O Departamento da Energia, que é o "coração" Executivo da Administração do Presidente Joe Biden para o sector energético, tinha dito que iria usar os stocks estratégicos de crude para artificialmente forçar a uma baixa dos preços do petróleo, que estão a bater recordes de anos há semanas consecutivas, gerando um refluxo nos ganhos que chegaram às maiores economias do mundo com o "fade out" da crise gerada pela pandemia da Covid-19.

Não é a primeira vez que os EUA fazem uso das suas reservas estratégicas (SPR, sigla em inglês) de quase 715 milhões de barris - o mundo consome 100 milhões por dia -, contando, por isso, com uma capacidade única de manipular os preços de mercado em alturas de graves crises, como foram as que ao longo da história afectaram o Médio Oriente, ou de preços altos, como sucedeu em 2008, quando o barril de Brent bateu nos 147 USD.

No entanto, e apesar de a Administração norte-americana estar a usar uma linguagem forte para que a OPEP+, a organização que actualmente junta os Países Exportadores (OPEP) e 10 independentes com a Rússia à cabeça, desde 2017, para equilibrar os mercados, para já, voltou atrás com a ameaça de injectar parte do seu SPR no mercado, tendo conseguido, apenas com a ameaça, todavia, uma baixa significativa de 2 a 3 dólares por barril na semana passada.

No entanto, já hoje, com o mundo a assistir a uma saída da crise cada vez mais evidente, com a Europa e a China a atravessarem graves crises de fornecimento e de preços, e com os EUA a sentirem cada vez mais a pressão da perda de capacidade no mundo de corresponder à acentuada e crescente procura, a par, ainda, dos constrangimentos provocados pela urgência da transição energética - troca drástica do consumo de hidrocarbonetos por energias limpas -, o barril de Brent, determinante para as exportações nacionais, está hoje a valorizar-se de forma robusta, batendo um recorde de mais de vários anos.

Perto das 10:00 de hoje, hora de Luanda, o barril de Brent estava a valer, nos contratos para Dezembro, 84, 18 USD, +0,39% que no fecho de segunda-feira, enquanto no WTI de Nova Iorque, com contrato para Novembro, o barril estava a valer mais 0,30% que no fecho da última sessão, para os 80,26 USD.

O que tinha feito abrandar a escalada da matéria-prima nos mercados, impulsionada pela saída da crise da economia mundial, devido à massiva vacinação, e ao fim dos confinamentos nas grandes economias - ameaça de uso dos SPR nos EUA e da proibição de exportação de petróleo Made in USA - não é a doença em si, é apenas um sintoma, porque a doença da escassez de fornecimento global está a ser sentida já há pelo menos três semanas na China e na Europa, a braços com preços de crude, combustíveis refinados e gás natural que não eram vistos há mais de uma década.

Na China, por exemplo, a falha de fornecimento de electricidade, que está a obrigar ao encerramento de unidades fabris inteiras em vários sectores, com especial impacto no automóvel e na indústria metalo-mecânica, está relacionada, também, com as medidas aplicadas por Pequim no sentido de reduzir de forma massiva o consumo de combustíveis fósseis substituindo-as por energias verdes, sendo este fosso já esperado, apenas com dúvida sobre o tempo que vai levar esta transição e se as economias aguentam o impacto.

Isto, porque, no próximo mês, em Glasgow, na Escócia, o mundo volta a reunir numa das mais dramáticas Conferências do Clima - a COP26 -, quando a ONU já veio dizer, no rasto das advertências cada vez mais sonoras da comunidade científica, e com isso mesmo cada vez mais visível nas catástrofes climáticas que chegam aos ecrãs da humanidade, que o tempo para brincadeiras acabou e que, agora, as opções são claras: ou se acaba mesmo com o petróleo enquanto combustível do planeta ou o Planeta Terra acaba com a humanidade.

E o que se espera desse encontro global de Glasgow deverá ser a mais enfática declaração de guerra às alterações climáticas que, dê por onde der, tem sempre no seu cerne o inevitável fim da queima de crude como fornecedor maior de energia à humanidade, como, de resto, o Presidente dos EUA já admitiu estar disponível para dar esse passo, a China, não só o diz, como já está a fazê-lo, na Europa, essa conquista de território ao crude é mais antiga e já com países a conseguir mesmo subsistir durante vários dias apenas com energias verdes - eólica, hídrica e solar -, como é caso de Portugal, Holanda, Bélgica...

E por detrás deste "clima", que obriga a tudo fazer para salvar o clima, está a ideia de que o choque gerado pela transição energética é inevitável e que, pelo contrário, os elevados preços do petróleo são o melhor incentivo a que o mundo invista cada vez mais em tecnologia verde no sector da produção de energia.

