Escrevi ainda que "o MPLA está a ter um papel eticamente condenável no apagamento da oposição, principalmente através da comunicação social", o que, em ambiente democrático, não favorece o partido no poder, pois a ausência de crítica também prejudica o seu crescimento e desempenho.

Após a vitória eleitoral de 2017, a comunicação social pública passou a conhecer uma espécie de "primavera". Os cidadãos quase não acreditavam no que passaram a ver, ouvir e ler. Assuntos considerados tabus durante anos, como corrupção e impunidade, deixaram de o ser, e o País real desnudou-se. Jornalistas e comentadores descobriram que, afinal, havia muito mais males para corrigir do que aqueles que julgavam e juravam existir.

No discurso de tomada de posse (2017), o Presidente João Lourenço havia afirmado que "a Constituição será a nossa bússola de orientação e as leis o nosso critério de decisão", que "a construção da democracia deve fazer-se todos os dias", que desejava que "...o contrato social estabelecido entre governantes e cidadãos seja permanentemente renovado, através da criação de espaços públicos de debate e troca de opiniões", que se possa "... exigir o respeito pelos direitos e para garantir a participação plena dos cidadãos na resolução dos problemas das comunidades em que estão inseridos", e ainda "que estamos longe de atingir o ideal ... em matéria de pluralismo [na comunicação social]", rematando com um "apelo, pois, aos servidores públicos para que mantenham uma maior abertura e aprendam a conviver com a crítica e com a diferença de opinião, favorecendo o debate de ideias, com o fim último da salvaguarda dos interesses da Nação e dos cidadãos". Havia, pois, e finalmente, sintonia entre a prática e o discurso.

Essa "primavera" durou até 2019, quando os progressos viraram retrocessos. Os vícios antigos regressaram, uma vez mais com os mesmos actores, jornalistas e comentadores. A 19-6-20, numa conversa intitulada "Regressos Indesejáveis", escrevi: "Não chego ao extremo de dizer, como já ouvi, que o contraditório tenha desaparecido da comunicação pública. Mas é certo que o espírito crítico que vimos nos primeiros tempos da Presidência, quando se dizia que voltara a valer a pena ouvir ou ler os media públicos parece estar a ser abandonado gradualmente". Esse regresso na comunicação social pública consumou-se. Não apenas com o quase abandono do contraditório - que tem agora espaços mínimos e mitigados - como também com a propaganda, massacrante e sem qualidade, e com a chicana em relação aos partidos da oposição.

Sinto-me, pois, no direito de, no exercício da minha cidadania, analisar de modo crítico os acontecimentos do passado dia 11 e seguintes. Com inquietação ouvi comentadores, jornalistas e instituições manifestarem a sua indignação e condenação por supostas agressões, por "militantes, simpatizantes e amigos" de um partido político, a jornalistas da TPA e da TV Zimbo que estavam no exercício da sua actividade profissional. Ouvi e li, também, que as opiniões contrárias a estas tinham o objectivo de desviar as atenções do verdadeiro problema - as supostas agressões. Ouvi e li ainda que ambas as estações televisivas públicas, numa desconcertante sintonia, se achavam no direito de deixar de cobrir as actividades promovidas pela UNITA. Mas também li (Expansão, 10/9/21) que

António de Sousa, director nacional da Comunicação Social, sente desconforto pela negligência das regras de "bom jornalismo" por parte dos órgãos de comunicação, tanto privados como públicos. Afinal é a situação destes últimos que preocupa os cidadãos.

Tais jornalistas, comentadores e instituições nunca, ao longo dos últimos 18 anos (cinjo-me intencionalmente a este período), se preocuparam com agressões e prisões a jornalistas - e a políticos e activistas cívicos - em várias manifestações. Igualmente nunca se preocuparam com a sistemática violação, por parte de quem de direito, do n.º 4 do artigo 17.º da Constituição ("Os partidos políticos têm direito a um tratamento imparcial na imprensa pública", sublinho o pública). Durante esse período, alguns até diziam que, agindo do modo que agiam, isto é, com a sua ostensiva parcialidade, estavam (e estão) a cumprir as linhas editoriais dos órgãos. Está claro, a "ordem superior" acima da lei e da própria Constituição. Ou então desconhecem a sua obrigação plasmada na Constituição, o que é particularmente grave. Terá sido a linha editorial que impediu noticiar a coincidente no tempo revolta popular nos mercados dos Kuanzas e da Asa Branca.

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