Apesar de sentados à mesma mesa, o acordo é composto por dois documentos, um assinado pela pate ucraniana, as Nações Unidas e a Turquia, e o outro pela Rússia, ONU e Turquia, contando ambos com as assinaturas pesadas do Presidente Recep Tayyp Erdogan, e do Secretário-Geral António Guterres.

Este momento histórico serviu ainda para Erdogan e Guterres aproveitarem o ensejo para entreabrir uma porta para as futuras negociações que visarão um cessar-fogo e um posteror acordo de paz, embora esse momento esteja longe, foi aqui marcado um ponto em sua defesa.

Todavia, a desconfiança que "une" Kiev e Moscovo tenha ficado igualmente marcada, com as partes a recusarem colocar as suas assinaturas num documento onde estivesse a assinaturado outro, o que quer dizer que a Ucrânia se compromete com a ONU e com a Turquia mas não com a Rússia, enquanto os russos assumem apenas um compromisso com Erdogan e Guterres.

Deste acordo fazem parte duas questões essenciais, que são a garantia de que os navios que vão transportar os cereais ucranianos sejam vistoriados antes de atracarem no cais do porto de Odessa, pelo menos, enquanto os ucranianos se comprometem a limpar o corredor marítimo das minas navais espalhadas para evitar a passagem dos navios de guerra russos em direcção à costa ucraniana com o início do conflito, a 24 de Fevereiro.

Fica ainda assegurado que estas garantias vão ser asseguradas por um centro de comado e controlo do cumprimento do acordo situado em Istambul.

Por outro lado, também os cereais russo vão deixar de estar amarrados aos portos russos pelas sanções ocidentais, com a garantia de acesso aos seguros marítimos que permitirão aos navios russos atravessar os mares para descarregar trigo e outros grãos nos portos africanos e asiáticos.

Um farol que Guterres quer que ilumine o fim da guerra na Ucrânia

Nas primeiras palavras ditas antecedendo a assinatura dos documentos, António Guterres definiu o momento como "um farol de esperança no Mar Negro" que se acende e que é mais preciso que nunca, deixando no ar a ideia de que essa luz projectada a partir deste acordo possa iluminar novos passos para conduzir a uma saída pacífica para a guerra na Ucrânia.

Guterres agradeceu aos elementos das comitivas de Kiev e de Moscovo, por terem conseguido afastar as diferenças e ultrapassar obstáculos", dirigiu uma palavra especial a Erdogan, pela sua "persistência" na busca de uma solução.

Considerando o chefe das Nações Unidas que se trata de um acordo para o mundo e não apenas para os dois países envolvidos, pelo impacto que vai er no aliviar da pressão da insegurança alimentar em todo o mundo que precisava "urgentemente de uma solução para a crise alimentar que se vive actualmente".

E advertiu as partes para a disponibilidade absoluta da ONU para se empenhar a fundo no cumprimento deste acordo, lembrando porém, que a guerra continua e que pessoas morrem diariamente.

Erdogan quer mais, quer a paz

Por seu lado, Recep Erdogan, depois de sublinhar que se trata de um acordo para o mundo inteiro, "num dia histórico" com epicentro num ponto de encontro de civilizações e continentes, Istambul, cidade que marca a separação da Ásia e da Europa, mas deixando no ar a sua determinação em ir mais longe.

"Não chegamos aqui sem vencer obstáculos. Mas agora queremos mais e esperamos que este momento marque uma viragem determinante para que também se consiga levar os esforços para a paz a bom porto", disse o Chefe de Estado turco.

Erdogan enfatizou tratar-se de um momento fundamental para "todo o mundo" mas a partir de agora "será feito tudo o que for possível para ajudar na busca de uma solução de paz para este conflito".

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.