A classificação obtida por Angola chamou a atenção do mundo do andebol, pois não era suposto um "salto" tão grande, do 19.º lugar entre 24 contendores, em 2018, na Hungria, para o oitavo entre 32 participantes, em 2022, na Eslovénia. Pelo menos em teoria e em termos de probabilidade matemática, uma ascensão dessa grandeza é de difícil realização, mesmo em se tratando de equipas de formação, que geralmente se regeneram em ciclos de dois anos. Com isso, a África ganha mais uma vaga em Campeonatos do Mundo da categoria, saindo de quatro para cinco representantes.

Quando em 2020 o actual elenco directivo da Federação Angolana de Andebol (FAAND) se fez à estrada para pleitear o mandato, um dos objectivos apontados foi o resgate do título africano por parte da Selecção Nacional de juniores feminina. Esta não só recuperou o ceptro que lhe escapou três anos antes, como, no "Mundial", assinou um brilharete que a todos os angolanos deve orgulhar. Afinal, trabalhar em Angola, mesmo nos chamados clubes grandes, não é, nem de longe, fácil. Há muito pedregulho por partir no caminho.

Objectivamente, o desempenho de uma Selecção Nacional não depende unicamente do desejo da Direcção da Federação. Obedece a um conjunto de factores que uma federação muitas vezes não pode controlar, já que nas equipas nacionais os atletas ficam muito pouco tempo. Em regra e na melhor das hipóteses, no caso angolano, concentram-se durante mês e meio para a preparação e a competição. Por conseguinte, seria injusto creditar a prestação das "Perolazinhas" exclusivamente à FAAND.

É verdade que esta Selecção de Sub-20 dispôs de uma preparação de excelência, durante a qual teve pela frente algumas das melhores congéneres do Mundo, além de defrontar formações de clubes da região de Siófok (Hungria), onde foi realizado o estágio. Não nos esqueçamos de que até domingo próximo, 03, dia em que termina o "Mundial", a Hungria ainda será a Campeã do Mundo em título. Relativamente curta, embora, a preparação das angolanas foi proveitosa e os frutos estão à vista de todos. Concluindo: dentro dos condicionalismos em que se pratica desporto em Angola, a FAAND proporcionou condições verdadeiramente excepcionais para a abordagem do Campeonato em análise.

Além da FAAND, pelas razões aduzidas, o êxito de Angola neste "Mundial" deve ser creditado aos clubes, pois são estes que estão com as atletas durante grande parte do ano, investindo seriamente na formação delas, acompanhando o seu percurso, lapidando o seu talento. Decididamente, os clubes são o suporte de qualquer Selecção Nacional e esta em regra reflecte o trabalho feito por aqueles. Isto é uma verdade à la palisse.

Um olhar de soslaio à lista das 16 jogadoras da Selecção Nacional que estão na Eslovénia lobriga um elemento nada despiciendo: 14 atletas, o que representa 87,5 %, são do Clube Desportivo 1.º de Agosto, de onde também é proveniente o seleccionador José Terça Chuma. Por respeito ao trabalho dos treinadores, não questiono as suas convocatórias. Parto do princípio de que nenhum técnico gosta de perder e, naturalmente, elenca sempre as melhores jogadoras para a equipa nacional, independentemente de defenderem o emblema A, B ou C. Nenhum técnico é suficientemente louco para colocar em jogo alguém que não lhe dê garantias, só porque tem com ele/a laços familiares, por exemplo.

Durante o estágio na Hungria, alguns técnicos estrangeiros, que lá estavam também a cuidar da preparação das respectivas equipas, teceram rasgados elogios à Selecção Nacional de Sub-20, pela generosidade com que se entregavam ao jogo. O seleccionador de um país nórdico chegou mesmo a aventar a hipótese de Angola terminar no primeiro lugar do grupo, batendo inclusive a Roménia. O técnico acertou em parte. Depois da vitória de Angola diante da anfitriã Eslovénia, na segunda fase da competição, um membro do grupo técnico da Federação Internacional de Andebol (IHF, na sigla em inglês) gabou os automatismos das pupilas de José Terça Chuma no ataque, dizendo parecer tratar-se de uma equipa de clube, devido às rotinas apresentadas.

Seguramente, o oficial da IHF em questão não terá dado uma olhada atenta à relação nominal da Selecção de Angola nesta prova. Se o tivesse feito, facilmente perceberia que apenas duas das 16 atletas de Angola não são do 1.º de Agosto, pertencendo ao Petro-Atlético de Luanda, seu eterno émulo. E dessas duas, uma fez parte substancial da sua formação na Academia "rubro-negra", provavelmente o maior investimento feito no desporto nacional, tanto na componente humana como na de infra-estruturas.

Feitas as contas, a Selecção Nacional feminina de Sub-20 está a beneficiar, e de que maneira, do trabalho feito na Academia do 1.º de Agosto, que tem um núcleo em Benguela, de onde saíram algumas das "Perolazinhas" que agora competem no "Mundial" da Eslovénia. Esta geração de atletas está certamente em condições de assegurar uma renovação bem-sucedida num horizonte temporal de um ciclo olímpico ou em menos tempo. Mais: pelo tipo de acompanhamento técnico de que beneficia na Academia - durante a pandemia ficaram em bolha a treinar afincadamente - é bem provável que lá mais à frente consiga melhorar o sétimo lugar da Selecção Nacional sénior feminina em França"2007.

Curiosamente, a esmagadora maioria das meninas que agora brilha na Eslovénia também passa pelas vicissitudes por que passam outros atletas do 1.º de Agosto. Também está a largos meses sem receber os respectivos soldos e vive condicionada aos escassos recursos agora alocados ao clube. Ainda assim, está ali a dignificar o nome de Angola e a contribuir, com o seu desempenho, para sedimentar nos seus concidadãos o orgulho de ser angolano, algo que não tem preço. Desafortunadamente, é isto que algumas pessoas querem "matar", num País já de si carente de referências positivas.

A Academia do 1.º de Agosto tem no general Carlos Hendrick o seu mentor. Goste-se dele ou não e independentemente do que se vier a apurar sobre a sua gestão do clube - isto é, se o assunto for a tribunal -, é desonestidade não tributar uma quota-parte do sucesso da Selecção Nacional feminina de Sub-20 ao homem. Afinal, as honras cabem (também) ao General.