Como reagiu ao anúncio da iniciativa do Presidente João Lourenço de propor a revisão da Constituição, tocando em muitos pontos que têm sido alvos de críticas por parte da oposição, como é a fiscalização dos deputados ao Executivo ou a questão do gradualismo nas autarquias?

Considero que, infelizmente, a partir de 2017, o novo regime angolano procurou transmitir uma mensagem de reformismo, que o Estado se forma por reformas, com vontade e com agenda de fazer reformas. Infelizmente, essa revisão pontual, que nos é agora proposta, não é mais nada do que um exercício de cosmética e polimento, e eu vou explicar o porquê. Porque o que estão a fazer é apenas a confirmação das normas que já existem ou reposição das normas que existiam e que tinham sido tiradas. Vou apresentar um quadro claro: o Presidente sugeriu que deveria ser suprimida da Lei Constitucional a menção ao gradualismo, é muito correcto. No entanto, isso só foi problema por causa da interpretação errada que o MPLA fazia a respeito do conceito de gradualismo e que criou uma dicotomia na sociedade. O MPLA acreditava no gradualismo territorial, e toda a sociedade considerava o gradualismo funcional de transferência de competências. Portanto, não havia problema, foi [questão de] interpretação. Mas é bom que tirem [o gradualismo da CRA]. O problema da reposição do poder de fiscalização do Parlamento já estava na Constituição, sempre esteve. Aliás, é um factor clássico e natural das prerrogativas de todos os parlamentos do mundo. Nós tivemos é uma medida anacrónica. O nosso Tribunal Constitucional em acórdão, na verdade, inviabilizou esse exercício de fiscalização. Tudo quanto estão a fazer é repor, não é novo. Em relação ao voto no exterior, sempre esteve na Constituição. Sempre foi o Governo que não quis...

De forma clara na Constituição?

De forma clara. Numa primeira fase, até se estabeleciam círculos eleitorais, seriam eleitos três deputados no exterior, de forma clara na Constituição de 1992. Na Constituição de 2010, tentaram reduzir o leque, violando a própria Constituição, porque ela determina que os angolanos são todos iguais em direitos e obrigações, o direito de eleger e de ser eleito. Essa Constituição violou esta norma, quando estabeleceu que determinados segmentos da sociedade, diplomatas, estudantes doentes e os cidadãos normais de saúde não podiam votar, seria terrível, logo isso também sempre existiu, não é novidade. A questão da data fixa [para as eleições] é útil, mas não altera fundamentalmente a natureza do próprio sistema político nacional. A gestão corrente do fim do mandato também é útil, porque tivemos violações graves no fim do mandato do Presidente José Eduardo, que exarou diplomas inconstitucionais. A própria hierarquização dos órgãos judiciais, nós já tivemos fases em que o Tribunal Supremo era o órgão superior do sistema judicial. Em 2010, alterou-se. Neste momento, está-se a alterar... portanto, só estamos a fazer reposição do que já era, e não há novidade, absolutamente nenhuma. O BNA ser um órgão independente... em todos os países, os bancos centrais são independentes na gestão, são do Estado, mas são independentes nas suas medidas, as medidas de controlo financeiro, as medidas de câmbio...

As nossas leis salvaguardam esta liberdade do banco central?

As nossas leis, do ponto de vista teórico, salvaguardam, porque, mesmo neste momento, se vai meter na nossa Constituição a fraseologia à norma que determina que o BNA é um órgão independente, mas, na prática, isso não vai acontecer. Vão ser sempre chamados ao Palácio da Cidade Alta para receber orientações. Todos sabemos que é assim. O que eu estou a dizer é que esta revisão pontual da Constituição é útil, é positiva, mas é apenas um mero exercício de cosmética e de polimento, é confirmação ou reposição do que já era.

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