Esta Cimeira assumiu grande importância porque marca o regresso dos Estados Unidos da América (EUA) ao centro nevrálgico da NATO com a chegada de Joe Biden à Casa Branca depois de longos quatro anos em que o ex-Presidente Donald Trump - considerou-a obsoleta - tudo fez para desmontar esta organização criada em 1949, no início da "Guerra Fria", para erguer uma muralha defensiva face à ameaça soviética.

Mas de muito importante a histórica foi um simples passo porque, de acordo com o comunicado final desta Cimeira da NATO, a organização vai consolidar o que já se esperava: a China passa a ser o "inimigo" principal ao apelidar o gigante asiático de fonte permanente de desafios "sistémicos" à segurança global, com o avanço sólido do seu potencial militar e com o desafiante aproximar de Pequim a Moscovo na criação de sinergias na área da defesa.

Com este passo, a NATO, que agrega 30 países, desde logo, os EUA e a generalidade dos países europeus ocidentais, bem como o Canadá, foi criada após a II Guerra Mundial como bloco de pressão e defesa face ao Pacto de Varsóvia que tinha como espinha dorsal a União Soviética e o seu imenso poderio militar em construção, inclusive nuclear, e agora deu um passo determinante em direcção a Pequim, ao considerar que o comportamento da China consubstancia um "desafio sistemático".

Em causa está a rápida expansão do arsenal nuclear chinês bem como o forte apetrechamento em material miliar convencional, desde logo a corrida aos porta-aviões, mas também a armamento de tecnologia de ponta, como a utilização de feixes concentrados de energia e ultra-sons, alguns capazes de destruir satélites de outros países.

A par disso, Washington já fez saber que não gosta da aproximação entre Pequim e Moscovo nesse esforço de fortalecimento das respectivas capacidades militares.

Há, todavia, como tem sido evidenciado por diversos analistas, em pano de fundo, a ameaça da ascensão económica da China, que é, igualmente, uma ameaça a hegemonia norte-americana e europeia e que não tem dado descanso aos governos ocidentais.

Mas este ataque à China por parte das potências ocidentais já vem de há muito, desde logo com os EUA a demonstrarem inquietações com o avanço da influência chinesa em África ou mesmo na América do Sul e Central devido à sua política de cooperação ancorada em volumosas linhas de crédito que não questionam a natureza dos regimes, o que permitiu a Pequim, nos últimos 20 anos, obter uma forte influência em vastas regiões do mundo onde, tradicionalmente, eram as potências ocidentais quem detinha essa capacidade.

E isso confere uma dimensão fortemente económica a esta nova "Guerra Fria" de sotaque asiático, como ficou também claro, na semana passada, na Cimeira do G7, no Reino Unido (Cornualha) dos sete países mais "evoluídos" do mundo, de onde ressaltou uma forte vaga de críticas à China e às suas políticas económicas e também no universo dos direitos humanos, o que permitiu, desde logo, adivinhar o sentido que iria tomar a Cimeira da NATO visto que os integrantes, com algumas excepções, são os mesmos.

Numa primeira reacção de Pequim, a representação diplomática na UE já fez saber que considera as alegações ocidentais "sem fundamento" e que não é uma desafio de espécie nenhuma para ninguém mas admitiu que não vai ficar sentada enquanto "desafios sistémicos" se aproximam das suas fronteiras, ao mesmo tempo que dava garantias de que a política de segurança chinesa é "de defesa por natureza" e não de ataque.

"Parem de inventar coisas sobre a China, parem de interferir nos assuntos internos da China, e parem de prejudicar os interesses da China", dissera antes a representação diplomática de Pequim em Londres.

E ao que a NATO ia, ficou claro com as primeiras declarações do seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, que dias antes da Cimeira disse que "a China não é um inimigo nem um adversário, mas que a organização tem de responder aos desafios que o agigantamento da China representa".

"A China está cada vez mais próxima, vemos isso no cyberespaço, vemos isso em África, mas também a vemos a investir fortemente na nossa própria infra-estrutura essencial", adiantou Stoltenberg, numa clara manifestação de vontade intrínseca de realinhar a "mira" da Aliança da Rússia para a China.

No entanto, a Rússia não deixou de merecer alguns "mimos" do líder da NATO, tendo este reafirmado que toda a atenção para com Moscovo nunca é suficiente, embora o tom tenha sido bem menos enfático que aquele usado com Pequim, como que tendo sido apenas uma marcação de respeito à história da organização norte-atlântica de defesa.