Não se sabe se foi propositado ou se aconteceu por falha protocolar, que, apesar de mínima, durando menos de um minuto, ganhou contornos planetários e anda há largas horas nas capas dos jornais, mas a verdade é que o Presidente Russo, Vladimir Putin, habituado, e famoso por isso, viu-se, na terça-feira, em Teerão, capital do Irão, exposto, frente a dezenas de câmaras, com um ar visivelmente incomodado, enquanto o seu homólogo turco, Recep Erdogan não chegava ao local do cumprimento oficial da praxe.

Putin foi ao Irão para se encontrar com Erdogan, e o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, para discutir com eles questões relacionadas com a guerra de anos na Síria, mas o prato principal foi o conflito na Ucrânia, como não poderia deixar de ser, e a questão candente da exportação dos cereais ucranianos para a Ásia e a África, mas, quando aguardava o seu homólogo turco, este demorou mais que o esperado, mas menos de um minuto, que se transformou num pesadelo sem fim para a imagem do circunspecto chefe do Kremlin, conhecido nos corredores diplomáticos globais por castigar os seus similares com esperas estrategicamente pensadas.

Se provou agora do seu veneno servido por Recep Erdogan, isso é coisa para mais tarde se apurar... mas, normalmente, Vladimir Putin, o "Grande", não deixa cabeças sem rolar depois destes... percalços.

O britânico The Guardian admite que esta situação incómoda foi provocada por Erdogan como vingança por um momento em 2020, em Moscovo, quando foi obrigado a esperar longa e pesadamente em pé por Putin para iniciar uma reunião que se viu obrigado a sentar-se, contrariando o protocolo.

Mas Putin tinha, a milhares de quilómetros, uma razão para sorrir...

Zelensky quer seguir rasto das armas fornecidas pelos EUA

Poucas semanas depois de ter começado a invasão russa da Ucrânia, que o Kremlin denominou por "operação militar especial", a 24 de Fevereiro, os media russos saíram com as primeiras notícias sobre armamento fornecido pelos países ocidentais à Ucrânia que acabara a ser traficado para fora do cenário desta guerra, mas depois o assunto chegou aos media internacionais e o Congresso dos EUA, o país que, de longe, mais armas entrega a Kiev, vir a público admitir que não tinha como saber por onde andavam as armas no valor de dezenas de milhões de dólares enviadas para apoiar o esforço de guerra contra o invasor russo.

Desde os portáveis misseis terra-ar Stinger e anti-tanque Javelin, até aos poderosos howitzers M777 (na fotografia), no valor de milhões de dólares, e, mais recentemente os lança-foguetes de longo alcance HIMARS, que custam centenas de milhões de dólares, fornecidos pelos países da NATO, europeus e norte-americanos, tudo parece poder aparecer, um dia destes, no complexo e internacional mercado negro do armamento, fluindo do campo de batalha para o mundo através da "canalização" bem lubrificada das organizações criminosas ucranianas.

Para garantir que este cenário não se torna padrão, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, anunciou a criação de uma comissão especial de controlo e mapeamento contínuo da localização das armas fornecidas pelo ocidente, o que pode ainda ser visto como uma resposta em duas direcções, segundo analistas.

Uma é à Rússia, que tem apostado em divulgar notícias, que Kiev considera falsas, de que alguns dos howitzers e mesmo unidades móveis HIMARS, estão a ser comprados pelas unidades especiais de intelligentsia russa por escassos 800 mil dólares a oficiais superiores ucranianos, a outra é ao Presidente norte-americano, Joe Biden, que precisa de se libertar desta desconfiança para poder convencer o Congresso a aprovar as repetidas entregas de apoio militar aos ucranianos no seu esforço de combate contra as forças russas, que já estão, como é público, na ordem dos 50 mil milhões USD.

Esta comissão especial, forjada no seio do Parlamento ucraniano, visa monitorizar estas armas, especialmente as mais pesadas, artilharia de precisão e viaturas blindadas, justificando Zelensky a medida com a necessidade de combater a desinformação russa, nomeando o seu chefe de Gabinete, Andrei Yermak, para criar a comissão, salvaguardando que não existe nenhuma investigação formal a qualquer eventual desaparecimento de armamento nem acusação formal nesse sentido pelos aliados ocidentais.

Esta medida surge num momento de especial melindre para o regime ucraniano, mergulhado em sucessivas polémicas, primeiro com demissões de pessoal com cargos estratégicos, como a procuradora-geral Iryna Venediktova, e o chefe da "secreta", SBU, Ivan Bakanov, ambos por traição, embora não tenham sido revelados pormenores sobre que tipo de traição estão acusados.

