Como juízes desta contenda eleitoral, só esperamos que não a transformem numa reedição reciclada das nossas comédias políticas do século passado.

Com o início, em Agosto, de um novo ciclo político em Angola, do MPLA e da UNITA espera-se que, sem dramas, assumam que, em democracia, desde que respeitando a lei e devidamente caucionados pelo voto popular, aos partidos de poder não se impõem limites ao exercício de múltiplos mandatos.

Espera-se que, em contrapartida, nos mesmos termos, um e outro, saibam interiorizar que, em democracia, aos partidos da oposição não se impõem também limites ao direito de lutarem pelo desalojamento de quem está no poder.

De ambos se espera que não confundam a coreografia com a realidade. De ambos se espera que saibam que vão enfrentar um novo tipo de eleitorado que recusa ser prisioneiro dos fantasmas políticos dos seus antepassados.

De ambos se espera que, sem cair no lodaçal das mentiras, não tenham vergonha de assumir de onde vieram, o que são, o que pretendem e para onde vão.

De ambos se espera que tenham a noção de que os cidadãos não estão dispostos a voltar a ser utilizados como agentes ao serviço da imbecilidade nacional.

De ambos se espera que, durante a campanha eleitoral, saibam insuflar nas suas claques eleitorais a cultura da tolerância, promover o espírito de civismo e exaltar a aceitação do Outro.

De ambos se espera que, no confronto de ideias, saibam esgrimir os seus argumentos com agressividade, sem que esta se confunda com agressão verbal ou degenere numa batalha campal.

De ambos se espera que saibam expor as suas críticas sem que estas resvalem para o insulto ou para a ofensa. De ambos se espera que saibam recusar a violência e que tenham capacidade para apresentar aos cidadãos mensagens inovadoras que sejam capazes de penetrar na sua alma.

De ambos se espera que não convertam a campanha eleitoral numa maratona de "comícios e bebícios", promotora de uma verdadeira feira da desordem e do despudor.

De ambos se espera que percebam que mais do que se digladiarem entre si, precisam de saber carregar as baterias para encarar não um proletariado que há muito deixou de existir entre nós, mas um precariado que, embora fragilizado do ponto de vista social, já aprendeu a pensar e a agir pela própria cabeça.

De ambos se espera que percebam que a velocidade com que se processa a mutação sociológica em Angola, os obrigará a estarem preparados para enfrentarem um eleitorado comprometido em colocar em cima da mesa cada vez mais exigências sociais e em engolir cada vez menos promessas partidárias.

De ambos se espera que entendam que o novo eleitorado, ao encarnar preocupações de um tempo novo, até os pode ouvir, mas já não tem paciência para aturar a farsa montada pelo ilusionismo de alguns dos nossos políticos.

De ambos se espera que entendam que a forma como lidarem com esse eleitorado, com larga e desesperada representatividade juvenil, fará a diferença e será determinante para o desfecho da contenta eleitoral.

De ambos se espera, por isso, que não esgrimam o populismo e a demagogia como as armas de eleição para tentarem convencer um eleitorado que cada vez mais se recusa a ser coisificado como bola de pingue-pongue dos "dribles e das chulipas" dos nossos políticos.

De ambos se espera que, comandados por líderes de uma nova geração, jamais voltem a embalar os seus fiéis num banho de idolatração política só cabe na cabeça de criaturas invertebradas

De ambos se espera que, a exemplo do que acontecia no passado com a chegada do mês de Agosto, os seus fiéis não voltem a chegar ao cúmulo de reduzir a sua identidade familiar, inteligência e rebeldia intelectual ao seguidismo cego e irracional de dois homens.

De ambos se espera que, dominados por estranha overdose partidária, não se esqueçam que, por causa dessa imbecilização, os angolanos chegaram a ser conhecidos no passado como os norte-coreanos de África...

Esse tempo foi formalmente declarado extinto, mas, na prática, continua a marinar e a fazer estragos à tentativa de instauração de uma nova ordem política, económica e social em Angola.

De ambos se espera, por isso, que consigam fazer prevalecer o espírito de diálogo, a moderação e o bom senso, que, ao longo da nossa existência, estiveram quase sempre ausentes da gestão da nossa vida pública.

Do futuro partido da governação a sair das eleições de Agosto espera-se que, ao tentar trilhar o caminho da construção da democracia, não volte a apostar numa democracia sem democratas.

Espera-se que ao delinear políticas públicas, na sua relação com os cidadãos, não volte a hastear a bandeira do unanimismo, nem crie (falsas) expectativas em torno de governados que, ao terem assumido a maioridade política, não estão dispostos a continuar a arrear as calças para aplaudir a entronização da incompetência.

