Mas hoje as mães não enchem a sala de espera. A jovial recepcionista confirma-me: hoje só ela foi escalada, não há praticamente doentes. Vi uma enfermeira e um médico, este a atender o único doente presente. Não parece ser, também, no Serviço de Urgência, menos frequentado do que é habitual, que vou encontrar os doentes que faltam aqui.

Onde estão todos estes meninos sofredores? As mães vão certamente fazendo o melhor que podem em casa... com que resultados?

8 de Maio: Recuo em pensamento, 45 anos: em Dezembro de 1974 eu tinha regressado a Angola, e tendo-me integrado na Faculdade de Medicina, vi-me juntamente com as Dras. Madalena Salvaterra e Filomena Tavares de Almeida incumbido pelo grupo local do MPLA de fazer consultas médicas no Bairro Sambizanga. Qualquer coisa próxima da táctica psicossocial praticada pela tropa de ambos os lados, que cumprimos por um breve lapso de tempo. Numa reunião com o comité local pedimos melhores condições para fazer uma consulta decente. Um dos jovens respondeu-nos duramente: "Essa vossa medicina não é assim tão importante... o povo sabe como tratar as suas doenças..."

Eram os sentimentos do "poder popular" sobre a outra medicina, a da elite do asfalto. Esta alegada e desesperada auto-suficiência é afinal ainda necessária?

11 de Maio: Decididos mais 15 dias de estado de emergência.

Num País com o erário delapidado e a baixa arrasadora do preço mundial do seu principal rendimento, as limitações decorrentes vão dificultar a economia e tornar mais difícil a luta pela sobrevivência da população pobre. E, escandalosamente, limitar os horários da função pública e manter encerradas as consultas médicas.

Não havendo, ao fim de dois meses de inquérito, evidência de que há um surto epidémico no País, a decisão soberana e solene de estado de emergência, assim como a adopção de outras medidas soa fortemente a mimetismo e a medo. Por exempla, a libertação de centenas de delinquentes: encontrou-se, sequer se procurou, algum caso de infecção nas prisões?

O Governo está carente de uma evidência científica sólida que lhe permita a melhor decisão.

13 de Maio: "O fundo global assegura 14 mil milhões de dólares de doações"

Esta é a matéria que leio no reputado semanário médico Inglês The Lancet, de 19/10/19. O Fundo Global, constituído há 20 anos para controlar as três doenças consideradas as mais importantes no Terceiro Mundo (tuberculose, malária e sida) tem o apoio maior dos países do Norte, mas também contribuições de muitos países africanos e de grandes magnatas, como Bill Gates. Angola já foi beneficiada com mais de 300 milhões de dólares.

O Fundo é regido por um conjunto de regras que, embora assegurando à partida a participação do país beneficiário, asseguram transparência e eficiência na abordagem correcta dos problemas daquelas doenças em cada país: não proporciona só dinheiro, ajuda a geri-lo.

As relações do FG com Angola não têm sido fáceis, e a população angolana não tem colhido todos os benefícios de que poderia ter usufruído: é sabida a história de desvio financeiro no FG praticada por gestores angolanos na vigência de um anterior ministro da Saúde; o ministro seguinte inviabilizou, por dois anos, o funcionamento normal do programa ao querer forçar as regras e colocar a esposa como gestora.

Presentemente, apesar de ter sido recebida pelo Presidente da República, a delegação do Fundo esbarra com a sobranceria de uma ministra que entende distorcer as regras aprovadas em proveito de ideias próprias. A perspectiva é que não haverá tão cedo verbas do Fundo Global para Angola.

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