Antes de iniciar esta sua primeira deslocação a África, o Secretário de Estado norte-americano avançou como objectivos maiores o incentivo à boa governação em África, o apoio à consolidação da democracia, o combate à corrupção, mas vários analistas desconfiaram que por detrás deste enunciado estaria um objectivo menos publicável: O esforço de Washington em travar a crescente influência económica - claramente o maior parceiro com o conjunto dos 54 países africanos - e militar da China no continente africano.

E, na última etapa deste "tour", em Adis Abeba, que começou no Senegal, na África Ocidental, passou por Angola, na África Austral, e terminou na Etiópia, na África Oriental, Mike Pompeo fez, finalmente declarações que permitem perceber que existia, de facto, mais um objectivo a juntar aos previamente enunciados.

"Os países (africanos) devem estar muito atentos aos regimes autoritários e às suas promessas vazias, porque eles alimentam a corrupção e a dependência", disse Pompeo, numa clara, embora velada, referência à China, durante um encontro na capital etíope com dirigentes e empresários.

E aproveitou para sublinhar a habilidade dos Estados Unidos para impulsionarem de forma sustentável o crescimento económico dos países africanos com quem têm relações.

Citado pelas agências, Pompeo acrescentou, sempre sem referir a China, que os países africanos correm o risco, se mantiverem a actual aproximação estratégica à China, de verem que "o crescimento de que tanto carecem, a prosperidade que tanto ambicionam e a soberania e o progresso que desejam simplesmente não acontece".

Isto, num contexto em que a abordagem da Administração Trump a África, nesta "guerra fria" onde o opositor é a China, passa por sublinhar que Pequim recorre às gigantescas dívidas contraídas pelos países para os controlar, posicionando-se Washington como a alternativa mais viável para substituir os milhões chineses que permitiram a construção de infra-estruturas no continente, sendo disso exemplo Angola, embora, como o NJOnline relatou, na sua passagem de 24 horas por Luanda, na segunda-feira, esse assunto - a China - não tenha sido verbalmente confirmado como tendo sido discutido no encontro que manteve com o Presidente João Lourenço, embora a sua importância tenha sido sublinhada.

Pompeo deixou ainda alguns recados nesta derradeira etapa africana na sua prolongada viajem, que o levaria a seguir para o Médio Oriente, sobre as "experiencias socialistas falhadas" do passado no continente, aconselhando à abertura económica, nomeando o Zimbabué e a Tanzânia.

E apontou ainda o dedo acusador à África do Sul por causa da lei recentemente aprovada, antecedida de uma alteração constitucional, que permite a expropriação de propriedade privada sem compensação de forma a reequilibrar a desigualdade gerada pelos anos de apartheid, ou seja, tirar terras e bens aos brancos para entregar às comunidades negras, considerando que se trata de um "desastre".

Os ataques de Pompeo à China têm como pano de fundo a crescente influência de Pequim no continente, construída com maior ênfase nos últimos 20 anos - em Angola coincidiu com o final da guerra, em 2002 - que surge em sentido contrário à cada vez menos influente presença dos EUA nesta geografia, onde o investimento e o crédito concedido têm, por norma, como contrapeso um mais facilitado acesso aos recursos naturais abundantes em África, desde o petróleo aos cada vez mais estratégicos metais raros, como o cobalto ou o coltão, essenciais para a indústria das telecomunicações e tecnologia digital.

Estes dois metais raros - coltão e cobalto, sem os quais não haveria smartphones, computadores portáteis, ou a indústria aeronáutica e as turbinas usadas em múltiplas funções seriam muito menos resistentes - são bons exemplos para a atenção que os EUA começam a dar a África, visto que é neste continente onde estão as maiores reservas mundiais e é cada vez mais evidente a sua raridade noutros locais do mundo.

Pequim, recorde-se, é hoje, e de longe, o maior parceiro de África, com os organismos internacionais a apontarem para mais de 200 mil milhões de dólares em trocas comerciais por ano, para além do financiamento directo, como foi com Angola, para a construção de linhas férreas, barragens, pontes, estradas... fazendo com que seja igualmente este continente aquele com mais dívida acumulada, contribuindo Luanda com mais de 23 mil milhões USD, como o Governo já reconheceu.