Vontade de punir a diáspora pelas denúncias que faz sobre a preocupante situação do País? Incapacidade de controlar o voto diaspórico? Medo de perder na diáspora? Ou, simplesmente, porque tem de estar sempre contra a oposição?

Ao excluir a criação do círculo do exterior, propondo a integração dos eleitores da diáspora no Círculo Nacional, eliminando, desta forma, a especificidade do eleitorado diaspórico e sua agenda, o Presidente e o seu partido facilitam o caciquismo.

Esta questão fracturante coloca, de um lado, o MPLA com maioria qualificada no Parlamento e, de outro, os partidos na oposição e deputados independentes, apologistas da criação de um Círculo Eleitoral da Diáspora, tal como existia na lei de 1992, fundadora da democracia pluripartidária.

Enquanto os opositores, indo ao encontro da vontade da diáspora, propõem a eleição de cinco deputados no exterior: dois por África, dois pela Europa e um pelo Resto do mundo, o MPLA prefere deixar a eleição de deputados diaspóricos, sujeita a eventuais chantagens por parte das lideranças políticas.

A proposta atropela a vontade soberana dos eleitores diaspóricos, faz desaparecer o estatuto de deputado pela diáspora, representante dos anseios das comunidades no estrangeiro, tal como acontece em países como Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Portugal.

A proposta nem sequer dá garantias de eleição de representantes da diáspora, concretização que fica dependente da vontade de líderes partidários em colocar ou não candidatos diaspóricos em lugares elegíveis, potenciando, com isso, a chantagem, a bajulação e a corrupção política.

Avesso a negociações e procura de consensos, o MPLA, convicto de que atingiu a impunidade de grupo, prepara-se, deste modo, para, isoladamente, decidir pela não-criação do Círculo Eleitoral da Diáspora angolana, em claro confronto com oposicionistas, activistas e sociedade civil, inclusive, da diáspora.

Habituado a decidir sozinho os destinos dos angolanos, incluindo em questões estruturantes da sociedade, com esta atitude, o partido do poder, apesar da maioria qualificada que ainda possui no Parlamento, demonstra medo, visão curta e retrógrada.

No Parlamento, o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil, Adão de Almeida, em nome do Presidente Lourenço, quando recusa a proposta da oposição, refugia-se no argumento de que o poder "já fez um avanço inegável em voltar a considerar universal o exercício do direito de voto para todos os angolanos, quer residam no País, quer na diáspora".

Para que serve um "avanço inegável" se é insuficiente, ultrapassado e fica muito aquém dos primeiros passos dados por Angola no início da caminhada democrática, bem como de exemplos de progresso civilizacional no continente e no mundo?

Quando a União Africana procura formas de "tirar proveito do activo (diáspora) em benefício do desenvolvimento e integração de África", o Presidente angolano escuda-se em "avultados gastos financeiros" para inviabilizar a criação do Círculo Eleitoral da Diáspora.

E, com isso, ignora que, hoje, com a constante mundialização, as migrações tomaram o primeiro plano e aparecem como um dos traços determinantes da vida económica, social e política de um mundo de distâncias cada vez mais curtas.

Graças às novas tecnologias, ao moderno sistema de informação e progresso nos transportes, os migrantes mantêm laços cada vez mais estreitos entre os países de acolhimento e os de origem, tornando-se actores do desenvolvimento económico, político e social dos dois lados.

Só quem ignora o papel da diáspora como primeiro embaixador do País e principal promotor dos saberes, sabores e sentires angolanos além-fronteiras, faz contas de merceeiro para travar uma iniciativa que vai no sentido da plena democratização e desenvolvimento integrado do Estado.

Só quem tem medo da democracia, da pluralidade política, da mais-valia que, certamente, a diáspora angolana empresta ao debate político pode agir como se o direito de voto aos cidadãos angolanos no estrangeiro fosse uma esmola do poder.

