Ao longo da sua história de quase meio século, a Federação Angolana de Futebol (FAF) teve vários presidentes, mas nenhum sofreu tanto como o actual. Artur Almeida e Silva registou, no seu consulado, a mais longa sucessão de derrotas em casa. Jogando no seu terreno, Angola deixou de ser uma selecção temível. Qualquer Líbia desta vida se sente confortável e "ousa" ganhar em Angola, algo impensável até 2017, altura em que o actual líder federativo assumiu funções.

Nas lides competitivas africanas desde 1980, Angola defrontou alguns dos mais temíveis adversários do continente. Os Camarões de Teophile Abega e Manga Onguene, a Nigéria de Kanu e Amokachi, a Argélia de Madjer e Beloumi, a Tunísia de Tarak Diab e Khaled Ben Yahia e muitas mais selecções. Mas nunca se deixou humilhar como acontece agora e com espantosa frequência. Antes pelo contrário, batia-se com galhardia e, se perdesse, tinha, ainda assim, o carinho e o reconhecimento dos adeptos, fosse pela exibição, fosse pela entrega.

Durante anos, a Cidadela ergueu-se como fortaleza inexpugnável, que deixava de sentido qualquer rival. Raríssimas selecções de países africanos saíram da "Catedral" incólumes. Quase todas regressaram a casa com as respectivas doses. Jogando em casa e mesmo fora, a Selecção Nacional de Angola era respeitada, principalmente depois de, em 1993, Armando Machado ter assumido a liderança da Federação, e, na sequência, imprimiu outra dinâmica organizativa ao Gabinete das Selecções Nacionais.

De Armando Machado a Pedro Neto, passando por Justino Fernandes, o desempenho das Selecções Nacionais encheu de orgulho os angolanos. Nesse ínterim, Angola tornou-se habitué de fases finais de CAN"s seniores e de CHAN"s. Nos juniores, embora não marcasse presença regular, logrou conquistar um Africano. A isso acrescentou presenças em Campeonatos do Mundo, sendo um em cada categoria... Nesse período, Angola podia considerar-se integrante de uma imaginária I Divisão africana de selecções.

Em 2016, porém, o poder caiu nas mãos de Artur Almeida e Silva, uma figura de quem muito se esperava. Depois de ter pleiteado o cargo em duas ocasiões, em 2016 finalmente subiu ao poleiro. Empresário bem-sucedido - pelo menos aparentemente - e homem do desporto, especialmente do futebol, gerou expectativas mil à volta da sua ascensão. Afinal, na Real Sport, havia desenvolvido belíssimo trabalho. Quando o actual presidente subiu, os homens do futebol estavam eufóricos. E com alguma razão...

Só que a montanha pariu um rato, como sói dizer-se, ou seja, o líder da FAF frustrou as legítimas expectativas dos amantes da bola. No seu consulado, a Selecção Nacional transformou-se em "saco de pancadas", em que qualquer adversário bate, sem problemas de maior. Isso era algo que antes da sua entrada não acontecia. Nem em sonhos!

Se os jogadores são basicamente os mesmos que vêm do tempo do anterior presidente e tendo a vantagem de "herdar" uma geração talentosa que esteve no Mundial-19, de Sub-17, o que terá levado a Selecção principal a resvalar para o abismo? Mais: tal como a base de recrutamento do passado, onde só havia um jogador que se destacava dos restantes, no caso, Akwá, actualmente também não há nomes sonantes. Logo, o problema não pode ser da qualidade dos futebolistas. O problema tem essencialmente que ver com a componente administrativa.

Para início de conversa, quando a Selecção Nacional inicia uma competição, nunca há da FAF uma posição clara sobre objectivos. Também não se conhecem metas concretas apontadas pelo elenco federativo no primeiro e segundo mandatos. Do tipo projectar a melhoria da classificação da Selecção Nacional A em fases finais do CAN e ou voltar ao "Mundial", plano que deveria ter por base a Selecção "mundialista" de Sub-17, que merecia outro tipo de acompanhamento, como aconteceu com os Sub-20 que em 2001 ganharam um único CAN de futebol para o País. A impressão com que se fica é que, em matéria de competições internacionais, quase tudo rola ao sabor do vento.

Na verdade, projecções dessa dimensão seriam difíceis de fazer, na medida em que parece não haver planificação. Porque só assim se entende que, em quatro anos de mandato de Artur de Almeida e Silva, a Selecção Nacional tivesse quatro técnicos, dois dos quais tomados por empréstimo a clubes. Nos tempos que correm, isto é impensável, pois os treinadores precisam de tempo para desenvolverem o respectivo trabalho. Dos quatro, três não dispuseram de tempo para trabalhar, sendo excepção o actual seleccionador nacional, que foi promovido dos escalões de formação para a equipa principal, levando já largos meses à frente das "Palancas Negras".

Devido ao apertado calendário futebolístico internacional, as Selecções Nacionais quase não dispõem de tempo para trabalhar a componente táctica na preparação dos jogos. Sendo que a mudança de treinador implica adaptação de jogadores ao modelo e aos princípios de jogo do novo técnico, é óbvio que há mais de quatro anos que a maior parte dos futebolistas da Selecção Nacional passa mais tempo a tentar apreender novos processos de treino e de jogo. Por outras palavras, estão quase sempre a recomeçar. E os resultados não podiam ser outros que não a pouca vergonha que vimos acompanhando nos últimos anos.

A Europa é, neste momento, a principal força do futebol mundial, estatuto que tomou da América do Sul, "dona e senhora" nas décadas de 1980 e 1990. As melhores práticas de gestão e do treinamento desportivo são desenvolvidas naquele continente. Acaso alguém conhece alguma federação europeia com seleccionador nacional tomado por empréstimo a um clube? Na América do Sul e mesmo em nações africanas futebolisticamente mais avançadas também não existe. Logo, se os melhores não o fazem, por que razão a FAF o faz? Decididamente, não dá para compreender essa espécie de autofagia a que Artur Almeida e Silva se entregou.

Mais grave do que isso é que o técnico que melhores resultados obteve acabou afastado. Srdan Vasiljevic apurou a Selecção Nacional para a fase final do CAN-2019 e só não foi mais longe porque a componente administrativa falhou redondamente. Estamos lembrados dos dinheiros do apuramento para o CAN do Egipto escondidos aos jogadores que disputaram as qualificativas!... Com uma direcção a trabalhar assim, não é difícil a Selecção Nacional tornar-se "saco de pancadas" e "apanhar" de todos e mais alguns...