Volvidas quase três décadas, a "mudança" por que tanto ansiávamos e que tanto povoava de utopia os sonhos daquele nacionalista, vêm-se esfumando nas brumas do tempo, mantendo o País refém das águas paradas da roda da história.

Hoje, vivemos um tempo em que se rasgam no horizonte novos desafios que não permitem guinadas para a esquerda ou para a direita. Vivemos um tempo que proíbe também tanto manobras de entretinimento político como impulsos mal calculados.

Os tempos são outros. Logo, é natural, como assinala o activista social Walter Ferreira, que nestes tempos conturbados, surjam grupos de pressão com agendas destinadas a promover a alternância e a subsidiar novas dinâmicas de oposição ao regime.

Mas, não deixa de ser também natural que, do lado oposto, assistamos ao desembainhar de armas e ao afiar de facas por parte de quem, legitimamente, aspira, mais uma vez, a revalidar o título, protegendo e reforçando a sua representatividade para poder continuar a conduzir os destinos do País.

Resta saber como uns e outros enfrentarão as águas revoltas do rio num momento em que "por mais que a abelha explique à mosca que a flor do jardim é melhor que o lixo para ela pousar", a natureza da mosca, "levá-la-á sempre para o esterco, que é onde a mosca reconhece os procedimentos e se sente protegida para conservar o poder".

Havendo a tendência para suceder o mesmo por aqui com muitos dos nossos políticos e governantes, não admira, por isso, que sendo o roubo a "base" da nossa indústria, a incompetência "o factor decisivo" da governação e "a falta de evidências científicas" o "caviar" de muitos dos nossos pseudo-intelectuais, o professor Carlos Feijó tenha concluído que "a única coisa que evoluiu em África, incluindo em Angola, foi o atraso"!

O esterco tem, pois, que ser banido do nosso ambiente político. Fazê-lo pressupõe, desde logo, reconhecer que algo vai (muito) mal no (nosso) reino da Dinamarca.

Fazê-lo pressupõe avaliar os danos que "o roubo e a incompetência" têm gerado. Fazê-lo pressupõe ter as nossas elites despidas de arrogância, libertas de vaidade e vestidas de humildade suficiente para reconhecer as suas inúmeras insuficiências.

Fazê-lo implica ter elites que, libertas da sua natureza gastrocéfala, como costumava dizer o falecido Manolo Simeão, do PLD, sejam capazes de deixar de pensar com o estômago.

Aqui chegados, ninguém tem dúvida de que, quando abandonar o poder, a preocupação maior do Presidente, através das "mudanças" prometidas, será deixar um País melhor do que aquele que herdou em 2017.

Com mais dúvidas do que as certezas que a animavam no início da nova era governativa, a população aposta também em "mudanças", mas, ao confrontar-se com uma paisagem económica e social tão decrépita, aos poucos começa a franzir o sobrolho e a torcer o nariz.

Resignados perante a manifesta falta de vontade política de muitos dos nossos poderes mandantes, vários segmentos da classe média, tendem agora a meter a viola no saco.

Enraizada a ideia de que só se pode apoiar quem quer ser apoiado, "para chegarmos lá", precisamos de "Mudar" em toda a linha. Disposto a fazer melhor do que o seu antecessor, ao Presidente não basta, porém, transformar a "mudança" num mero slogan político.

"Mudar" é a exigência número um imposta nos dias de hoje por uma população que, cansada da "partidite", como Joaquim Pinto de Andrade chamava à doença infantil da nossa democracia, só pensa agora na conquista de um mínimo de bem estar social.

Para alcançar essa meta, "mudar" pressupõe ter uma governação ancorada na eficácia, na transparência, na competência e na decência. Desprovidos, porém, de modéstia, em matéria de recursos humanos qualificados e visionários, não gostamos de reconhecer as nossas limitações - que não são poucas.

Dir-se-á que o Presidente está rodeado de grandes estrategas e de teóricos, que até conseguiram afastar do nosso horizonte a sombra da recessão, mas a verdade é que na tentativa de potenciarem a economia, em termos práticos, a acção governativa desses estrategas e teóricos não tem gerado o emprego prometido nem produzido a riqueza esperada.

E, em sentido oposto, ao não chegar nada à barriga dos cidadãos, sem uma urgente inversão dos ponteiros do relógio, "a mudança" não passará de conversa fiada!

"Mudar" implica, por isso, colocar muitas vezes os políticos e os teóricos no plano secundário. "Mudar" implica passar a dar ouvidos a outras vozes mais pragmáticas que sejam capazes de ajudar a encontrar soluções criativas e a mudar o curso da roda.

"Mudar" implica também interiorizar o pensamento de Hoemin Sumin, influente escritor sul-coreano, para que os nossos líderes "não formem equipas com os que concordam com eles", mas que, pelo contrário, se apoiem em "quem discorde deles para poderem enxergar os seus próprios pontos cegos".

"Mudar" implica deixarmos de cultivar o desprezo pela visão técnica e pelo conhecimento científico de economistas, engenheiros, geógrafos ou epidemiologistas quando nos confrontamos com problemas cuja resolução não encontra audiência no espaço da propaganda política.

"Mudar" pressupõe reconhecer o carácter perverso desta praga que é a sobranceria política na economia, no ensino, na justiça, na saúde e noutros sectores que, ao longo dos tempos, se vem impondo pela via do autoritarismo, da ignorância e da cegueira partidária.

"Mudar" pressupõe afastar soluções recauchutadas e montar uma máquina devidamente oleada e afinada por "operários visionários", que sejam capazes de reabrir as persianas da liberdade e de reestabelecer no espaço público o arejamento político, que caracterizou os primeiros tempos da governação de João Lourenço.

Os tempos que correm exigem o surgimento de escultores políticos que sejam capazes de afastar o pânico sempre que uma das partes hasteia a bandeira da alternância, mesmo que os amantes da alternância andem a tatear e a balbuciar sem saberem dizer exactamente ao que vêm.

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