"O sentimento das nossas fraquezas não nos pode fazer perder a noção das nossas forças". Essa expresão é sua. A crise económica, aliada à crise pandémica, tem revelado muitas das fraquezas ou fragilidades da classe empresarial. De onde buscou forças para resistir?

Nós temos que ter consciência de uma coisa importante que é o nacionalismo. Nós temos que acreditar no nosso País. Temos que acreditar nas potencialidades do nosso País, não só nas potencialidades materiais, mas também humanas. O nosso povo tem capacidade e consegue realizar grandes coisas. E mesmo nas grandes dificuldades, quando está tudo mal é que nós temos que juntar as feridas todas, sará-las e ir para a luta. Nisso aí que está a essa grandiosidade do povo angolano. É mesmo no momento mais difícil, que nós conseguimos isso.

Vai sair-se dessa mais forte?

Todas as dificuldades tornam as pessoas mais fortes e mais consequentes. É preciso, cada vez mais, pensarmos que a unidade tem por objectivo comum criar um País, ter um País a acontecer. Então, tudo isso vai fazer-nos ficar mais fortes.

Com a crise, há sectores, em Benguela, que foram muito afectados, como, por exemplo, o da Hotelaria e restauração?

O problema da Hotelaria é complicado. O sector da Hotelaria e Turismo talvez seja dos mais afectados no mundo. As pessoas não podem circular. Grande parte do turismo em Benguela são as praias, e elas estão vedadas. Isso criou algumas dificuldades. Por outro lado, criou outra acutilância nos negócios. Não tínhamos, antigamente, o serviço de takeway. O takeway não existia, era um problema da Europa, não nosso. Quem é que mandava fazer comida fora para comer em casa? Ninguém. E hoje sabemos que há muita gente em Angola a utilizá-lo e há concorrência entre elas. Tenho amigos que montaram o takeway de pequenos-almoços em Luanda e que estão a facturar bem. Nisso tudo, é preciso aguçar a criatividade. Efectivamente, as praias estão fechadas, os hotéis têm pouca actividade, mas temos de criar outros interesses e actividades. Por isso, vemos há aqueles que ficam a dizer "amém", "amém" e a chorar. A vida é essa, que triunfa. O que aconselho é que tem de haver acutilância. Não podemos nunca chorar pelo leite derramado e atear a toalha ao chão. É impossível.

É a capacidade de se reinventar?

É reinventar-se. A vida é isso, é o dinamismo. Cada vez mais temos de criar dinamismo e dizer como é que vamos sair da crise.

Esteve na última reunião do Conselho Económico e Social, do qual é membro, e apresentou uma proposta de maior controlo à actividade pesqueira em alto-mar. Em que consiste?

O problema da pesca em Angola é fundamental. Sabemos o que é que se quer. Há duas coisas importantes: uma é o que podemos pescar e a outra é saber qual é a nossa biomassa ou a quantidade de peixe que temos e depois saber o que é que podemos pescar. São questões fundamentais para podermos trabalhar. E depois e aí se entra na situação de sabermos o que é controlado.

Também é preciso saber quem é que está a pescar? Será que temos controlo sobre quem pesca no nosso mar?

Isso é que temos de saber, quem é que está a pescar. Temos de controlar. Aqui não pode haver ninguém a pescar sem uma licença. Não pode haver alguém a pescar sem autorização e ter uma quota de pesca. Quando as quotas de pesca não são verdadeiras, andamos a falsear tudo isso. Ninguém sabe o que é que se pesca e, então, em face disso, neste momento o Executivo está a fazer um grande esforço para conseguir controlar isso. Pelo menos, o senhor ministro da Agricultura e Pescas debruça-se, várias vezes, sobre isso. A fiscalização é fundamental. Defendo que o peixe pode participar muito no Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Sem controlo, isso fica extremamente impossível. Não se sabe o que é pescado, e os números não batem à bota com a perdigota?

Ninguém sabe o que se pesca em Angola. Desculpem-me, mas ninguém sabe em Angola, ninguém.

Recentemente, tivemos um caso em Benguela da apreensão do navio ucraniano de carapau, e o empresário Areias foi o fiel depositário. Foi só depositário?

Nada tenho a ver com este barco. A única coisa é que vieram ter comigo para guardar 500 toneladas e, no fim, descarregaram duas mil e "tal". Mas é a realidade. Não vou discutir isso. Essa situação prova, mais uma vez, que é preciso controlar a actividade pesqueira. Mas não estou a dizer que está bem ou que está mal.

Contudo, há outro lado da moeda. Há dias, o responsável da Pescangola acusou os armadores de não cooperar com as autoridades no fornecimento de informações?

Defendo uma situação de que tenho falado há 40 anos. Quem pesca não pode vender directamente o peixe. Quem pesca tem de vender a alguém, até porque esse alguém é que vai vender o peixe. O meu barco chega à ponte e descarrega, e eu vou vender o peixe directamente. Digo, por exemplo, que o meu barco pescou 10 toneladas. O barco, se calhar, trouxe 100. Alguém tem de controlar bem isso. É preciso que os grémios entreguem o peixe a alguém ou a uma associação que me pague na hora pelo seu real valor e vai vender a outrem. O que é que acontece hoje? Nesse grémio, hoje quem domina até nem são angolanos. Se calhar, até são outros cidadãos. É preciso analisar isso. Esse é o problema. Temos de pescar e entregar a alguém que controle o peixe; esse alguém, por exemplo, mete um selo em cada caixa, e o Estado vai buscar a sua participação.

A cadeia de valor não é cumprida?

Acontece que ninguém controla nada, e, então, andamos aqui todos no barulho. Não critico o homem da fiscalização. Como é que um jovem da fiscalização, que, se calhar, ganha 50 ou 100 mil kwanzas, vai controlar um barco que factura um milhão de dólares/dia? Não estou a criticar, não estou a dizer nada, mas digo que são realidades que temos de analisar.

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