Há quem veja neste processo apenas um ajuste técnico. Eu vejo outra coisa: um sinal político. Um reconhecimento de que o Estado não pode nem deve caminhar sozinho. De que o sector privado, as fundações empresariais e os cidadãos organizados podem ser verdadeiros parceiros na construção de um país mais justo, mais culto e mais saudável. E para que esse papel se cumpra, é preciso um enquadramento legal moderno, claro e estimulante e não um labirinto burocrático que desencoraja até os mais bem-intencionados.
O gesto de rever a Lei do Mecenato é, por isso, de grande pertinência. É um convite à Angola que empreende, cria e transforma. É a abertura de portas para que empresas invistam mais na educação, na cultura, nas belas-artes, no desporto, na ciência e na inclusão social. É a oportunidade de desenhar um sistema transparente, com incentivos reais e mecanismos de controlo que inspiram confiança em todas as partes.
Num tempo em que muitos países procuram actualizar os seus regimes de mecenato para alinhar com as tendências globais, maior simplicidade fiscal, incentivos automáticos, plataformas digitais de certificação e acompanhamento, etc, Angola decide fazer o mesmo. E fá-lo com a lucidez de perceber que o retorno social do investimento privado não é um favor ao Estado: é um acto de cidadania económica.
É claro que a revisão da lei não resolverá tudo. Mas abre caminho. E caminhos abertos, no contexto angolano, são muitas vezes aquilo que separa a estagnação da esperança. A Ministra Vera Daves de Sousa, ao assumir publicamente esta necessidade de modernização, capta uma sensibilidade rara na governação: a de olhar para o tecido social, não como um anexo, mas como parte estrutural da economia.
O País tem talento, criatividade, causas nobres e organizações que fazem milagres com quase nada. O que falta, e talvez finalmente venha, é um quadro legal que permita transformar generosidade em política pública complementar; que converta responsabilidade social corporativa em impacto mensurável; que faça do mecenato não apenas um gesto voluntário, mas um instrumento estratégico para o desenvolvimento.
Se a revisão cumprir esta ambição, Angola terá dado um passo importante. E, talvez, pela primeira vez, poderemos dizer que o mecenato deixou de ser uma nota de rodapé no Diário da República para se tornar numa verdadeira ponte entre o sector privado e os sonhos colectivos de um país inteiro. n *Jurista e * *
* Presidente do Clube Escola Desportiva Formigas do Cazenga

