Os HIMARS, Lança-foguetes de Alta Mobilidade, que existem em duas versões, o M142, com alcance de até 70 kms - os únicos actualmente no campo de batalha ucraniano - e os M270, cujo potencial vai até aos 400 kms, ou mais, e pode projectar ogivas nucleares, estão a mudar o curso da guerra e a alterar a percepção na opinião pública ocidental de que no fim, Kiev pode ganhar esta guerra, que, até aqui, parecia pender para o lado russo. Mas as opiniões dividem-se.

Os perto de duas dezenas de unidades M142 já estão há semanas à disposição das forças ucranianas, e, apesar de o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, ter dado ordens às forças especiais russas para dar prioridade à destruição destas peças de artilharia sofisticada, apenas quatro, e vários depósitos de munições, terão sido destruídas, segundo fontes russas, que Kiev não desmentiu até agora, o que não é suficiente para impedir que a sua utilização esteja a mudar o equilíbrio de capacidade de tiro de artilharia de ambos os lados, com a destruição de arsenais russos próximos da linha da frente e objectivos militares como pontes e outras infra-estruturas.

Verdade é que o efeito de choque dos HIMARS sobre as forças russas está a ser muito superior ao que, por exemplo, foi conseguido com os canhões M777, também Made in USA, com longo alcance e precisão, mas os dirigentes russos não parecem muito impressionados, havendo mesmo analistas citados pelos media sob tutela de Moscovo, que apontam para um efeito maior na opinião pública ocidental claramente pró-ucraniana que no campo de batalha.

Isso mesmo ficou em evidência com, citado pela TASS, a agência de notícias oficial russa, Andrei Kartapolov, chefe do Comité de Defesa do Parlamento (Duma) russo, a defender que os HIMARS não vão servir para conter os avanços russos na velocidade e em profundida que estão planeados.

"Não devemos ter medo, os HImars devem ser combatidos e destruídos porque não são uma panaceia, são apenas mais uma das armas que o uso está agora a usar", disse Kartapolov, que chamou ainda a atenção para o facto de estas unidades de artilharia sofisticadas fornecidas por Washington aos ucranianos estarem a ser operadas por "mercenários norte-americanos" no campo de batalha.

Admite, todavia, que se trata de um sistema que coloca problemas mas garantiu que a Federação Russa dispõe de contramedidas eficazes na sua panóplia de armas do sistema de defesa e de ataque aéreo.

Estas armas chegaram à Ucrânia, num número que os analistas estimam em torno das 20 unidades, apenas na sua versão inferior, os M142, que disparam até seis foguetes a uma distância de até 70 a 80 kms, sendo apenas os M270, ainda fora desta guerra, que atingem além dos 400kms e com capacidade de projectar um míssil nuclear, num momento e que o Presidente Volodymyr Zelensky aproveitou para anunciar publicamente, o que alguns analistas admitem ser um erro, porque as ofensivas não se anunciam, executam-se, uma retoma da acção militar na região de Kherson, no sul, e nãos mãos dos russos, para voltar a erguer a bandeira ucraniana neste Oblast (província) que dá acesso ao Mar Negro.

Os comandantes das forças russas, em resposta a este anúncio, que pode ter, segundo outros analistas militares, como objectivo estratégico obrigar as forças invasoras a dividir as suas unidades concentradas a leste, no Dionbass, fragilizando-as, estão a reforçar os ataques em toda a região sul, de Odessa a Mikolaiv, anunciado repetidamente a destruição de infra-estruturas decisivas para o esforço de guerra ucraniano, como nós ferroviários, ou ainda arsenais de munições e armas entregues pelos países ocidentais/NATO.

Mas a Rússia pode ter ainda outra surpresa desagradável, porque se as actuais 20, ou 16, se se confirmar que quatro foram destruídos, peças estão a fazer mossa na capacidade ofensiva de Moscovo, outros 20 a 30, segundo o chefe do Comité das Forças Armadas da Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano, Adam Smith, deverão ser fornecidos a Kiev nas próximas duas a três semanas.

