O drama da mortalidade de crianças com menos de 5 anos, que nos tem colocado nos primeiros lugares a nível mundial pela negativa há vários anos, não permite que se possa entender a irresponsabilidade da tomada desta decisão. Os números públicos são demasiado dolorosos e não deixam dúvidas quando lemos que, no primeiro trimestre de 2020, morreram 2.548 pessoas notificadas em unidade hospitalar, de um universo de mais de dois milhões de casos confirmados. Foram 849 pessoas por mês, o que nos coloca perante a possibilidade de serem 10.192 mortes até ao final deste ano. Nos anos anteriores, de acordo com o mesmo semanário, o quadro não foi melhor. "De 2017 a Setembro de 2019, a malária matou 31 mil pessoas em mais de 15 milhões de casos". Isto leva-nos a perceber que, por ano, morrem pelo menos 10 mil pessoas.

Não pretendendo chover no molhado, todos sabemos que a malária é prevenível e tratável, sendo, por isso, inaceitável que seja o nosso principal calvário, afectando, sobretudo, os mais pobres, os menos protegidos constitucionalmente e aqueles a quem apenas resta uma oração para pedir a Deus que vele por si e pela sua anémica família. Vozes levantar-se-ão a dizer que a malária existe em 100 países. Pois, mas, se calhar, não nos vão dizer, porque é uma vergonha assumir que 80 a 90% das mortes acontecem na África Subsariana, de acordo com a OMS. O preço da prevenção (nomeadamente os repelentes) não é acessível à maioria do povo em Angola. Como disseram os guardas da minha rua: "Tia, com esse dinheiro garantimos uma semana de pão e, por isso, temos que escolher matar a fome da família ou matar o mosquito".

São muitos os constrangimentos associados à malária. Importa destacar o maior constrangimento, causador do fenómeno e promessa irrealizável por aqui: o saneamento básico (esgotos e água canalizada). Angola é confrontada, no auge da sua banga, como um país que, apesar de vender petróleo e diamantes, ter conseguido a proeza de ter tido um crescimento económico a roçar os 13% nos anos dourados da primitiva acumulação da riqueza e continuar a gastar milhões de dólares em questões que não são prioridade, ainda não conseguiu garantir esgotos e água canalizada para todos, não obstante a enormidade de dinheiro gasto neste sentido ao longo dos anos, mas que não construiu nenhuma solução definitiva. Se tivéssemos esgotos nacionais e água canalizada em todas as casas, da mais humilde ao palácio, mataríamos vários coelhos com uma cajadada: Zika, Febre-Amarela, Dengue, Chicungunha, Doenças Diarreicas Agudas, Hepatite A, Febre Tifóide, Malária, entre outras. Enquanto não existir saneamento em todas as casas, toda a água usada onde não há esgotos irá para a rua e, por isso, mesmo em época seca, os charcos serão uma realidade nas ruas de todos os bairros não urbanizados do País.

Alguns dos restantes constrangimentos podem ser encontrados pela falta de técnicos de laboratório de análises clínicas, que em muitos hospitais municipais e provinciais apenas existe um técnico que fica de dia e outro que fica de noite, causando um extremo cansaço e provando a incapacidade de garantir qualidade e celeridade dos resultados dos testes que muitas vezes levam mais de 10 horas para serem entregues. De igual forma, é confrangedora a incapacidade de muitas pessoas perceberem, de forma eficaz e com segurança, como tomar Coartem. A existência de uma parte considerável da população, que infelizmente não foi incluída e por isso é pouco escolarizada ou analfabeta, impede que o medicamento seja tomado devidamente, contribuindo, assim, para o agravamento da doença. E, por último, quero salientar a ineficaz ou ausente informação, educação e comunicação públicas sobre a prevenção da malária e o seu tratamento, feitas de forma sistemática e didáctica para serem susceptíveis de ser compreendidas por todos os cidadãos.

A malária é um grande problema. As suas complicações são sempre graves e podem não ser sempre mortais, mas podem incapacitar qualquer um que não tenha um diagnóstico e um tratamento atempado. Um país que não assuma a responsabilidade de um combate consciente e eficaz dum problema com esta dimensão estará apenas a desperdiçar os recursos que não temos, fingindo que existe uma luta que na verdade sairá sempre derrotada. A malária tem de ser uma prioridade, uma emergência e tem de garantir que os recursos alocados não tenham o efeito curita, mas que resolvam as causas e não a consequência. A maioria dos custos de tratamento da malária é suportada pelas famílias e isto é uma negação ao Direito à Saúde a uma parte significativa da população que não tem sequer dinheiro para fazer uma refeição decente por dia.

No final do dia, a pergunta que se faz é: mas se tudo o que aqui foi dito é do conhecimento das autoridades deste país, por que razão não vemos caminhos serem traçados no sentido de se resolverem os constrangimentos e continuamos a ver o poder político a acusar o povo de ser desleixado e não andar de manhã à noite enrolado numa rede mosquiteira para evitar a malária? Por que razão nos dizem para limpar os quintais e continuamos a ver a construção de gigantescas fossas e valas a céu aberto, construídas por governos locais, que se tornam em verdadeiros viveiros de tudo quanto nos impede de sermos saudáveis? Temos tantos peritos nesta matéria que têm dito, o que humildemente aqui estou a dizer, por não ser especialista, mas não entendemos a razão da indiferença institucional que insiste na mesmice de um procedimento que não trouxe, até agora, nenhum benefício.

A luta contra a malária não pode ser apenas da responsabilidade de um programa que nem sequer tem suficiência financeira, pois, para funcionar minimamente, precisa de ajuda externa, a exemplo do Fundo Global das Nações Unidas e que não tem poder para implementar todas as soluções, não obstante a boa vontade ou perícia dos seus integrantes. O que temos que ser capazes de fazer é gerir este assunto com eficácia, sabedoria e bondade. A luta contra a malária precisa de ser uma prioridade e não um item de propaganda eleitoral, porque são os eleitores que estão a morrer, e isto tem um elevado preço a curto-prazo, porque a paciência de um povo pode ser elástica, mas nunca é eterna.