Esta garantia de Tshibala, que foi nomeado primeiro-ministro do Governo de transição no início de 2017, após a assinatura dos acordos de São Silvestre, que pressupunham a realização de eleições nesse ano, tendo estas sido adiados para finais de 2018, surge numa altura em que se sabe que o partido de Joseph Kabila, o Partido Popular para a Reconstrução e Democracia (PPRD), tem em curso, em várias províncias do país, uma campanha com a cara de Kabila e a anunciar claramente que é ele o seu candidato.

Mas esta garantia de Bruno Tshibala (na foto, de óculos, ao lado de Kabila), avançada no Canadá, à Reuters, onde se encontra a participar num fórum económico internacional, não é a primeira dada por membros do seu Governo, porque também Lambert Mende, ministro da Comunicação e porta-voz do Governo, há dois meses, já tinha afirmado que Kabila não seria candidato, sublinhando o mesmo argumento, o de que a Constituição não poderia ser contornada na sua imposição do limite de dois mandatos consecutivos.

O que não impediu Kabila de permitir aos seus próximos o envio de sinais contrários e contraditórios sobre a sua disponibilidade para enfrentar uma terceira candidatura, estando mesmo no terreno uma campanha que usa a sua cara em outdoors e t-shirts, mesmo nas zonas mais remotas deste país, com quase 100 milhões de habitantes mas quase despojado de vias de comunicação, onde só as campanhas mais ricas poderão conseguir meios para a elas chegar.

É igualmente verdade que o próprio Joseph Kabila, no passado, em 2015, manifestou a intenção de rever a Constituição com o intuito de abrir caminho à sua terceira candidatura, que só foi travado por gigantescas manifestações em Kinshasa, convocadas pela oposição, delas tendo resultado dezenas de mortos e centenas de feridos.

É ainda facto Kabila ter conseguido manter-se no poder, pelo menos e para já, mais dois anos além do termo do seu segundo mandato, de forma provisória, até à realização de eleições, que foram, desde Dezembro de 2016, adiadas por duas vezes com recurso a expedientes como o atraso no registo eleitoral ou a falta de dinheiro para organizar o processo eleitoral.

E o próprio Kabila nunca se pronunciou de viva voz para dizer de forma clara que não é candidato, apesar da tremenda pressão nesse sentido que está em curso por parte da comunidade internacional, com destaque para a frente criada por Angola e Ruanda, alegadamente devido aos cargos nas organizações pan-africanas que os Presidente João Lourenço e Paul Kagame ocupam, o primeiro a liderar o Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança, da SADC e o segundo na União Africana, que lidera.

Os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Bélgica já anunciaram as suas preocupações, a ONU e a União Africana fizeram o mesmo, mas Kabila tem-se mantido em silêncio total, deixando espaço para muitas dúvidas sobre as suas verdadeiras intenções, até porque, como têm lembrado vários analistas, os gigantescos interesses nos negócios em toda a economia da RDC que ele e a sua família têm, dificilmente deixarão que a saída do poder se faça sem resistência.

No entanto, Tshibala admitiu que Kabila poderá, pela primeira vez, em breve deixar claro quais são as suas intenções, anunciando que o Presidente da RDC vai estar, na próxima semana, na capital angolana, Luanda, para um encontro com diversos lideres africanos - que não especificou - onde anunciará como mensagem principal que o Congo respeita os seus compromissos sobre o processo eleitoral, referindo, no entanto, apenas questão da sua realização na data anunciada, 23 de Dezembro.

Também João Lourenço, aquando da sua visita a França, considerou este encontro de Luanda importante, tendo sublinhado, que o único interesse subjacente à sua acção é que a RDC tenha uma transição politica pacífica e ordeira, o que depende da saída do palco eleitoral de Kabila, como determina o acordo de São Silvestre, que o próprio asisnou.

Libertação de Jean-Pierre Bemba pode ter "ajudado" Kabila a decidir

O Tribunal Penal Internacional (TPI) colocou em liberdade provisória o antigo Vice-Presidente da RDC, Jean-Pierre Bemba, o que pode ter acontecido mesmo a tempo da sua candidatura às presidenciais marcadas para 23 de Dezembro, sendo um sério candidato à vitória devido à sua popularidade.

Este ex-Vice-Presidente de Kabila, e candidato derrotado em 2003, numas eleições muito controversas, se se confirmar que estão criadas as condições para se candidatar em Dezembro, será tudo menos ignorado por Kabila, com quem mantém uma animosidade que não esconde, podendo constituir um impulso para deixar a corrida ou para a ela se dedicar como forma de salvaguardar os seus interesses financeiros, que estarão em risco caso Bemba saia vencedor do pleito.

Bemba estava detido há cerca de 10 anos no contexto de uma condenação a 18 anos de cadeia pelo TPI, resultado de um julgamento onde o político congolês estava acusado de responsabilidades em crimes de guerra e contra a humanidade, incluindo pela primeira vez os de natureza sexual, cometidos pelos militares que comandava na República Centro Africana (RCA), em 2003.