Por exemplo, o Departamento da Energia dos EUA, que esteve por detrás da queda relativa do valor do barril nos últimos dias, veio agora, através da responsável pela comunicação, Jen Psaki, dizer que só não haverá qualquer uso do SPR para controlar o mercado energético como a principal inquietação é a questão climática.

"A questão é de tal maneira prioritária que nem vale a pena dizer mais nada sobre este tema", disse Psaki em conferência de imprensa, deitando por terra qualquer possibilidade de retomar a ideia de libertação de reservas para baixar os preços do barril, apesar de não negar que Washington tem estado a pressionar a OPEP no sentido de ser o "cartel" a aumentar a produção, o que não foi o caso, como se esperava, na última reunião deste, no início deste mês, como se pode retomar aqui.

O "pior" está para vir

Algumas casas financeiras com tentáculos globais, como a Goldman Sachs há pelo menos dois anos que estão a advertir para uma escalada no preço do petróleo, mesmo sem antecipar a pandemia da Covid-19 que apanhou o mundo de surpresa no início de 2020.

Para a Goldman Sachs, a questão era, e assim permanece, o escasso investimento na pesquisa, tal como, por exemplo, a consultora Mckenzie apontava já em 2016, apontando mesmo que desde 1947 que o mundo apostava tão pouco na procura por novas jazidas de ouro negro.

O que se está a verificar, como notam alguns analistas, é que o barril está a bater recorde atrás de recorde, sendo que o Brent, determinante para as vendas nacionais, não era vendido a este preço, perto dos 84 USD, há sete anos, e o WTI não chegava além dos 80 desde 2014.

E assim deve continuar, pelo menos até aos 90 USD, no caso do Brent, sendo que fora desta matemática está a questão da urgência da transição energética, que, como já sucede na China, vai levar a uma situação onde o mundo, voluntariamente, se submeterá, em noma da salvação do planeta, fustigado pelas alterações climáticas, a um longo período de escassez de combustíveis até que a produção de energias limpas substitua a actual força motriz da economia mundial que é o petróleo.

E esse dado não pode ainda ser tido em conta porque a dimensão do seu efeito, como admitem cada vez mais analistas, pode mesmo levar a um cenário caótico, mesmo que temporário, onde o barril de crude, cada vez mais escasso, pode chegar aos 200 USD, ou além disso.

Os países europeus já vivem esse drama e ainda na segunda-feira, o ministro português da Economia, Pedro Siza Vieira, admitiu que aquele país europeu, a enfrentar uma crise de preços altos nos combustíveis refinados como não se via há muitos anos, vai enfrentar esta situação por muito tempo.

Sendo que o fenómeno está a varrer quase sem excepção as economias mais desenvolvidas.

Em Angola, esse problema ainda não chegou ao bolso do cidadão porque o Estado mantém uma insustentável, como o próprio Executivo já admitiu, subsidiação aos combustíveis que seca os cofres públicos em quase 2 mil milhões USD por ano.

Mas esse "bónus" não deverá durar muito mais e, como tem sido sublinhado por alguns economistas, depois das eleições de 2022, algumas medidas de correcção terão de ser introduzidas, fazendo aumentar o preço da gasolina e do gasóleo nos postos de abastecimento.

E, apesar de tudo, como pode Angola aproveitar este momento?

Para países como Angola, cujas economias são extremamente dependentes das exportações de crude, este momento é, seguramente, gerador de derradeiras oportunidades para investir na diversificação das suas economias com os excedentes gerados pelos elevados preços da matéria-prima, escolhendo bem onde apostar.

Com o barril quase nos 85 USD, o Executivo angolano, que elaborou o OGE 2021 com 39 USD como valor de referência para o barril, conta com um bónus de 46 dólares, o que permite, mesmo que sejam gigantescos os compromissos com a dívida externa, colocar uma boa parte deste superavit na diversificação da sua asfixiada economia.

No entanto, para já, de forma a corresponder a urgências imediatas, como é o caso da redução dos gastos com a subsidiação dos combustíveis, gasolina e gasóleo, que leva dos cofres públicos quase 2 mil milhões USD/ano, o Governo tem colocado uma boa parte das fichas na aposta da construção de refinarias, contando com o abastecimento local e com a exportação de refinados para outros países do continente onde a transição energética, espera-se, venha a demorar mais a chegar.

Porém, como alguns especialistas têm vindo a chamar à atenção para isso, o calendário destes processos não obedece às leis a que estávamos habituados no passado e podem, de um momento para o outro - a COP26, em Glasgow, no próximo mês é um bom exemplo e uma possibilidade de algo inesperado suceder - conduzir a mudanças radicais de paradigma que deitem por terra tudo isso, face à já hoje evidente urgência de mudança, como lembrou na última Assembleia-Geral da ONU, o seu Secretário Geral, António Guterres, afirmando que o mundo vive o seu último curto intervalo temporal para levar a sério o "alerta vermelho" climático.

