Como consequência, podem ser multadas, ver a sua actividade suspensa ou a licença cassada pela entidade que regula a sua actividade. A comunidade pode ficar privada dos bens ou serviços produzidos por essas empresas, ou sofrer as consequências de danos ambientais decorrente de incumprimento de normas de prevenção de acidentes ambientais. Os sócios podem ver a empresa entrar em insolvência, ser liquidada e, por fim, extinta. E o Estado, por sua vez, poderá perder receitas avultadas que comprometerão a execução de alguns programas públicos ou vir a ser punido por entidades internacionais que com elas firmaram determinados acordos.

Para evitar a ocorrência de qualquer uma dessas consequências, as empresas podem socorrer-se, por exemplo, do mecanismo do compliance. O compliance, do verbo inglês "to comply with", que significa agir em conformidade, é um mecanismo oriundo e desenvolvido nos EUA. A adopção deste mecanismo visa identificar riscos, prevenir a sua ocorrência e auxiliar os órgãos de gestão, na execução das suas actividades, dos seus processos e na tomada de decisões, observando, com efeito, as normas legais, as políticas e os regulamentos internos, código de ética, bem como os instrumentos de controlo interno e externo.

Contudo, a aplicação desse instrumento de gestão poderá não produzir os efeitos para o qual foi concebido se não forem ultrapassados determinados obstáculos, destacando-se, entre estes, (i) a resistência dos colaboradores à mudança de comportamentos, (ii) a falta de comprometimento do Conselho de Administração ou Directores, (iii) a falta de quadros qualificados para o exercício dessa função, (iv) impunidade e ineficiência dos canais de denúncias associada à falta de protecção dos denunciantes e a (v) falta de independência de actuação da Direcção de Compliance ou do Compliance Officer.

Se a empresa, por exemplo, contratar um técnico sem experiência para o exercício dessa função ou promover um colaborador da empresa para este cargo sem um plano contínuo de formação, o mesmo poderá não identificar adequadamente os riscos que poderão potenciar a actuação da empresa em desconformidade. Um outro obstáculo à implementação do compliance tem a ver com a sujeição da empresa à observância a muitos reguladores, à excessiva legislação. A independência da área de compliance ou do compliance officer no exercício das suas funções é de extrema importância.

Ora, o compliance, como instrumento preventivo que é, actua em toda a empresa, analisando, inclusive, os actos preparatórios até à tomada de decisão do órgão de gestão. Por conta disso, em muitas empresas, o Conselho de Administração ou a Gerência restringem o âmbito de intervenção da área de compliance ou do compliance officer e chegam a impedi-los de ter acesso a documentos, a processos sensíveis, a pessoas e a determinadas áreas subordinações às suas orientações.

Parece-nos que todos esses obstáculos têm como denominador comum os órgãos de gestão. Pelo que se não perceberem a importância deste instrumento, para a manutenção e sustentabilidade da empresa, os colaboradores resistirão à mudança e tenderão a não acolher o programa de compliance que se consubstancia no conjunto de procedimentos e directrizes para empresa agir e estar em conformidade.

Assim, para que uma empresa opere, efectivamente, em conformidade e evite o risco de sofrer qualquer uma das consequências acima listada, sugerimos - para a actuação isenta e independente - que a área de Compliance ou o Compliance Officer esteja subordinada, na estrutura de governação da empresa, a um administrador independente. Pelo contrário, há o risco de o mecanismo de compliance implementado, com todos os custos a ela associado, funcionar apenas, como se diz na gíria, para inglês ver. n

*Mestre em Direito e Gestão pela Universidade Católica Portuguesa, Escola do Porto. Membro da AIDA - Associação Internacional de Direito dos Seguros.