Na altura, pensei que o Camarada Zedú não gostava de tal bajulação, mas perguntei-me: se não gosta, porque dirige o Conselho de Ministros alcandorando-se no topo da mesa e não como se vê, de pelo mundo, em outros conselhos de ministros em que o Presidente da República ou o Primeiro-ministro se senta ao lado dos seus auxiliares, dos seus pares, confundindo-se com eles? Esta prática seguida por João Lourenço e por outros dirigentes aos distintos níveis do Governo e do partido é uma demonstração de poder de quem se alcandora e de subserviência para os subalternos.

Poucas semanas depois do seu empossamento, João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente da República, surpreendeu agradavelmente toda a gente quando começou a circular pela capital com um reduzido aparato de segurança e houve até quem tivesse visto a comitiva presidencial parar no vermelho dos semáforos; será que vamos acabar com as ruas impedidas de se circular durante horas até que a comitiva presidencial passe e termine de passar? Sol de pouca duração. O mesmo diz-se de declarações como: a de ser Presidente de todos os angolanos; a de se rever a Constituição da República; e o facto de, no início do seu mandato, ter limitado a sua presença pública enquanto presidente do Partido. Mas tudo isso foi poeira lançada aos olhos dos que, esperançosamente, julgávamos que tinha chegado o momento de assistirmos à despartidarização do Estado em que o Chefe, embora membro do partido, não seria nem se comportaria como seu dirigente efectivamente permanente, que seria realmente e apenas o Presidente de todos, mas de todos os angolanos.

Mas, voltando ao culto da personalidade, João Lourenço é agora objecto de um culto da personalidade que teve começo já aquando da sua indicação e apoio como candidato único do BP à presidência do Partido à revelia e violando os estatutos do Partido, onde tal competência não é explícita, situação que foi repetida para a candidatura a PR no seguinte Congresso. Um candidato que se atreveu a apresentar a candidatura a PR foi excluído por razões pouco claras e convicentes.

É, pois, João Manuel Gonçalves Lourenço o candidato único do partido MPLA para as próximas eleições em Agosto em que atipicamente se elegem simultaneamente o PR, o VPR e os deputados à A.N. Nessa perspectiva, está a decorrer desde há algumas semanas uma campanha eleitoral intitulada "pré-campanha" pontuada com a inauguração em todo o País pelo actual Presidente da República de obras de grandes dimensões e vulto sempre acompanhadas em comícios monstruosos, avassaladores, coloridos com as cores da bandeira do MPLA que são as mesmas do símbolo da República, confundindo-se portanto, e onde se enaltece o nome e a figura de João Lourenço, Presidente da República/Presidente do partido, sublinhado com alguns ditirambos ainda modestos mas ligados à luta contra a corrupção e a impunidade.

Obras importantes e necessárias mas "trompe l"oeil", para inglês ver, publicitadas à saciedade e desmesuradamente nos órgãos de comunicação públicos e privados horas e dias a fio, ocupando os espaços e tempos de antena com notícias mostrando o poder mobilisativo do "partido dos camaradas", pontuando aqui e acolá com inaugurações estrondosas de escolas e hospitais de grandes dimensões e de um canal de irrigação, o Cafu no Cunene, mas esquecendo-se de referir o canal que havia sido construído pelo Governo colonial a partir da barragem hidroeléctrica do Kalueque, que visitei em 1976 quando ministro, e que se destinava também à irrigação agrícola daquelas terras, canal estendido e melhorado só agora. Levou tempo! Essas movimentações espectaculares e estrondosas levam-nos a concluir que o MPLA está com receio de perder as eleições, o que é pouco provável, ou que venha a perder muitos lugares no Parlamento a favor dos da oposição, em particular para a UNITA.

Os hospitais inaugurados, enormes de mais de 200 camas, são, em meu entender, inadequados e inadaptados ao nosso estágio de desenvolvimento, com tecnologias altamente sofisticadas da última safra, única em África e quiçá em alguns países na Europa (?) - que presunção Sra. Ministra da Saúde! -; a tecnologia a utilizar por técnicos ainda não suficientemente capacitados para o manuseamento e a manutenção de tão sofisticadas máquinas auxiliares de diagnóstico e de tratamento; hospitais com um número de camas que não tem em conta o nosso quadro epidemiológico e sanitário e os dados estatísticos, que orientam na escolha da planificação, programação e implementação das acções consentâneas com o nosso grau e nível de desenvolvimento técnico e tecnológico e do nível de tecnicidade do pessoal médico e paramédico.

