Perante centenas de dirigentes russos e das novas regiões russas, Vladimir Putin assinou com os lideres das quatro novas províncias, no Kremlin, os documentos legais de integração, no seguimento da legislação inerente aprovada na Duma, o parlamento russo.

Neste momento histórico para a Federação Russa mas ao qual todo o ocidente se opõe, e o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky,já disse que não vai deixar que procura recuperar, Putin aproveitou para desferir fortes acusações aos ocidente, especialmente, aos Estados Unidos, a quem acusou de não buscar nem a paz nem a harmonia internacional mas sim a subjugação dos povos que não se alinham com a sua vontade e os seus interesses.

O senhor do Kremlin disse ainda que os habitantes de Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson fizeram uma opção livre e sem dúvidas para se juntarem a Rúsia e deixou claro que não há meios indisponíveis para defender estas novas regiões russas. "Todos os meios necessários serão colocados nesse esforço", avisou.

E Putin foi ainda claro ao dizer que estes novos cidadãos russos, estes novos territórios russos sê-lo-ão para sempre, e nada nem ninguém se poderá intrometer na história da Federação Russa.

Demonstrando que os seus objectivos na invasão da Ucrânia estão conseguidos, o que é a grande novidade neste discurso, Vladimir Putin lançou um apelo ao Governo ucraniano para acabar com a guerra aceitando um cessar-fogo mediato, e que tudo o que vier a suceder a partir de agora seja fruto de trabalho entre os dois países à mesa das negociações.

"Pedimos ao regime de Kiev que cesse todas as hostilidades, pare com a guerra que começou em 2014 (referindo-se aos ataques ao Donbass e ao golpe de Estado apoiado pelo ocidente) e regresse à mesa das negociações", porque as pessoas "fizeram as suas escolhas claras" e estas, advertiu, "devem ser vistas com respeito" porque "essa éa única via para a paz".

A resposta de Kiev já é conhecida, não porque Zelensky tenha falado após o discurso no Kremlin, mas porque fez questão de antecipar este momento afirmando que não vai ceder qualquer território a Moscovo, que a guerra não vai parar enquanto esses territórios não estiverem todos recuperados e, já depois do discurso de Putin, anunciou o pedido formal de adesão da Ucrânia à NATO..

E conta com o apoio igualmente claro e inequívoco do ocidente, com os EUA e a União Europeia a aproveitarem os momentos imediatamente anteriores aos tratados assinados no Kremlin para garantirem mais armas e mais apoio financeiro a Kiev no seu esforço de guerra com Moscovo, embora a questão da adesão à NATO seja uma questão substancialmente mais complexa, porque Washington já disse que essa possibilidade está afastada.

Na primeira reacção conhecida de um actor internacional importante, e a mais férrea aliada de Kiev na defesa da guerra, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Leyen, já veio dizer, via Twitter, que "a anexação ilegal proclamada por Putin não vai alterar nada".

Ursula Leyen disse ainda que "todos os territórios ilegalmente ocupados pelos russos invasores são ucranianos e sempre o serão, porque se trata de terras de uma nação soberana".

E o Presidente Zelensky mandou reunir de urgência o Conselho Nacional de Segurança da Ucrânia, prometendo fazer uma declaração específica, em vídeo, como costume, sobre este tema mais tarde, sendo, todavia, de prever, que fosse apenas o anúncio da continuação dos combates para voltar a erguer a bandeira azul e amarela onde agora está a russa, mas, além disso, acrescentou que foi feito um pedido formal de adesão à Aliança Atlântica, a organização de defesa criada em 1949 com o objectivo de estancar o avanço da antiga União Soviética na Europa e, depois do colapso desta, passou a ter a Rússia na mira.

Um dos riscos imediatos é que aos esperados ataques a estes novos territórios anexados pela Rússia por parte da Ucrânia, o Kremlin responda com ataques, como antecipam alguns analistas militares, a infra-estruturas e centros de decisão ucranianos, incluindo edifícios do Governo e até mesmo membros do Governo de Volodymyr Zelensky podem passar a ser alvos dos mísseis de longo alcance russos..

E agora?

O conflito vai prolongar-se por tempo indeterminado sem que se perceba, pelo menos nenhum analista militar ou especialista em diplomacia de guerra arrisca num prognóstico, como se vai sair dele, mas há uma certeza que todos corroboram: com o Inverno a chegar em força, primeiro na forma de chuva que empapa os solos nos quais nem as lagartas dos blindados se movem, depois com o frio, até - 30º, que congela o aço e a alma dos soldados, criando uma espécie de vácuo intemporal que vai permitir às partes envolvidas, desde logo, de um lado os Ucranianos e os seus aliados europeus e norte-americanos, e do outro a Federação Russa, parar para pensar se vale a pena continuar com esta tragédia quando a Primavera chegar.

