O julgamento de Carlos de São Vicente, em prisão preventiva desde Outubro de 2020, é um dos mais mediáticos a decorrer nos tribunais angolanos em muitos anos pelo envolvimento da Sonangol, onde, entre 2000 e 2016 desempenhou, em simultâneo, as funções de director de gestão de riscos e de presidente do conselho de administração da companhia AAA Seguros, que posteriormente viria a ser propriedade sua.

A decorrer no Tribunal de Luanda, na 3ª secção criminal, este caso, onde São Vicente, marido de Irene Neto, a filha mais velha do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, está acusado de vários crimes, entre os quais o fraude fiscal, peculato e branqueamento de capitais, tem ainda a dar-lhe relevo mediático o facto de o ex-Presidente da República e antigo PCA da Sonangol, Manuel Vicente, ter sido uma das pessoas ouvidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Depois de ter sido adiado, o julgamento que vai determinar a culpabilidade ou inocência do arguido no processo onde surge alegadamente por ter montado um esquema ilegal para extrair 900 milhões USD à petrolífera nacional através da "apropriação ilegal de participações sociais" da seguradora AAA e de "rendimento e lucros produzidos pelo sistema" de seguros e resseguros no sector petrolífero em Angola, graças ao monopólio da companhia, deveria ter encarrilado normalmente mas os jornalistas foram surpreendidos, na semana passada, com o impedimento de entrar na sala, alegadamente por decisão do juiz sob exigência da defesa.

Na sexta-feira, 11 de Fevereiro, os jornalistas que se deslocaram ao Tribunal Provincial para cobrir o julgamento do empresário Carlos São Vicente, defrontaram-se com uma folha papel A4 afixado na porta da secção na qual ia decorrer a audiência com teor de que só era permitido um jornalista de cada órgão de comunicação social, apenas para tirar notas.

Essa situação levou o Sindicato dos Jornalistas de Angola (SJA) a reunir com os profissionais e optar por propor um boicote às sessões de julgamento por constatar que estava ser posto em causa o direito à informação por parte do público em geral e o direito de informar constitucionalmente assegurado aos jornalistas.

Os jornalistas quiseram saber se podiam ao menos gravar a acusação do Ministério Público, acto processual que os habilitava a construir as respectivas peças jornalísticas, já que em princípio a audiência era pública, não porque o juiz quisesse, mas porque a Lei, o Código de Processo Penal, assim o determina nos termos do seu artigo 95º. (Princípio da Publicidade).

A disposição normativa que regula a publicidade dos julgamentos refere no seu nº2 que "a publicidade determina, em princípio, o direito de: a) assistência aos actos processuais realizados no processo; b) a divulgação dos actos processuais pelos meios de comunicação social; c) a publicidade não abrange os dados, peças e elementos relativos à reserva da vida privada que não constituírem meio de prova, cabendo ao juiz especificá-los por despacho e ordenar a sua destruição ou a respectiva entrega à pessoa a que disserem respeito (limite do exercício da liberdade de imprensa, sublinhado nosso).

Esta norma autoriza(va) os jornalistas a gravarem ao menos a acusação do Ministério Público, salvo se o procurador promotor da acusação se opusesse a tal iniciativa da comunicação social, situação que não chegou a ser inquerida pelos jornalistas dado que não tiveram sequer acesso à sala.

No entanto, agora, já depois de estar a decorrer a 3ª sessão do julgamento, na quarta-feira, os advogados do empresário Carlos São Vicente enviaram uma nota às redacções onde "negam categoricamente a alegação de que se opunham à presença da imprensa".

Nessa mesma nota avançam que têm o entendimento contrário. "Pelo contrário, o público deve ser sensibilizado para a inconsistência do caso da acusação e para as repetidas violações dos direitos da defesa" acusando acusação de estar por detrás desta situação.

Em esclarecimentos posteriores à imprensa, a defesa de São Vicente sublinhou que não colocou entraves à presença dos jornalistas na sala de audiência, apenas exigiu que não fossem captadas imagens e som do arguido para defender o seu direito à privacidade.

O advogado Fernando Faria de Bastos, que chefia a defesa do empresário, garantiu mesmo à Lusa que foi "uma opção dos jornalistas" não assistir à audiência, acrescentando, todavia, que a sala onde decorre o julgamento não tem as condições adequadas visto ter apenas 20 lugares, ficando a capacidade esgotada muito depressa.

A sessão de quarta-feira foi ocupada quase integralmente pela audição do arguido.

Sobre este assunto, e ainda à Lusa, o secretário-geral do SJA, Teixeira Cândido, defendeu que o facto de o arguido ter solicitado que não fosse exposto, não impedia que a imprensa pudesse gravar a acusação ou a interacção do juiz.

"O Código do Processo Penal [CPP] diz, nos termos do artigo 101, que a captação de imagens, som e a sua divulgação careciam da autorização da pessoa, ora, se a pessoa diz que não quer ser exposta, não está a dizer que os jornalistas não possam ter acesso à audiência e não possam, por exemplo, gravar outras imagens, contando que não o exponham a ele em particular", assinalou.

"Portanto, não consegui perceber o posicionamento do juiz que acedeu ao pedido da defesa e impediu que os jornalistas pudessem gravar, por exemplo, a acusação. Onde é que foi buscar o fundamento?", questionou.