A confiança, "sob o olhar silencioso de Neto," era a palavra-chave. Sagrada e intransaccionável. Com a violação dos códigos de conduta interna, veio-se a saber que, afinal, os portadores da apólice de seguro dos petróleos sempre foram convidados de honra de pantagruélico jantar.

Accionistas clandestinos, que outrora se erguiam como implacáveis críticos de benesses, ocupavam há muito o seu lugar na mesa dos comensais.

Sem o declararem, beneficiavam da generosidade de quem, detendo os códigos do cofre, através da institucionalização de uma sociedade anónima, distribuía dividendos sem passar pela Assembleia-Geral ou pelo crivo do Conselho Fiscal.

Foram 15 anos de longo e cínico silêncio e de muita cumplicidade. O abalo sísmico que, neste tempo de pandemia, atingiu a Caixa de Pandora da Corrupção, ao provocar por aqui um terramoto de 9 graus na escala de Richter, só veio confirmar agora a transformação deste País num dos maiores prostíbulos financeiros do mundo. Que País, afinal, é este?

Uma feitoria familiar dirigida por uma esquizofrénica tribo que, depois de ter reduzido Mobutu à insignificância de um aprendiz de fabricante de ordens de saque de segunda classe, se afogou num barco de ratazanas que, não resistindo à bebedeira petrolífera, acabou por se emporcalhar nas profundezas do lodo diamantífero.

Essa tribo, irradiando por todos os poros divinas promessas, tinha um sonho: conduzir Angola para a demência. Com esse sonho, besuntados de dinheiro até ao pescoço, os vários santos da fauna trataram de sonambulizar a criadagem e de conspurcar a regedoria.

Insaciáveis, foram mais longe e quiseram espalhar o pesadelo por outras paragens. Um por um, todos eles foram apanhados. Homens e mulheres. Casados e solteiros. Primos, cunhados, irmãos, enteados, sogras e amantes. O último corsário da corte, apanhado à mão esta semana, esquecera-se da pontualidade suíça.

Na imensidão dos labirintos dos vários poderes do Palácio, ecoa agora, amargurada, uma voz: "só me faltava isto"...

Outros mais foram apanhados também com a boca na botija. Um a um, tiraram a senha e colocaram a pedra na longa fila dos comensais...

A embriaguez mal curada fê-los esquecer um passado embalado numa "Carta do Contratado" bordejada pela repulsa poética de um dos três grandes mosqueteiros da literatura angolana - António Jacinto.

Essa carta, transportada de "castigo pro Comboio Malandro", fora empunhada como sinal de revolta para enfrentar um "Grande Desafio", cuja bobine nunca conheceu, porém, o alvará que daria lugar ao fabrico de uma quadrilha que instituiria por aqui uma tão sofisticada quanto bárbara República do crime ...

Brotando angolanidade por todos os poros, o eco dos "Monamgambas", repousando numa falsa ingenuidade, encarnava a poesia de protesto dos homens que, "unidos na ânsia, nas aventuras e na esperança", ao fim de 90 minutos da "longa noite colonial", haveriam de vencer o "Grande Desafio".

E quarenta e cinco anos depois, mergulhados num clima de angústias e de incerteza política, vivemos agora num país cuja história regista um primeiro Presidente - Agostinho Neto - que entrou para a sua galeria como o "Pai" da Independência.

O primeiro embate terminara em 1974. Seguiu-se, um ano depois, em condições verdadeiramente dramáticas, o corte da fita. Os "adidos" iniciavam a formação de uma nova coreografia política em torno das bichas. Um longo formigueiro de retornados, de regresso a Portugal, ganhava corpo em Angola.

Do outro lado da barricada, o voluntariado e a partilha do bem comum em defesa da pátria nascente comandavam a vida. Com o território acossado a Norte e a Sul, era tudo para a salvação de num novo amanhã e nada para bolsos que se apresentavam, afinal, apenas temporariamente adormecidos.

Os alicerces de um novo advir patriótico eram, no entanto, sustentados por uma geração tão profundamente comprometida com a seriedade, que o dinheiro não só não foi capaz de lhe fazer a cabeça, como recusou trocar princípios por interesses escusos, mesmo depois de ter experimentado múltiplas privações nos melhores momentos da sua vida...

Lembro-me, porém, que os herdeiros desse legado de princípios, à medida que iam provando as delícias do pote, deixaram rapidamente de acreditar neles.

Algumas das lições dessa época podem ser retiradas de um episódio ocorrido em vésperas da Independência num momento em que o MPLA, sem acesso ainda a recursos públicos, passava por maus bocados.

Agostinho Neto não sabia a quem bater à porta quando, desesperado, se lembrou dos amigos da Nigéria. Por lá já jorrava dinheiro a rodos pelas torneiras do petróleo.

Por lá, já havia muita gente milionária, mas, em matéria de solidariedade africana, havia também muita gente séria. Gente que assumia como sua a causa angolana.

E sabendo quem, naquele momento agonizante, mais precisava dessa solidariedade era Agostinho Neto, Murtala Mohammed, o Presidente nigeriano, não hesitou em estender-lhe a mão com armas e apoio financeiro.

Com o sinal de «luz verde» chegado de Lagos, Neto enviou àquele país Lopo do Nascimento e Carlos Rocha "Dillolwa", ambos então membros do Bureau Político do MPLA.

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