O 4 de Junho de 1969 é uma data que faz parte da trajectória que conduziu os angolanos à sua libertação e independência. É uma data ainda esquecida na História do país. É o "quatro" esquecido da História de Angola, comparado com outros "quatros" como o 4 de Janeiro de 1961 (data de celebração nacional), 4 de Fevereiro de 1961 e o 4 de Abril de 2002 (ambos feriados nacionais). A entrevista com Luís Neto Kiambata é a primeira de vários testemunhos, depoimentos e partilha de documentos que o Novo Jornal fará ao longo deste mês de Junho, para destacar a data, o feito e um leque de protagonistas envolvidos naquilo a que chamamos "actos preparatórios" para a materialização da histórica fuga. É o compromisso do Novo Jornal com a Memória, com um jornalismo de História, em que trazemos factos e protagonistas, deixando aos leitores a sua livre interpretação, aos historiadores e investigadores a sua necessária avaliação, e aos decisores políticos a profunda reflexão e valorização. É também o "provocar" um necessário exercício de memória, porque nele encontraremos vistas mais largas e mentes mais abertas para um passado ainda pouco debatido e omitido, para um presente que deve ser esclarecido e um futuro que está a ser temido.

A sociedade angolana mudou de forma radical nos últimos 40 anos. Tivemos uma "evolução positiva" a diversos níveis, mas ainda temos áreas em que a evolução é manifestamente insuficiente e limitada. O reencontro com a própria História é ainda um dos grandes desafios, um exercício que a todos exige reflexão e participação. A politização da História, a diminuição do papel e da intervenção de historiadores, investigadores e outros agentes, a substituição ou subalternização da História pelas estórias de laboratórios, é o reflexo de um país que não se quer confrontar com a sua História, que se recusa a aceitar e a discutir factos e que "apaga" os verdadeiros protagonistas.

Temos um problema com a nossa memória histórica: é bastante selectiva, é objecto de diversas formas de manipulação, é politicamente correcta, pouco abrangente e redutora. Habituaram-nos a lidar com verdades mal contadas em que as instituições tendem a contar uma história oficial muito distinta da história real. Luís Neto Kiambata, os familiares de Diogo de Jesus e de Manuel Soares da Silva "Nelito" e outros intervenientes do 4 de Junho de 1969 reclamam a falta de atenção, a desvalorização e o "ignorar com sucesso" que o MPLA tem dado à data. Afinal de contas, foi para se juntar ao MPLA e aos seus ideais de libertação do povo angolano e de independência nacional que os jovens nacionalistas empreenderam a fuga. O MPLA precisa de ter uma atitude mais aberta e conciliatória em relação à sua história. Durante décadas, refugiou-se numa história oficial que lhe serviu de zona de conforto para não discutir abertamente a questão das lideranças e da fundação do partido, o 4 de Fevereiro de 1961, a Revolta Activa, a Revolta do Leste, o 27 de Maio de 1977 e o 4 de Junho de 1969, abrindo caminho para que existam e persistam no seu seio histórias mal contadas, não verificadas, nunca confrontadas, muito influenciadas por um perverso culto de personalidade. Tudo isso contando com o apoio de uma comunicação social que, servindo de caixa de ressonância, se limita a divulgá-la sem a confrontar e sem verificar factos.

Temos histórias cheias de muitos vazios, com muitas omissões, com muitos "porquês" e vários "se". Histórias oficialmente incutidas, mas que realmente teimam em não ser discutidas. Urge um amplo e abrangente debate sobre a nossa História. A forma como se tem procurado "apagar" este 4 de Junho de 1969 é só mais um exemplo de uma patologia que há vários anos nos tem afectado: amnésia histórica selectiva! A história, um dia, vai-nos cobrar e não nos absolverá.