham infra-estruturas de pesca em terra licenciadas para o efeito.

O aviso diz também que as embarcações do segmento artesanal, de igual forma, deverão proceder às descargas nas instalações do Mercado do Peixe da Mabunda e no Centro de Apoio à Pesca Artesanal da Ilha do Cabo.

A nota referiu que o não cumprimento das medidas orientadas, nos termos da legislação específica, dará origem à aplicação de multas.

No último dia do mês passado, a Administração do distrito urbano da Samba proibiu o exercício da actividade comercial fora do mercado da Mabunda face ao surto epidémico de cólera que o distrito da Samba registou no mês de Julho, marcado pela morte de uma pessoa.

Em declarações ao NJOnline, a Administradora Municipal, Mariana Domingos Francisco, disse que a referida praia foi interdita porque registaram quatro casos de cólera e que o Estado angolano está a tomar medidas para que essa doença não se propague.

Recorde-se que esta actividade e a afluência de milhares de pessoas diariamente a estes locais de venda de peixe, geram ainda como problema o amontoar de lixo e, por falta de instalações sanitárias, defeca-se e urina-se ao ar livre, provocando um ambiente de grande insalubridade e perigoso para a saúde pública, para além de um efeito estético degradante para as áreas da cidade de Luanda em questão.