Com diferente entendimento, o irmão do MPLA no Índico, a FRELIMO, no poder em Moçambique desde 1975, deve-se rir ao ouvir os argumentos do seu kota, que gasta milhões em futilidades e extravagâncias, como o aluguer de "mansão-voadora" e compra de Lexus que de tão luxuosos não conseguem entrar nos musseques, como lembra, nas redes sociais, um internauta.

Os moçambicanos, liderados pela FRELIMO, criaram, no início do século XXI, ainda no consulado de Joaquim Chissano, dois círculos eleitorais na diáspora (África e Europa e resto do mundo), elegendo dois deputados, um por círculo.

Para tal, e, definido o objectivo de consolidar e expandir a democracia a todos os moçambicanos, foi necessário vontade política e ousadia e o recurso a instituições internacionais financiadoras e apoiantes de açcões que visam o reforço e a consolidação da democracia no mundo.

Enquanto a UA reconhece a especificidade da diáspora africana, elegendo-a como Sexta Região do continente, o MPLA considera que "os 130 deputados eleitos pelo círculo nacional" representarão os angolanos na diáspora.

Quando a UA convida e encoraja a diáspora a participar directamente na construção da União, "como parte importante do continente", o poder em Angola só encontra razões para tentar fazer da diáspora a sua marioneta.

Com estas propostas, o MPLA demonstra medo do voto livre e informado da diáspora, habituada a ter como modelo de comparação as sociedades democráticas e, por isso, pouco disponível para entupimentos de propaganda e falácias de formações políticas obsoletas.

No discurso da sua investidura, João Lourenço sublinhava que a diáspora angolana, "cuja importância para o desenvolvimento do nosso País tem de ser levada em consideração", merecia "uma atenção maior".

Será "atenção maior" não ouvir a opinião dos diaspóricos sobre os seus anseios, numa matéria em que são interessados directos e constitui um passo indispensável para o processo democrático do País?

Será reconhecer a importância da diáspora para o desenvolvimento do País, usar a questão financeira como pretexto para impedir a criação do Círculo Diaspórico, quando se esbanjam recursos do Estado em vaidades privadas e gastos supérfluos sem critério, nem transparência?

Com a proposta do poder, Angola, que ambiciona ser potência africana, ficará muito aquém de Cabo Verde, onde seis (8,3%) dos seus 72 deputados são eleitos pela diáspora.

Os cabo-verdianos, com uma democracia exemplar em África, têm um círculo eleitoral da diáspora com três subcírculos, nomeadamente: África, América e Europa e resto do mundo, que elegem dois deputados cada.

Já em 2012, o chefe dos observadores da União Africana às eleições gerais em Angola, Pedro Pires, ex-Presidente de Cabo Verde, eleito pelo PAICV, outro partido irmão do MPLA, numa declaração em conferência de imprensa, criticava a "ausência da diáspora" angolana na votação.

Quase 10 anos depois, o MPLA continua a fazer "ouvidos de mercador" às recomendações da UA, transmitidas pelo comandante Pedro Pires, entre as quais a relação "tensa" entre a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e os partidos, marcada pela "ausência de diálogo construtivo" e as "disparidades na utilização dos espaços públicos".

Dados da UA realçam que pelo menos 36 Estados-Membros criaram estruturas destinadas à diáspora dentro dos governos nacionais, com o objectivo de engajar e mobilizar as suas comunidades no estrangeiro, em apoio ao desenvolvimento nacional.

E o que pretende fazer o poder em Angola? Ao invés de priorizar a construção da democracia, infantiliza, trata a sua diáspora como angolanos de menoridade.

Com todas as condições para ser o maestro da orquestra da democracia, pondo a sociedade a escutar e a dançar música democrática, o MPLA opta pela pequenez, preferindo um efémero lucro político e, com isso, arrisca-se a ficar na História da Democracia como uma irrelevante nota musical.