De facto, foi a mesma aspiração de justiça que congregou para uma luta comum, em diferentes palcos, os povos de ambos os países, contra um regime que oprimia e suprimia as liberdades cívicas, amputando o seu direito à liberdade e à independência.

Ultrapassada a desconfiança herdada da distorção e desigualdade das relações coloniais e suplantada a distopia da guerra, o processo de paz veio favorecer o aprofundamento de um trabalho conjunto, em registo de reciprocidade.

A força da comunidade histórica entre os dois países origina trocas intensas e fluxos permanentes de pessoas. O elevado número de nacionais de qualquer dos países que fixaram residência no território do outro e que nele exercem actividade; as situações de famílias repartidas entre dois territórios; os múltiplos negócios transnacionais geram amiúde necessidades de cooperação entre os tribunais, os sistemas de investigação criminal, os sistemas prisionais e de reinserção, os sistemas registrais.

Portugal e Angola mantiveram sempre um registo de partilha de informação, e de conhecimento, nos planos jurídico e judiciário, mesmo em tempos de guerra.

Mas a paz melhorou essa experiência, garantindo a continuidade dos processos relacionais e dando espaço ao aprofundamento do conhecimento recíproco, identificando afinidades e favorecendo o respeito pelas idiossincrasias de cada um dos países.

Em 1995, os dois Estados celebraram um extenso Protocolo de Cooperação Jurídica e Judiciária, envolvendo matéria civil e penal, registos e notariado, cooperação técnica jurídica e documental.

É, porém, possível afirmar que os canais de cooperação operaram sempre, independentemente da existência de instrumentos de formalização; e que, por vezes, os instrumentos de formalização - normalmente protocolos de cooperação - surgiram impulsionados por movimentos colaborativos pré-existentes.

Ambos os países identificaram precocemente, como crítico, o segmento da qualificação de quadros e apostaram na cooperação como um caminho virtuoso, potenciador da aquisição de conhecimento diferenciado e de melhoria da capacidade de acção.

Em Portugal, o Centro de Estudos Judiciários e a Procuradoria-Geral da República promoveram acções de formação específicas para grupos de magistrados judiciais e de magistrados do Ministério Público angolanos.

Posteriormente, a criação do INEJ aprofundou ainda mais a cooperação interinstitucional no domínio da formação.

Com a paz, veio o reforço da cooperação na área dos Registos e Notariado, com o desenvolvimento de um ambicioso projecto de desmaterialização em matéria de registos e da prática de actos "na hora".

É também desse tempo a colaboração em matéria de concepção da organização dos espaços de registo e do início da desmaterialização dos processos judiciais.

A cooperação faz-se com rostos e forja-se na confiança na resposta recíproca. Todos estes anos de trabalho geraram laços de conhecimento e inter-ajuda, sedimentaram o respeito mútuo e instituíram os dois países como uma grande família de direito, alicerçada nos valores da Democracia e do Estado de Direito.

As visitas de Estado dos Presidentes de Portugal e de Angola e do chefe do Governo de Portugal deram um novo fôlego aos processos de cooperação nos diferentes domínios da justiça - da cooperação judiciária e policial à medicina legal, passando pelos serviços prisionais e de reinserção -, o que responsabiliza ainda mais intensamente as instituições judiciárias dos dois Estados na defesa das instituições democráticas e na construção de um futuro de paz e de liberdade.

* Na semana em que se celebram 18 anos de Paz, o Novo Jornal convidou personalidades com origem e ligações afectivas e profissionais a Angola, como Francisca Van Dunem, nascida em Luanda em 1955.