Alguns analistas entendem, todavia, que só num tempo relativamente longo, dois a três meses, se poderá ter uma ideia precisa sobre a capacidade ou não destas peças alterarem o curso da guerra, actualmente a pender para o lado russo, que já ocupou mais de 100 mil kms2 desde 24 de Fevereiro, uma área geográfica ligeiramente superior ao tamanho de um país como Portugal.

A frente africana da batalha diplomática...

... parece estar a travar-se agora em África, onde, no Domingo, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, iniciou um périplo por quatro países, Egipto, onde esteve no Domingo, República do Congo, Uganda e Etiópia, onde está a sede da União Africana e onde o chefe da diplomacia russa deverá reunir com representantes de diversos Estados.

Sendo África um dos continentes com mais países que optaram por não condenar abertamente, embora a abstenção tenha sido a principal opção, a Rússia, nas duas tentativas conduzidas pelos EUA de isolar este país na Assembleia-Geral da ONU, o continente é agora o palco principal da diplomacia russa para arregimentar apoios para vencer as tentativas de isolamento internacional que não diminuíram por parte dos aliados ocidentais de Kiev.

E isso mesmo parece ser claro com a presença no continente do Presidente francês, Emmanuel Macron, que vai estar nos Camarões, no Benim e na Guiné-Bissau, enquanto o enviado especial do Presidente norte-americano, Joe Biden, para o Corno de África, Mike Hammer, está de visita ao Egipto e à Etiópia, onde chegará nos calcanhares de Lavrov.

Uma das missões prioritárias de Sergei Lavrov é explicar e convencer os países africanos de que Moscovo não tem qualquer responsabilidade na crise alimentar que surgiu no rasto do bloqueio gerado pela guerra dos cereais russos e ucranianos e que tem no continente as principais vítimas, deixando ainda claro que Moscovo não vai deixar de fornecer todos os cereais necessários aos seus "amigos" africanos.

Lavrov tem, como sempre faz quando aterra em África, o trunfo da cooperação dos idos de 1960, 1970 e 1980 da então União Soviética com os movimentos independentistas, e que a Rússia diz ser a herdeira dessa "amizade", embora alguns analistas não tenham dúvidas de que as ligações da actual Rússia e dos seus parceiros africanos assenta essencialmente em interesses específicos no âmbito da cooperação militar e na área dos cereais, dos quais muitos dependem de forma estratégica, desde logo o Egipto e a Etiópia à cabeça.

Mas se há uma coisa que Lavrov sabe é que as antigas potências ocidentais e antigas potências coloniais, ou com forte presença e influência política no continente, que nas últimas décadas foram secundarizadas pelo avanço abrasivo da China, como a França, o Reino Unido ou os EUA, estão igualmente empenhados em contrabalançar esta ofensiva de Moscovo.

Um dos momentos mais tensos nestas visitas em simultâneo, com Lavrov, Macron e Smith, o enviado especial dos EUA para a África Oriental, Corno de África, vai decorrer ainda esta semana, com a previsível reunião alargada de Srrgei Lavrov em Adis Abeba, Etiópia, e sede da União Africana, com vários - podem ser mesmo dezenas - de representantes dos estados-membros, como o prenuncia o convite feito, segundo a Reuters, por carta, esta semana, onde o objectivo anunciado é o aprofundamento da cooperação Rússia-África.

Esta reunião alargada de dirigentes africanos com Lavrov coincidirá com a chegada do enviado norte-americano a Adis Abeba, que, naturalmente, terá na agenda a discussão sobre a Cimeira EUA-África que o Presidente Joe Biden anunciou a semana passada para Washington, de 13 a 15 de Dezembro.

Como o Novo Jornal lembrava aqui, aqui, e aqui, com as actuais forças centrífugas da diplomacia global a disputarem palmo a palmo influência e territórios estratégicos, com EUA e aliados ocidentais de um lado, e China e Rússia, do outro, em busca de uma nova ordem mundial, o continente africano tem, mais que nunca, mas também a América Latina e o sudeste asiático, uma oportunidade única e clara de retirar dividendos e ver os seus interesses prioritários correspondidos pelas potências externas, desde logo no investimento externo, mas também na captação de tecnologias e konw-how, que muitas vezes estas resistem a fornecer para gerar dependências.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.