Ou seja, se não for nos próximos 2 a 3 anos, Angola terá, exponencialmente, mais e mais dificuldades em ter como investir na modernização da sua agricultura, na diversificação das fontes de rendimento, no aproveitamento do seu potencial mineiro...

Cenário de fundo

No entanto, este é o momento para aproveitar o que houver para aproveitar. Mas mesmo isso não está a ser fácil.

Se Angola, Nigéria, Líbia ou Argélia, os grandes produtores africanos sofreram com a baixa do consumo, a recuperação não está a ser igualmente rápida, muito devido à fraca capacidade de resposta, de forma mais acentuada em Angola e na Nigéria, por causa da deterioração da sua infra-estrutura, do desinvestimento em pesquisa, em manutenção e já, também, resultado de uma desistência global do petróleo devido à poluição e o esforço mundial para uma transição energética que afaste a ameaça das alterações climáticas sobre a humanidade.

Mas o mesmo não se pode dizer dos países do Golfo, que tiveram melhor visão estratégica ao longo dos anos, investindo mais na diversificação e na manutenção dos seus campos, que, agora, estão a dar uma resposta adequada ao aumento da procura e a gerar optimismo entre os diversos sectores económicos, como é o caso da Arábia Saudita, cujo mercado bolsista cresceu mais de 42 por cento nos últimos 12 meses.

Este exemplo é ainda mais interessante porque o crescimento mais volumoso reflecte-se, segundo os media internacionais especializados, no sector não petrolífero, como as telecomunicações, o turismo, o comércio e a indústria química..., sendo que a petrolífera nacional, a ARAMCO, no mesmo período, ganhou uns meros 3,3%.

Mas esta lancinante recuperação, que já é vista como o milagre do Golfo, abrange ainda os Emirados Árabes Unidos, com o mercado bolsista a subir mais de 14%, com destaque para os sectores da saúde, da banca e do ensino privado, ou ainda das telecomunicações, entre outros.

E o cenário é muito semelhante, como se pode perceber pelos dados que estão a ser divulgados pelas agências, no Qatar, no Kuwait, Baharain ou mesmo no Irão, apesar deste país estar sujito à pressão adicional das sanções norte-americanas.

A ficar para trás

Entre os restantes exportadores de crude, a recuperação está a ser substancialmente mais lenta, como é o caso de Angola, onde a economia se debate com a pressão da inflação, que pode chegar, segundo o INE e o BNA, aos 27% nos próximos meses, uma crise social sem precedentes desde o fim da guerra, em 2002, e uma assinalável incapacidade para que os esforços da diversificação económica mostrem sinais de estar a produzir efeito.

Como pano de fundo para este cenário difícil, o País tem o acentuado declínio da sua produção de petróleo, que está actualmente abaixo dos 1,1 milhões de barris por dia e com tendência para diminuir ainda mais.

Tudo devido ao sobejamente conhecidos problemas do abandono de algumas das majors com investimentos no off shore nacional, face a uma "infecciosa" dependência do petróleo que, ao longo dos anos, criou uma inércia geral face à urgência de diversificar a economia apesar de ser bem conhecida essa urgência.

E o resultado é o que se sabia estar ao virar da esquina perante uma realidade em que o petróleo ainda é rei e senhor na economia nacional.

Sendo Angola um dos países na linha da frente das repercussões do sobe e desce dos mercados petrolíferos, devido à sua dependência das exportações de crude para o equilíbrio das suas contas - o petróleo ainda é responsável por mais de 94% das exportações e mais de 60 por cento dos gastos do Executivo e acima de 50% do PIB, este cenário de recuperação permite, ainda assim, algum optimismo nas contas nacionais mas ainda longe de um regresso ao patamar alcançado a partir de 2008, com o barril, como exemplo, a chegar aos 147 USD no Verão desse mesmo ano, permitindo um boom económico como nunca visto até ali.

A produção actual, em constante declínio, está abaixo dos 1,1 mbpd devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016, bem como devido ao esgotamento/envelhecimento dos campos mais activos.

Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção tem vindo a perder viço especialmente por causa da deterioração da infra-estrutura produtiva que desde 2014 viu os investimentos das "majors" descer, a fraca aposta na pesquisa por novas reservas e o envelhecimento de alguns dos mais importantes poços activos no offshore nacional.

Para já, com o barril acima dos 84 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de mais de 45 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.

E com a transição energética a impor cada vez mais a sua vontade, com o crude e os restantes hidrocarbonetos a ser olhado como uma infecção perigosa e contagiosa, o País tem agora de fazer o que não fez nos últimos 20 anos: diversificar a sua economia o mais rápido possível, porque o petróleo tem os dias contados. E são cada vez menos.