Como pano de fundo para este encontro entre Biden e Vladimir Putin estavam as palavras fortes usadas recentemente pelo norte-americano que acusara o seu homólogo russo de ser um "assassino" e, quando sobre isso questionado pelo jornalistas, não ter retirado as palavras já a caminho de Genebra, embora tenha procurado reduzir a sua importância.

Mas também as acusações de interferência cibernética do Kremlin nas manipulação das eleições americanas ou na criação de problemas nas empresas, como sucedeu recentemente com um dos mais importantes oleodutos dos EUA que esteve "off" durante semanas devido a um ataque informático proveniente do exterior com Washington a apontar de novo o dedo a Moscovo.

Moscovo, que sempre negou esse tipo de acusações, optando por uma postura menos agressiva, sublinhando, apesar de o fazer de forma indirecta, a opção agressiva dos EUA e dos seus aliados na forma como acrescentam "pólvora" aos arsenais próximos das fronteiras europeias da Rússia. E voltou agora, pela voz de Putin, a preferir esse tom conciliador ao afirmar aos jornalistas, após o encontro, que ambos falam a mesma língua porque Biden é um "experiente homem de Estado".

Nas pouco mais de três horas em que Putin e Biden estiveram olhos nos olhos, ficou claro que os EUA não pretendem aquecer demasiado as relações com a Rússia porque, tal como já o tinha feito o ex-Presidente Donald Trump, o foco parece ser agora a China, como, de resto, já tinha ficado claro nas reuniões precedentes com o G7 (o grupo dos sete países mais "evoluídos" do mundo) e da NATO, a organização de defesa do Atlântico Norte criada em 1949 para fazer frente aos soviéticos.

E, sendo agora evidente que Joe Biden também tem as atenções centradas no gigante asiático, devido ao seu poderio económico e enquanto emergente superpotência militar, a Moscovo, o inquilino da Casa Branca parece ter optado por criar as condições mínimas para um pacto de não-agressão, embora seja claro que, para consumo interno, Biden vai manter aceso um discurso agressivo face a Moscovo porque, no imaginário colectivo dos eleitores norte-americanos, os russos ainda são a "ameaça vermelha".

Tanto assim é que o encontro demorou menos do que estava previsto e acabou com Biden a dizer que, mesmo assim, em menos tempo do que o previsto, ficou tudo alinhado de forma a erguer, a partir de agora, uma melhoria sólida nas relações entre os dois países.

A par das boas perspectivas para o futuro, os dois lideres deixaram Genebra com a garantia de que aquilo em que tê de manter o diálogo não vai sofrer reveses inesperados e que as relações Moscovo-Washington vão ser mais previsíveis e menos feitas de pequenos desafios e birras irrelevantes que apenas servem para entreter os media.

Ou seja, as negociações sobre o controlo das armas nucleares, que é o que faz da Rússia um "player" global incontornável, são para manter e aprofundar, e as acusações norte-americanas aos russos de interferências nas eleições e através de ataques cibernéticos, são para... continuar. Mas parece cada vez mais que é apenas porque "the show must go on...".

E o primeiro passo na direcção da paz ficou decidido. Os embaixadores vão voltar a Moscovo e a Washington, depois de um e outro terem deixado as respectivas capitais após as acusações americanas de que os russos tinham manipulado as eleições de 2020 nos EUA, onde Joe Biden derrotou Donald Trump, o "amigo" de Putin, segundo o partido Democrata, do actual Presidente norte-americano.

No limbo parece terem ficado os assuntos mais quentes, como a questão da Ucrânia e a ocupação da Crimeia, da prisão de opositores de Putin, como Alexey Navalny ou ainda o problema dos ataques cibernéticos, estando em cima da mesa para assegurar em definitivo a troca de prisioneiros.

No que se sabe da conversa mantida, através dos media internacionais que acompanharam o encontro em Genebra, ou seja, o que ambos os lados permitiram que se soubesse, foi que Biden perguntou a Putin como é que este se sentiria se os seus oleodutos fossem alvo de ataques cibernéticos, ao que este terá respondido que isso teria importância elevada.

Putin afirmou, de volta, que a maior parte dos ataques informáticos na Rússia partem dos EUA.

Mas, no fim de contas, o que sobressai é que um e outro lado da barricada pretendem garantir que esses ataques vão continuar porque fazem parte do circo mas, como disse Biden, as áreas críticas, como a energia, á água... devem ficar de fora da "brincadeira".

Biden assegurou a Putin que se assim não for, haverá retaliações norte-americanas.

E, no fim, mesmo antes de deixar Genebra, Biden deixou cair aquilo que tem como preocupação central da sua Administração no que diz respeito à política externa, quando disse aos jornalistas, citado pela BBC, que Vladimir Putin está disponível para cooperar com os EUA porque se sente apertado pela China e quer continuar a manter o reconhecimento devido às superpotências.

Isto, depois de a anteceder este encontro ter Biden assumido que estava inquieto com a aproximação entre Moscovo e Pequim na área militar, tendo essa cooperação em vista a criação de novo e sofisticado material militar.

Parece mesmo, perante isto, que Joe Biden ficou convencido que Putin, no fundo, prefere os EUA à China como parceiros preferidos.

E o Presidente norte-americano deixou isso claro quando questionado sobre o porquê de acreditar agora que Putin pode mudar o seu comportamento, permitindo-se uma aproximação ao que dizia do homem de Moscovo o seu antecessor Donald Trump. "Se não entendes isso, estás na profissão errada", disse Biden ao jornalista da CNN.

Depois veio admitir que se tinha comportado como um "espertalhaço".

Face ao facto de a Rússia ser uma potência nuclear gigante e um importante actor na área da "intelligentsia", mas uma mediana potência económica, fica em evidência que os EUA não ignoram a importância de manter boas relações com Moscovo porque, caso contrário, uma aproximação dos russos aos chineses pode dar a Pequim uma vantagem nada ignorável no confronto planetário com os americanos por influência, desde logo em África, mas também nas Américas ou no gigantesco continente asiático, especialmente no que toca ao Mar do Sul da China, Taiwan, ao Japão ou ainda à Península coreana.

Para a história fica a ideia de que Biden pretendeu arrumar a casa com os russos de forma a poder dedicar-se à China e que Putin está disponível para não a desarrumar de novo se ao fazer as contas perceber que tem mais ganhar com os "amigos" do ocidente do que com o gigante vizinho do leste asiático.

Até porque Vladimir Putin tem fama de ser tão frio como imprevisível e esta é a oportunidade por que esperava - que provavelmente andou a construir nos últimos anos - para demonstrar as suas artes de "jongleur", que era o artista medieval itinerante que tinha sempre um truque na manga para entreter o público ou a corte.