Espera-se que aposte no exercício do poder com freios e contra freios e que tome como normal em democracia o livre exercício do voto secreto.

Espera-se que ponha termo às eleições à albanesa, ao escrutínio à chinesa ou à cubanização do sufrágio, e que deixe de promover a organização de areópagos maquilhados à decrépita imagem dos congressos dos antigos partidos comunistas do leste europeu.

Espera-se que imprima maior músculo, visibilidade e imparcialidade à presença da pluralidade de opinião e de informação na comunicação social. Espera-se que enterre o espírito de clã de punhos bem cerrados, a cultura da arrogância e o desprezo pelo lado republicano e ético da política.

Espera-se que, depois da glorificação da corrupção e da exaltação da impunidade, o combate a estes dois flagelos não venha no futuro a redundar na politização da justiça ou na judicialização da política.

Espera-se que esse combate não dê lugar à perseguição dos ricos e que ninguém caia na deriva populista de querer reduzir a pobreza a uma suicidária liquidação da riqueza.

Espera-se que não tenha medo de incentivar a criação de uma classe média robusta e interventiva e, sem preconceito, de fomentar o nascimento e crescimento de uma burguesia nacional forte, rica e independente do poder político.

Chegar até aqui será certamente o desejo da maioria dos angolanos. Mas, para além da propaganda tóxica que os partidos destilam para o ar como a carga a granel que é extraída dos portos, os cidadãos pouco sabem sobre o que, em profundidade, os líderes partidários que concorrem às eleições pensam relativamente ao futuro do nosso país.

Enterrado o passado, precisamos de os ouvir, confrontando-os com gente portadora de outras ideias. Precisamos de os ouvir ouvi, confrontando-os com outras ideias para que, em Agosto, possamos fazer a melhor escolha.

Para que percebamos se, num extremo, já compreenderam que, como sinalizei aqui a tempos, "não existindo a oposição para levar o governo ao colo,8 SER"Q SEMRE será sempre ingénuo pensar que ela alinhará no mesmo coro que o regime".

Para que percebamos se já compreenderam que "a oposição existe para pressionar o governo e tirar partido dos erros da governação. A oposição existe para esgrimir argumentos que a permitam amanhã ser poder. É assim em todo o mundo e Angola não pode ser uma excepção".

E, se, no outro extremo, já compreenderam que, "se a oposição - fazendo a oposição pela oposição - não revela agilidade política para apresentar os deveres de casa de modo convincente, a culpa do insucesso dos seus líderes e das suas frustrações não é do regime".

Ou ainda se, já concluíram que "ao fazer oposição como uma moda, não se pode aplaudir uma oposição que não seja capaz de estar de acordo com as políticas correctas de quem é governo, só por ser governo".

No futuro não se sabe como será. Sabe-se que o MPLA e a oposição, liderada UNITA, partem para a maratona eleitoral com posições antagónicas na generalidade dos temas fulcrais da nossa vida pública.

Ora, como já tive oportunidade de sublinhar aqui, é com a exposição "do produto dessas contradições que a opinião pública" passa a dispor "de uma oportunidade singular para escalpelizar em directo"o nível de alguns dos nossos principais políticos, que, temendo sujeitar-se ao escrutínio público, recusam sair do armário.

E acrescentava que "se os debates políticos são um alimento de alma, a televisão mais do que qualquer outro órgão de comunicação social, ajuda-nos a conhecer a capacidade de oratória, as habilidades políticas, a estatura intelectual e a solidez de argumentos dos mais relevantes actores políticos".

Queremos, por isso, debates porque não queremos continuar a ver os políticos a falar sozinhos. Queremos debates porque não queremos continuar a vê-los a pregar no deserto das suas ideias. Queremos debates porque não queremos ainda continuar a suportar gente de pavio curto.

Queremos debates porque não queremos voltar a ser vítimas dos "dribles e das chulipas" de políticos que, sem agenda governativa, nada mais fazem do que integrar e engalanar a galeria dos medíocres.

Queremos debates porque queremos conhecer a qualidade de certos políticos que, "encadernados à Louis Vuitton", como dizia o meu amigo José Luís Cohen, não cabem sequer numa nota de rodapé.

Queremos debates porque os debates ajudam a ajuizar melhor os políticos que verdadeiramente nos podem governar nos próximos quatro anos. Antes que seja tarde e para que não comamos gato por lebre, vamos ouvi-los e, sobretudo vamos lá vê-los a debater o futuro de Angola. Não podemos?

N.A - A publicação da Palavra de Honra é suspensa por motivos de férias.