Em vez de nos orientarmos desabridamente para a construção e equipamento de hospitais de referência de terceira geração, além da parte gestionária, tecnológica, médica e medicamentosa, há que ter em conta a parte logística hoteleira de gestão especializada para um tipo e número de "hóspedes" que pesam tanto quanto maior for o tamanho e a especialização do complexo hospitalar. Temos gestores à altura para essa gestão multidisciplinar e especializada?

E os custos financeiros? Na apresentação de tais obras nada nos é apresentado quanto aos custos: quantos bilhões de kwanzas e correspondente moeda estrangeira nos custaram e têm custado as unidades hospitalares com que se vêm pavoneando os responsáveis da Saúde e não só? De certeza que não foram "peanets" ou ao preço da jinguba. Apresentadas como vitórias do partido no poder, perante um público feericamente engalanado com as cores partidárias, como se fora com dinheiro do "M" que essas obras foram realizadas e pagas.

Bilhões que poderiam e deveriam ter sido gastos: 1) a modernizar e requalificar os actuais hospitais centrais e provinciais, equipando-os com a tecnologia necessária, suficiente e adequada para suprir as deficiências presentes e formar especialistas, mestres e doutores (PhD); 2) a modernizar e a dotar os hospitais municipais e os centros de saúde, os actuais e os a construir, com tecnologia clínica e laboratorial, estandardizada pela OMS, e pessoal suficiente para melhorar as capacidades de diagnóstico e tratamento das patologias mais frequentes e endémicas como o paludismo, as diarreias agudas, as gripes (incluídos os coronavirus) e as "constipações", as doenças venéreas, as sarnas e outras lesões cutâneas e tantas outras maleitas que assolam a grande maioria da nossa gente e que têm sido as causas mais frequentes de morbilidade e de mortalidade; 3) construir e apetrechar postos de saúde com meios necessários e suficientes para os cuidados primários (CPS) que são o primeiro escalão, repito o primeiro escalão, do combate e de acção em saúde pública em particular a atenção e os cuidados à mãe durante a gravidez e o parto, ao recém-nascido e à criança e à prevenção das doenças transmissíveis, através do Programa Alargado de Vacinação (PAV) e da educação para a saúde.

Será preciso recordar à Ministra da Saúde e aos seus colaboradores mais directos que os hospitais centrais e os de especialidade, os hospitais em geral, são a falência do Serviço Nacional de Saúde e, como corolário, da saúde pública?

E tudo isso tem sido realizado ou obtido graças ao líder, "Sua Excelência o Camarada Presidente" João Lourenço. A ele só? E os seus auxiliares são apenas "beni, oui, oui", que só aplaudem?

É só cumprir o que o Chefe idealizou, definiu, planificou e programou e mandou fazer? O auxiliar apenas serviu de capataz das obras aplaudindo com bastantes encómios e curvaturas do espinhaço, atirando para traz o seu trabalho, o seu esforço, o seu saber e o sacrifício postos na concepção e elaboração do trabalho que lhe foi atribuído para efectivar. É preciso, senhores "auxiliares", que não se esqueçam de que a governação é um trabalho colectivo em que há um principal responsável, o Chefe, e os outros, os Ministros - a quem cabe apresentar executada a obra ou as tarefas que lhes foram superiormente incumbidas e nos prazos acordados. Mas o servilismo, o "lambebotismo" e o receio ou medo de perder o tacho são tais que, quando lhes é dada a oportunidade de pôr o "Mbutamuto" sempre e sempre na origem e à frente das ideias e dos projectos de grande vulto e aparente grande valor e impacto, para a resolução de problemas e de projectos, o fazem com muitas mesuras e salamaleques, quanto baste.
Post Scriptum:

Em Moçambique a Juventude da Frelimo declarou, numa sua plenária e perante o Presidente Filipe Nyuse, a sua vontade de apoiar a sua recondução a um terceiro mandato.

Não me admiraria se a JOTA MPLA, a OMA ou um grupo de militantes do "M" fizessem o mesmo, propondo um terceiro mandato para João Lourenço, após o seu eventual próximo mandato.