À medida que se aproximam as eleições, aprazadas para Agosto deste ano (2022), aumenta a temperatura política; e a intensidade com que as duas maiores forças políticas se entregam à luta indicia uma disputa eleitoral renhida como há muito não se via em Angola. A referência são, talvez, as primeiras eleições multipartidárias realizadas em Angola, em 1992, com a diferença de que, se as primeiras eleições tiveram lugar bem na boca do forno, isto é, nas brasas do conflito militar, estas eleições terão lugar vinte anos depois de assinado o Protocolo do Luena, que, ao que tudo indica, calou definitivamente as armas. São, portanto, contextos diametralmente opostos que os actores políticos que subirão desta vez ao palco precisam ter em devida conta.

No quadro da qualificação para a pole-position para as eleições de Agosto deste ano, os dois principais contendores vincaram com letras garrafais a rentrée política em 2022, não fosse este ano, afinal, ano eleitoral.

O Sr. Presidente da República decidiu assinalar a abertura do ano político com uma entrevista que se adivinhava suculenta, concedida a cinco órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros, presume-se, escolhidos a dedo. Pretendendo passar distante da discussão que então se levantou sobre como se poderia chamar aquela modalidade de comunicação, se conferência de imprensa, entrevista, ou outra designação, o facto é que, alegando motivos logísticos, os serviços de apoio ao Presidente procuraram ab initio condicionar a entrevista em causa, impondo um rigoroso limite do número de questões a colocar que deveriam ser enviadas antecipadamente ao CIPRA. Por mais que se discuta o quanto esta medida interfere ou não na liberdade de imprensa e de expressão no geral, o que já não se pode discutir é que ela condicionou sobremaneira o desempenho dos jornalistas naquela entrevista.

Como que a provar que nós angolanos somos de facto especiais e atípicos por excelência, uma vez concedida a entrevista, o grosso da avaliação recaiu sobre os jornalistas e não sobre o entrevistado. Assim, não foi com surpresa que, nos comentários feitos após a entrevista, a estrela que emergiu foi a jornalista Nisa Mendes da Agência Lusa e não o Presidente João Lourenço sobre o qual estavam voltados todos os holofotes. O debate sobre os jornalistas desfocou incisivamente o cerne da questão, que deveria ser o conteúdo das respostas do Presidente João Lourenço às questões colocadas e não os jornalistas que as colocaram e como as colocaram. Como se explica este desvio de foco, sobretudo quando vindo de jornalistas a quem competiria ajudar o cidadão a decifrar mais facilmente algumas respostas "encriptadas" do Sr. Presidente?

Já ficou por diversas vezes demonstrado que o Sr. Presidente da República é, à semelhança do seu antecessor, um mau comunicador, o que para um político da sua estatura representa uma enorme deficiência. A comunicação é a ferramenta do político e, no essencial, o político é, em larga escala, avaliado pela sua capacidade de comunicar com diferentes públicos e em diferentes contextos. Comunicar bem significa conferir clareza à mensagem que se quer transmitir, utilizando recursos variados e linguagens diversas ajustadas aos receptores, os quais são cognitivamente diferenciados. Mas, a comunicação hoje, em contexto pós-moderno, potenciado pelas tecnologias de comunicação e informação de matriz digital, tornou-se um fenómeno mais complexo onde os polos emissor e receptor se entrelaçam numa horizontalidade e transversalidade cujas teias se perdem amiúde em debates polifónicos, parcos em objectividade, aparentemente estéreis mas absolutamente necessários, pois, como sustenta Habermas, é da razão humana a comunicação.

Muitos dos nossos políticos são ainda incapazes de alcançar esta camada horizontal que estas tecnologias conferem à comunicação e, preferem situar-se no mundo analógico da comunicação vertical e, por força disso, acumulam erros sucessivos que empalidecem as suas imagens enquanto políticos. O Presidente João Lourenço, nos últimos dois anos, transitou literalmente mal nesta dimensão horizontal da comunicação e isto contribuiu directamente para a sua expressiva queda de popularidade, que é por demais evidente. Para compensar o déficit a equipa do Presidente investiu forte nos meios de comunicação massiva, de matriz eminentemente vertical, eliminando deste espaço o pluralismo, o contraditório e outras virtudes da comunicação pós-moderna. Aqui a emenda foi pior que o soneto.

O desvio de foco que se registou na análise da última entrevista do Sr. Presidente da República teve exactamente este propósito: colmatar as graves lacunas na comunicação do entrevistado. As questões foram colocadas mal ou bem pelos jornalistas e, de modo geral, abarcavam questões candentes da actualidade. Certamente elas não cobriam todos aqueles assuntos sobre os quais os cidadãos anseiam por respostas do Chefe de Estado, mas não nos esqueçamos que 5x2=10, ou seja, foram apenas autorizadas 10 perguntas. E as respostas? Corresponderam às expectativas dos telespectadores, ouvintes e leitores dos órgãos convidados? Penso que é aqui que deveria recair a análise e não, como aconteceu em muitos casos, sobre os jornalistas.

O Presidente esteve, nesta entrevista, igual a si mesmo, como se estivesse a governar um País que não o nosso, pelo menos aquele que conhecemos. O Presidente que se diz determinado a combater a corrupção, o que requer acima de tudo transparência, mas que mente descaradamente que em nenhum país do mundo as declarações de bens dos titulares de cargos políticos são públicas; um Presidente que só ele não vê os privilégios concedidos aos grupos Leonor Carrinho e OMATAPALO, que, especializado em Construção Civil, expandiu a sua actividade para as minas e outros ramos e hoje até arrebata concursos de privatização de hotéis. Quando a contratação simplificada que devia ser a excepção passou a ser a regra, e isto até mereceu o reparo da Sra. Ministra das Finanças, o Sr. Presidente é incapaz de entender que isto é um estímulo à corrupção e ao tráfico de influências. O Presidente é incapaz de perceber que os privilégios concedidos aos grupos OMATAPALO e Leonor Carrinho nos remete a formação de verdadeiros monopólios que prometeu combater tenazmente no início do seu mandato.

Enfim, o Presidente da entrevista é o mesmo que a 11 de Dezembro, no Estádio 11 de Novembro, proclamou a fome em Angola como relativa e resultante não da carência de alimentos mas da propaganda maldosa de partidos políticos e organizações da sociedade civil - faltou dizer ao serviço do imperialismo internacional.

Se esta é realmente a visão do Sr. Presidente, pelo menos é o que se pode depreender da sua comunicação, não nos surpreende que o Presidente seja completamente insensível ao clamor dos jovens que enfrentam problemas sociais mil no quotidiano e que reduza a acção dos partidos políticos da oposição a arruaças com queimas de pneus.

Ao reduzir ao ínfimo os partidos políticos e demais parceiros sociais, o Presidente fecha as portas ao diálogo inclusivo e abre as janelas à entrada de ar sufocante que propicia um ambiente de instabilidade social e política. O resultado é esta crise multidimensional que vivemos hoje e aparentemente sem fim à vista! n

*Deputado da UNITA, médico e docente de Bioquímica da Faculdade de Medicina da UAN