Seguindo a boa tradição da análise de eventos de media, dividiria este balanço em três partes: o contexto, a forma e o conteúdo.

No que diz respeito ao contexto, o PR retoma um processo que iniciara em 2018: um evento de media com periodicidade, pelo menos, anual. E esse é um primeiro aspecto positivo. Porque, interrompida pela pandemia - fez um primeiro exercício no início de 2019 e estava previsto outro no primeiro bimestre de 2020, intenção gorada pela então nascente pandemia -, a sua retomada representa um sinal da determinação de avançar com a vida, não obstante a necessidade de conviver com o coronavírus. A mensagem liminar é "vamos tocar a vida para a frente, continuar a fazer o País, incorporando nas nossas vidas as normas de biossegurança". É uma demarcação clara do aterrorizado e asfixiante "Fica em Casa" que, tendo salvado indubitavelmente vidas, quase matou a economia e deixou todo o mundo meio maluco, passe o termo.

Isso determinou a forma como foi organizada esta conferência de imprensa. Não podia ser no modelo anterior à pandemia, o que levou à necessidade de seleccionar apenas alguns órgãos de comunicação. Podendo no limite compreender as críticas a uma não maior socialização dos critérios de selecção dos órgãos - algo sempre polémico nos jornalistas, sendo eles por natureza ciumentos entre si e ciosos dos direitos que assistem à sua actividade profissional - já não têm razão aqueles que invocam os cânones da disciplina de organização de eventos jornalísticos para atribuir uma "suis generalidade" qualquer à forma como foi organizado ou ainda à denominação do acto. Foi uma entrevista colectiva ou, se preferirem, uma conferência de imprensa e pronto. Não existe, até onde chega o meu conhecimento, qualquer norma rígida detalhando como organizar um evento de media qualquer, seja ele entrevista (singular ou colectiva), conferência de imprensa ou briefing de media. Esses detalhes resultam, normalmente, ou da negociação entre as assessorias e os órgãos de comunicação, ou da tradição ou, no caso dos eventos presidenciais, de considerandos de protocolo e segurança. Ora, as normas de biossegurança há muito fazem parte dos procedimentos de segurança dos Chefes de Estado. Por razões óbvias. Portanto, que se preparem os jornalistas: os médicos do Presidente - e de outras individualidades protocolares, já agora - terão uma palavra determinante na organização dos eventos de media. É bom ir-se habituando...

Ainda sobre a forma, uma palavra às críticas que circularam nas redes sociais por causa de um suposto vazamento de um email do Secretário Luís Fernando que solicitava eventuais perguntas antecipadamente. Não comento. Porquê? Porque em bom rigor não se pode dizer que o documento seja genuíno; ninguém assume que vazou e o Luís Fernando escusa-se - está no seu perfeito direito - de comentar sobre o email. Ora, comentar isso seria legitimar uma das maiores aberrações no jornalismo: expor as fontes. Os "tudólogos" das redes sociais fizeram o maior dos basqueiros à volta disso; políticos da oposição, ditos líderes de opinião também e - pasme-se! - alguns jornalistas que pela sua estrada deveriam ter uma postura mais vertical quanto a esse cânone sagrado do jornalismo: profissional que se preza não vaza para as redes sociais informações confidenciais das fontes. Ponto final. O problema é que alguns jornalistas que se querem referências da profissão trocaram o discurso jornalístico pelo político e alinham com a polaridade do posicionamento antagónico dos actores da disputa eleitoral que se avizinha, ao invés de se constituírem no tradicional espaço de mediação social onde esses políticos vêm explicar-se aos cidadãos. O que vai resultar disso, o tempo dirá...

Finalmente o conteúdo: Face à enorme expectativa em volta do que ia dizer - o Presidente não dava conferências de imprensa desde Fevereiro de 2019, salvo erro - e sempre respondendo às perguntas dos jornalistas, começou por explicar que a corrupção não é um fim em si da sua governação, mas um meio imprescindível para criar o ambiente favorável aos negócios que melhore a imagem do País e atraia investidores estrangeiros. Também explicou que os grupos que se diz estarem a ser favorecidos nas grandes empreitadas, afinal são eles que estão a trazer fundos para investir no País; outra avança com fundos próprios o início das obras enquanto o Estado não pode pagar - ao contrário dos que recebem 100% de obras que nem chegam a começar - e outro ainda é o único que conseguiu organizar-se para aceder a um crédito que está há dois anos à espera de que empresas o venham usar. São elementos novos que a sociedade não dominava. E uma chamada de atenção a alguns dos nossos empresários que ficam sentados à espera das ordens de saque e ainda por cima fomentam intriga e desinformação quando só têm que se organizar melhor, serem mais proactivos e dinâmicos e irem à busca, em vez de ficar sentados a lamentar que o Executivo não apoia.

No campo político e social, justificou que não vê recuos nas aberturas que encetou no início do seu mandato, defendeu o ex Vice-Presidente por uma questão de soberania, a questão do poder de compra dos trabalhadores está em cima da sua mesa mas tem que gerir uma manta de pobre, o desemprego não o deixa dormir e - de kaxêxe, provocado pela jornalista - foi dizendo à oposição que podem juntar-se o quanto quiserem que ele e o MPLA estão prontos para o embate político eleitoral. Interessante, disse que o fazer política de alguns partidos da oposição é levar jovens a queimar pneus na rua e, dias depois, de facto aconteceu. Desabafou com base em informações privilegiadas? Pergunta que fica para outra ocasião.

Em resumo, o Presidente foi exaustivo. Durante duas horas, respondeu a duas rondas de perguntas de todos os jornalistas presentes. Podendo estes fazer perguntas de seguimento caso não estivessem satisfeitos com as respostas anteriores, não o fizeram. Numa avaliação geral do exercício, assacados os pontos bons e menos bons, foi francamente positivo. Se teve um defeito é que soube a pouco. Os cidadãos queriam mais, muito mais assuntos a serem respondidos pelo Presidente para saberem a quantas anda o País. Ficou a promessa que o Presidente voltará a falar para os jornalistas, desta vez para os que não foram. Que assim seja; sendo que todos seguiremos no aprendizado para fazer de cada um deles melhor que o anterior e menos perfeito que o seguinte. Porque é assim que se faz paulatinamente o País que se (re)ergue das amarras desta malfadada epidemia e segue confiante em direcção ao futuro que é seu por direito.

*Membro do Comité Central do MPLA