Na semana passada foi ilibado dessa responsabilidade criminal enquanto comandante militar, abrindo assim o TPI a porta da cadeia para Jean-Pierre Bemba, o que só ontem foi concretizado, sublinhando o tribunal que a decisão sobre a cobertura legal para uma candidatura depende da justiça congolesa e não do tribunal internacional, com sede em Haia, Holanda.

Face a isto, e como vai decidir a justiça congolesa, ainda não se sabe, mas o ministro da Justiça da RDC, Alexis Thambwe Mwamba, já disse que Bemba poderá voltar ao seu país quando e como quiser, porque o ex-Vice-Presidente Bemba, um dos políticos mais populados do Congo-Kinshasa, não tem problemas com a justiça na RDC mas sim na RCA.

Aparentemente, segundo os analistas congoleses, a única questão que pode travar uma candidatura de Jean-Pierre Bemba é a que ainda tem pendente no TPI, um segundo processo, sobre o qual o tribunal de Haia ainda não se pronunciou mas que os seus advogados dizem acreditar que venha a ser uma decisão semelhante, visto que é a mesma tipologia criminal que lhe está subjacente.

A eventual condição de inelegível para Bemba só poderá ser determinada pela justiça da RDC, existindo essa possibilidade porque a lei eleitoral exclui da corrida aqueles que foram ou estão condenados por crimes contra a humanidade, como foi o caso, embora esta reviravolta no TPI possa levar à retirada dessa acusações e anular a condenação a que foi sujeito.

Essa mesma reviravolta aconteceu porque os juízes aceitaram que Bemba não participou nem autorizou os crimes em questão, sendo parte destes de violações de menores na RCA por militares comandados pelo ex-Vice-Presidente da RDC, em 2003, durante o conflito que, à época, manteve aquele país vizinho a ferro e fogo devido ao golpe que levou Ange-Félix Patassé ao poder, com o seu apoio, destituindo François Bozizé.

Face a este cenário, e ao que tudo indica, Bemba poderá erguer-se como o principal candidato às presidenciais de 23 de Dezembro, na RDC, mas mesmo que o não seja, porque não quer ou por não lhe ser legalmente possível, uma coisa é certa... o jogo vai virar e em desfavor de uma putativa candidatura de Joseph Kabila, apesar de impedido pela Constituição, ou de um homem da sua confiança.

Os sinais contraditórios dados por Kabila

Depois de o seu Partido Popular para a Reconstrução e Democracia (PPRD) ter lançado, há semanas, uma campanha com a cara de Kabila anunciando-o como o seu "candidato 100%", agora surgiu aquilo que é já considerado como a plataforma que visa a candidatura de Kabila.

A plataforma recém-criada Frente Comum para o Congo (FCC), denominada como "grande coligação eleitoral", que deverá substituir a anterior Maioria Presidencial (MP) que Kabila usou como moldura para as suas candidaturas anteriores, apontou Joseph Kabila como figura tutelar da campanha que está subjacente à sua criação.

Apesar de Kabila ainda não ter dito de viva voz que é candidato, e face ao facto de a Constituição ser peremptória no impedimento de um 3º mandato consecutivo, o seu partido, o PPRD, já tirou as dúvidas ao garantir que não existe outro candidato senão ele.

Mas isso só será possível, devido à tremenda pressão interna e internacional, se o ainda Chefe de Estado conseguir convencer os seus homólogos africanos de que sem ele à frente do Governo, a RDC entrará num processo de implosão perigoso para todo o continente.

O PPRD de Kabila é o partido que suporta financeiramente a milionária campanha eleitoral em curso para reeleger o ainda Chefe de Estado para o ilegal 3º mandato que se avizinha, por meio de ameaças dos seus porta-vozes de "ir até ao limite" contra todos aqueles que se opuserem e intrometerem nos assuntos internos da RDC.

Lambert Mende, ameaçou mesmo, na semana passada, directamente, o Ruanda e Angola com a ambígua frase "até ao limite" na resposta depois de João Lourenço e Paul Kagame terem, em Paris, França, feito apelos e aconselhado Joseph Kabila a cumprir o acordo que assinou a 31 de Dezembro de 2016, com a oposição, com intermediação dos bispos católicos da RDC, para abandonar o poder assim que fossem realizadas eleições.

Nesse acordo, de São Silvestre, assinado depois de um adiamento das eleições e num ambiente de terror nas ruas de Kinshasa e das principais cidades do país, com dezenas de milhares a protestar contra Kabila e a exigir eleições, com centenas de mortos e milhares de feridos pelo caminho, o Presidente assumia a condição de não ser candidato e de organizar eleições em 2017.

Isso não aconteceu e Kabila reagendou a ida às urnas para 23 de Dezembro deste ano, 2018, sem nunca garantir que não é candidato, deixando apenas os seus mais próximos dizerem que a Constituição não será violada. Os interesses em jogo são muitos, com milhões em jogo nos muitos negócios que ele ea sua família têmnas principais empresas do país.

Mas, ao mesmo tempo, põe em marcha uma gigantesca operação de promoção da sua candidatura, com outdoors e programas de rádio nas comunidades mais remotas, sendo, agora, a escassos seis meses das eleições - se a data for cumprida -, a máscara caiu e é já claro que Kabila está a preparar a sua recandidatura com vigor e empenho.