Os ataques têm visado, essencialmente, os distritos do litoral e Norte de Cabo Delgado, com uma população islâmica significativa (Muidumbe, Macomia, Mocimboa da Praia, Quissanga e mais recentemente o distrito de Palma, onde se encontram os maiores investimentos no sector do Gás e Petróleo de Moçambique), à excepção do distrito de Mueda, que nunca registou ataques e de Nangade com ataques esporádicos, mas pouco significativos.

Localmente, os grupos que sempre organizaram os ataques eram conhecidos como Al Shababs ou Al Suna e, no início de Março, o Departamento de Estado Norte Americano designou o grupo que actua em Moçambique como uma ramificação do Estado Islâmico do Iraque da Síria, cujas ramificações se estenderam a Moçambique e à República Democrática do Congo.

Actualmente, há em Moçambique toda uma miríade de empresas francesas do sector dos Hidrocarbonetos e de todos os sectores que gravitam à sua volta (logística e segurança privada) com interesses nos três grandes projectos em desenvolvimento ao largo da costa de Moçambique. Há vários anos que França emprega todo o seu arsenal de diplomacia económica para defender os seus interesses em Moçambique, com visitas diplomáticas que incluem a presença de altas individualidades francesas, financiamentos públicos, missões de negócios, activação dos serviços económicos da embaixada, entre outras coisas. A chegada da Total, em Setembro de 2019, para ocupar o lugar do principal operador do megaprojecto de LNG de Moçambique, veio acentuar e reforçar esses esforços diplomáticos que culminaram com uma maior presença francesa em Moçambique.

Semanas após a designação do grupo terrorista que actua em Moçambique, a Total, multinacional francesa, anunciou a retomada das obras no projecto de LNG, avaliadas em cerca de $20 bilhões de dólares, depois de o Governo moçambicano ter iniciado com a implementação dos termos de um acordo cujo objectivo era criar uma zona de segurança de cerca de 25 quilómetros (mais de 15 milhas) ao redor do projecto de gás natural em Palma.

A 24 de Março de 2021, após a criação do Comando Especial de Afungi, justamente para defender os grandes empreendimentos económicos do sector do Gás, militantes do grupo terrorista atacaram o distrito de Palma, matando dezenas de pessoas e forçando mais de 8.000 outras a deixarem as suas casas, piorando a situação humanitária dos deslocados na província de Cabo Delgado, atraindo atenções a nível global.

O acordo para retomar as operações da Total em Palma foi alcançado pelas duas partes após a suspensão das obras no final de 2020, por questões de segurança, em decorrência da intensificação dos confrontos em Cabo Delgado, que estavam militarmente controlados até ao recente ataque a Palma, que significou que o Governo de Moçambique falhou no seu compromisso de proteger a área mínima de 25 quilómetros ao redor dos investimentos e teve como consequência o recuo da Total no início de investimentos.

O anúncio da retirada da gigante francesa de energia Total do projecto de Gás Natural Liquefeito de Afungi (GNL), no Norte de Moçambique, é entendido, por um lado, em vários círculos de analistas moçambicanos e internacionais como uma medida temporária destinada a pressionar as autoridades do país a protegerem especificamente a região de Palma em Cabo Delgado dos militantes terroristas ou forçar a protecção da área por empresas privadas com ligações, mas, por outro, é entendido como uma oportunidade para Moçambique se concentrar na melhoria das condições de segurança e na protecção e assistência aos milhares deslocados internos que podem, a curto-médio ou longo prazo, representar um importante foco de radicalização para o país.

O Presidente da República de Moçambique pronunciou-se no dia 07 de Abril de 2021 sobre os ataques e, pela primeira vez, reconheceu que o país estava em guerra, caracterizada por uma agressão externa terrorista e paralelamente a Cimeira da Troika em Moçambique que, se realizada com carácter urgente, o Presidente reuniu o Conselho Nacional de Defesa de Segurança cujas decisões traremos na próxima edição do Mahungu.

*É moçambicana formada em Relações Internacionais e Diplomacia (ISRI-Moçambique), Mestre em Estudos Sociais e Políticos da América Latina (Universidade Alberto Hurtado-Chile), com Pós-graduação em Estudos Diplomáticos (Academia Diplomática Andrés Bello-Chile). É desde 2014, Pesquisadora no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, a Divisão de Pesquisa da Universidade Joaquim Chisssano (ex. ISRI). É, também, Docente das Cadeiras de Carreira Diplomática e Sistemas Políticos Comparados, na Universidade São Tomás de Moçambique, e Estudos da SADC na Universidade Joaquim Chissano. Suas áreas de estudo e interesse incluem Política Externa, Movimentos Sociais, Estudos do Género (Conflitos e Segurança na Perspectiva de Género).