A outra dúvida mais abrasiva e que também faz a actualidade nos media ocidentais por estes dias: quem rebentou com os gasodutos Nord Stream I e II, que ligam, no fundo do Mar Báltico, a Rússia à Alemanha.

Para já, depois de já hoje ter sido anunciada uma nova explosão, a quarta, nestas duas infra-estruturas que correm paralelas pelo fundo do bàltico, ainda não há respostas, mas apenas possibilidades como o Novo Jornal explica aqui.

Quanto ao igualmente abrasivo tema da fuga de dezenas de milhares de jovens para o estrangeiro, enchendo as fronteiras da Rússia com países como, entre outros, a Finlândia, a Mongólia ou a Georgia, que começou logo após o anúncio da mobilização parcial de mais de 300 mil homens - algumas fontes dizem que pode chegar aso 1,2 milhões -, a cada dia que passa somam-se quilómetros às filas de viaturas com gente desesperada por um lugar onde os longos braços do Kremlin não os possam ir buscar para os colocar na frente da batalha.

Mas a fuga começa a ser cada vez mais difícil, porque acaba de ser ordenada pelo Governo de Vladmir Putin a proibição de aceder a um passaporte a todo aqueles que têm os seus nomes na longa lista da mobilização, que abrange os reservistas, que é como quem diz, todos aqueles que passaram pelo serviço militar nos últimos anos, independentemente da sua vontade e do tipo de treino que tenham recebido na altura.

E a Rússia vai precisar de mais e mais homens e mulheres para alimentar a esfomeada frente de combate de mais de 1200 quilómetros que abrange as províncias onde decorreram os referendos e das quais o Presidente da Ucrânia, Volodymr Zelensky, não vai abrir mão, garantindo que por elas vai lutar até que a bandeira azul e amarela substitua a azul, vermelha e branca em todos os cantos, mesmos os mais redonditos, da Ucrânia das fronteiras reconhecidas pela lei internacional e pela ONU.

Esta guerra tem tudo para aumentar de intensidade se se tiver em conta a retórica agressiva de um e do outro lado, mas as coisas fiam mais fino quando se percebe que os aliados de Kiev, EUA e União Europeia - NATO, renovam a cada dia que passa as garantias de que vão manter aberto o corredor ininterrupto de armamento e dinheiro para alimentar o conflito, bem como as sanções a Moscovo que, por exemplo, os 27 países europeus acabam de engrossar com um 8º pacote, que visa essencialmente a máquina de guerra russa e o seu sector exportador, salvo o gás, do qual a Europa ocidental não se consegue livrar... por enquanto.

E é precisamente este tema, o do fornecimento de armas a Kiev, que acaba de receber um contributo importante para se perceber o empenho de Washington neste conflito, com uma lista de armas e munições que os EUA já entregaram à Ucrânia no contexto deste conflito - sete meses - no valor de 17 mil milhões de dólares, conforme documento do Departamento de Defesa divulgado pelo Russia Today, um media russo estatal.

Esta lista inclui 1.400 misseis antiaéreos Stinger, 8.500 misseis anticarro Javelin, e outras 32 mil armas específicas para destruir viaturas blindadas, mais de um milhão de munições de canhão, dezenas de milhares de morteiros, roquetes e granadas, mas, essencialmente, 150 peças de artilharia pesada, 20 helicópteros MI-17, centenas de veículos de transporte de pessoal, centenas de Humvees, 16 sistemas de lança roquetes de alta mobilidade (HIMARS), a mais eficaz das armas entregues a Kiev por Washington, a par dos famosos Howitzers M-777 de 155 mm além de 700 drones e milhares de minas terrestres, entre outro equipamento.

Foi ainda anunciado que os EUA vão duplicar o número de HIMARS entregues a Kiev, embora não exista um prazo definido, porque este tipo de armamento está condicionado pela lentidão da sua produção devido à alta-tecnologia nele empregue e pelo facto de haver normas internas nos EUA que não permitem que o país fragilize a sua própria segurança ao libertar estas armas para o estrangeiro, estando as destinadas à Ucrânia ainda por sair das fábricas que as produzem.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.