Os mais de 23 mil milhões de kwanzas atribuídos pelo Executivo para aliviar o sofrimento das populações, mais de 1,3 de pessoas distribuídas por cerca de 250 mil famílias, das províncias do Cunene, a mais afectada, do Kuando Kubango, do Namibe e da Huíla devem ser utilizados, advertiu João Lourenço, para fazer chegar, integralmente, os bens de que as populações carecem.

Na sua intervenção inicial da reunião da Comissão Nacional de Protecção Civil (CNPC), o Chefe de Estado procurou de forma clara fazer chegar a mensagem de que o rigor deve ser a palavra de ordem na gestão do dinheiro e dos bens disponibilizados para as populações, dando como exemplo as motorizadas equipadas com pequenas cisternas, destinadas a facilitar o transporte de água para as zonas em situação mais grave e distantes.

Estas, avisou Lourenço, devem ser colocadas ao serviço das populações sem excepção, deixando um recado, em tom de quem sabe que nem sempre as regras são cumpridas, dirigido às lideranças locais, no sentido de não querer ver estes veículos ao serviço de particulares, nomeadamente nas fazendas destas províncias.

O dinheiro e os bens devem chegar, efectivamente, às populações necessitadas e vítimas da seca severa que atinge o sul de Angola há já vários anos mas que os especialistas admitem ter atingido um grau de severidade no ano agrícola 2018-2019 sem memória.

A ONU, através do seu Escritório das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (UNOCHA), tem vindo, repetidamente, a chamar a atenção para a extrema gravidade da situação vivida no sul de Angola, especialmente entre as crianças, estimando que mais de meio milhão - entre os 1,3 milhões de pessoas afectadas - estão em situação de risco, milhares com risco de vida, e a necessitar de intervenção urgente.

Dezenas de milhares destas crianças já deixaram o sistema de ensino, adverte o UNICEF via UNOCHA, e muitas mais podem seguir o mesmo caminho, com consequências trágicas para o futuro do país mas especialmente das regiões afectadas.

Recorde-se que o Governo tem em curso um vasto programa de mitigação dos efeitos devastadores da seca, denominado Programa de Emergência de Combate à Seca, no âmbito do qual já distribuiu, foi dito nesta reunião da CNPC, cerca de 1,2 mil toneladas de bens alimentares às populações que, paa além da sua sobrevivência, lidam diariamente com a morte de milhares de cabeças de gado, um dos sustentáculos da economia e das sociedades desta geografia do sul de Angola.

Entre as medidas estruturantes de combate à seca, com potencial de prevenção dos seus efeitos no futuro, está a construção de duas barragens e sistemas de distribuição de água dos principais rios, bem como a recuperação de poços ou a criação de novas fontes de abastecimentos através de furos artesianos, porque já não existem dúvidas entre a comunidade científica de que se vai agravar nos próximos anos.

Apesar de o sul de Angola ser uma geografia onde as comunidades locais estão habituadas aos efeitos da estiagem, actualmente, devido à anormal severidade destes ciclos sem chuva, o conhecimento ancestral já não chega para garantir a sua sobrevivência e tendencialmente pode piorar, como o NJOnline tem vindo a noticiar, nomeadamente devido às alterações do clima que resultam da emissão descomunal de gases com efeito de estufa.

Os avisos repetem-se: vai ser pior!

O continente africano vai ser fustigado por mais cheias e mais secas, ainda mais prolongadas e intensas que aquilo que estava previsto, nas próximas décadas e o cenário já era trágico, devido às alterações climáticas em curso, revela um estudo elaborado por uma equipa de cientistas do Met Office, o organismo responsável pelo estudo da meteorologia no Reino Unido.

O aquecimento global está por detrás deste ciclo de devastação planetária que incide com especial intensidade no continente africano e este é essencialmente provocado pela poluição resultante de gases com efeito de estufa, maioritariamente provenientes da queima de combustíveis fosseis - Petróleo, carvão e gás natural -, devastação de florestas tropicais, como a Amazónia, na América do Sul, ou a floresta húmida africana, e ainda da intensiva criação de gado bovino.

Os períodos de seca que todos os anos atingem as províncias do sul de Angola, segundo este estudo, serão mais prolongados ainda e a geografia abrangida tende a aumentar, com mais áreas afectadas, das províncias do Cunene, Kuando Kubango, Huíla e Namibe, avançando para as províncias vizinhas, como Benguela ou o Huambo, o Bié e o Moxico.

Por outro lado, as cheias, resultantes de chuva anormalmente intensa, vão surgir com mais regularidade, igualmente fruto das alterações climáticas geradas pela polição atmosférica, a que se junta, como é sabido, a poluição dos mares com milhões de toneladas de plástico, que, segundo outros estudos, até 2050 vão fazer com que a massa/peso de peixe nos mares do mundo seja menor que o peso de plásticos, levado progressivamente à extinção de espécies marinhas.

Esta poluição é em grande medida resultado do uso intenso de sacos plástico e de invólucros de plástico de utilização única que, por exemplo, nas cidades africanas, entopem os cursos de água urbanos e acabam, mais cedo ou mais tarde, por ir parar ao mar, levando a que muitos governos - não é o caso ainda de Angola - já tenham proibido a utilização de sacos plástico como aqueles fornecidos nos supermercados, por exemplo.

Uma das consequências mais dramáticas dadas a conhecer e antecipadas por este estudo britânico divulgado hoje pela imprensa do Reino Unido, é a forte diminuição das colheitas agrícolas, levando a que as populações africanas em forte crescimento - por exemplo, Angola deverá ter mais de 50 milhões de pessoas dentro de uma década e cerca de 70 milhões em 2050 - sintam cada vez mais dificuldades em aceder a uma alimentação suficiente.

As cheias, em resultado de intensas tempestades, ciclones e tornados... vão ser cada vez mais devastadoras - os ciclones que varreram Moçambique já este ano foram considerados os mais intensos de sempre -, provocando igual destruição na capacidade de produção alimentar com especial enfoque no continente africano.

Citada pelo The Guardian, Elizabeth Kendon, do Met Ofice, entidade autora deste estudo, afirmou que "essencialmente, foi reelado agora que em África as condições extremas do clima vão aumentar ainda mais de intensidade e capacidade de destruição", fazendo um sublinhado para o facto de estes fenómenos meteorológicos virem a ser mais frequentes fora de tempo, coincidindo com as épocas de crescimento das colheitas.

Como exemplo para este drama em curso para a humanidade, foi avançado que os níeis de dióxido de carbono na atmosfera, a principal fonte do aquecimento global, foi, em Maio deste ano, de 415 partes por milhão, que em ordem de grandeza exemplificativa pode ser melhor percebido se se souber que estes valores são os mais altos desde o aparecimento do Homo Sapiens, e estes números trágicos não vão parar de aumentar nos próximos anos, sendo, como nunca foi, uma emergência global travar já as fontes emissoras de poluição via gases com efeito de estufa.

No que toca às cheias, este estudo do Met Office, em colaboração com o Instituto de Ciências Atmosféricas e Climáticas do Reino Unido, publicado na Nature Communications, aponta como em maior risco as regiões africanas ocupadas pela Nigéria, RDC e República do Congo, Níger, devido à localização mas também devido ao facto de serem dos países com crescimento populacional mais acelerado.