Com estas demissões, Zelensku iniciou uma limpeza geral aos serviços de segurança e na Procuradoria-Geral, com várias dezenas de pessoas a serem afastadas por, alegadamente, estarem a colaborar com os russos ou a deixar de actuar face a suspeitas de espionagem por parte de Moscovo.

Com a comissão para monitorizar o percurso do armamento ocidental a ser anunciada no mesmo espaço temporal, alguns analistas admitem haver algum tipo de ligação entre uma coisa e outra.

E a guerra dos cereais?

No que diz respeito aos cereais e à guerra mundial da fome, como já foi apelidada a situação actual, onde a suspensão das exportações de grãos por parte da Ucrânia e da Rússia, voluntariamente, no início do conflito, depois com Kiev a acusar Moscovo de estar a bloquear a saída pelo Mar Negro dos navios com os cereais armazenados nos portos do sul do país, e que está a gerar situações de catástrofe alimentar em África e na Ásia, podem ter sido dado passos importantes para desanuviar a situação com o recente encontro entre os Presidente russos e turco na capital do Irão.

Subjacente a este caso, estão as acusações ucranianas, que apontam no sentido de uma opção clara de bloqueio marítimo da rota comercial dos grãos pela força naval russa no Mar Negro, e da parte russa, que diz serem as centenas de minas navais espalhadas pelas forças de Kiev que estão a impedir a circulação dos navios em segurança, exigindo ainda Moscovo que os navios que se dirijam aos portos ucranianos sejam vistoriados para garantir que não levam armas para alimentar o esforço de guerra ucraniano.

Vladimir Putin, no final do encontro com Erdogan, que está a servir de mediador neste intrincado caso, disse terem sido verificados progressos no desatar deste nó, nomeadamente no capítulo das garantias que permitirão aliviar a rota marítima dos grãos ucranianos, agradecendo o empenho pessoal do líder turco neste processo.

Recorde-se que uma das exigências do Kremlin, como explicou o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, é que se imponha a verdade sobre a questão dos cereais ucranianos, que os lideres ocidentais e de Kiev apontam insistentemente como estando a fazer falta ao mundo onde cresce de forma alarmante a fome, especialmente em África, porque a quantidade exportada anualmente por Kiev, em média, é apenas uma pequena fracção dos grãos produzidos todos os anos no mundo, cerca de 20 milhões de toneladas num universo que ultrapassa os 800 milhões de toneladas.

O Kremlin insiste que se está a ocorrer uma guerra de cereais no mundo, esta está a ser conduzida pela falsa ideia de que é por causa da situação no Mar Negro, quando a verdade, segundo Moscovo, é que o mundo assiste a uma grave disrupção no comércio global geral, e que, acrescenta Lavrov, se os navios não estão a sair dos portos ucranianos com grãos diversos é porque a segurança não existe devido às inúmeras minas navais espalhadas pelas forças ucranianas.

Mas, apesar desta visão de Moscovo, que países como os EUA, a União Europeia, e a Ucrânia, refutam e apelidam de provocações russas, como disso foi porta-estandarte o ministro alemão da Agricultura, Cem Oezdemir, que sublinhou ser impossível de acreditar na palavra de Putin sobre este assunto, ou então é melhor acreditar também no Pai Natal e no coelhinho da Páscoa, o que confere com os relatos de Kiev de que é a Rússia que está a esganar a rota dos cereais ucranianos, usando estes alimentos como arma de arremesso contra o mundo.

Só com o passar dos próximos dias se vai poder confirmar, ou não, se os progressos aduzidos por Putin se vão verificar no Mar Negro, porque, no palco das batalhas no leste e sudeste da Ucrânia, a situação permanece com pouca evolução, com as forças de um e do outro lado a apontarem para pequenas vitórias num mar de tempestuosa contra-informação e informações deliberadamente falsas, mas que os mapas mostram uma consolidação das conquistas russas numa área aproximada equivalente a quase duas vezes o tamanho de um país como Portugal.

E, à medida que os dias passam, aproxima-se o denso e rude inverno europeu, onde as frorças no terreno poderão começar a sentir dificulades acrescidas, levando este conflito para um impasse que pode durar mais largos meses, o que adensaria ainda mais a grave crise económica que se começa a instalar no mundo, desde logo devido ao elevado preço do petróleo e do gás natural.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.