Esta chegada das vacinas para fazer frente à pandemia da Covid-19 à África subsaariana é resultado do esforço feito pela Covax, um esquema global de facilitação do acesso às vacinas nos países mais pobres, liderado pela GAVI, organização que agrega alguns países, companhias privadas e a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Na África subsaariana alguns países já começaram a vacinar os grupos de maior risco, com foco no pessoal médico da linha da frente ou as forças de segurança, como a África do Sul, o Zimbabué, o Ruanda ou as Seicheles, de forma limitada, ou, com maior abrangência, Marrocos, que está mesmo entre os 10 com a mais elevada taxa de imunização em todo o mundo.

Mas agora, e cerca de três meses depois de terem começado as campanhas de vacinação na Europa, Estados Unidos, e alguns países asiáticos, África começa a receber as primeiras vacinas no âmbito da Covax e Angola é um dos países que aguarda a chegada das primeiras doses ao abrigo do sistema Covax.

O sistema Covax era, e ainda é, considerada a mais firme garantia de que o continente africano não ficará irremediavelmente para trás nesta luta titânica pelo acesso às vacinas, e depois de, por exemplo, a The Economist Intelligence Unit (EIU) ter divulgado um estudo que revelava as profundas discrepâncias entre ricos e pobres neste processo, ao mesmo tempo que chamava a atenção para o risco de a maior parte dos países do continente só ter acesso às vacinas em 2022/23.

Para já, como anunciou a ONU na sua página oficial, o Gana acaba de receber 600 mil doses da vacina da AstraZeneca/Oxford, com as primeiras doses destinadas ao pessoal hospitalar, seguindo-se a Costa do Marfim, sendo dois dos mais organizados países da África Ocidental, embora não sejam os mais afectados pela infecção gerada pelo Sarsc CoV-2 na África subsaariana, estando mesmo muito atrás em relação à África do Sul, do Quénia da Etiópia, Moçambique ou mesmo da Zâmbia, entre outros.

A Covax tem perspectivada a distribuição de 90 milhões de vacinas em África, um continente com 1,2 mil milhões de habitantes, o que compreende menos de 3% do total, mas, ainda assim, a mais saliente ferramenta para garantir o acesso à imunização no continente.

Isto, ao mesmo tempo que, por exemplo, o Canadá já garantiu encomendas que superam em cinco vezes a sua população, o Reino Unido já tem em carteira vacinas 3,6 vezes o total da sua população, cerca de 66 milhões, a União Europeia, com perto de 500 milhões de habitantes, já tem assinadas compras 2,7 vezes superiores a este número, enquanto a União Africana só ainda conseguiu garantir, embora sem prazo de entrega, de 38 por cento do total da população africana, perto de 1,2 mil milhões.

A vacinação no Gana deve começar esta semana com o pessoal médico e depois pessoas com mais de 60 anos e com doenças associadas, os mesmos grupos de prioridade a seguir, na Costa do Marfim, sendo que as vacinas vão chegar a estes dois países, e depois aos que se seguirem, através de uma estrutura logística criada para o efeito, aproveitando a máquina que já existe para as outras campanhas de vacinação, desde logo a pólio, e são oriundas da Índia, onde o Instituto Serum as produz com autorização da AstraZeneca.

Faz ainda parte do pacote o treino do pessoal hospitalar que vão administrar as vacinas.

O Gana tem actualmente perto de 84 mil casos de Covid-19, com 607 mortos, enquanto a Costa do Mafim tem pouco menos de 33 mil e 192 mortos, enquanto, a título de exemplo, Angola tem, até agora, contados 20.807 casos e 508 mortos.

Citada pela página da ONU, a directora executiva do UNICEF, Henrietta Fore, descreveu o momento da chegada das vacinas como "histórico" que resultou de um "árduo trabalho" de preparação para aquele que é o maior esforço global de vacinação de sempre.

Ao mesmo tempo, o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, voltou a sublinhar o feito notável que é, apesar de tudo, o que está a ser conseguido no âmbito da Covax, aproveitando para dar mais uma alfinetada nos países mais ricos, chamando a atenção para a evidência de que "a pandemia só será vencida se for debelada em todo o lado e não apenas entre os mais desenvolvidos".

"O que significa que ainda há muito trabalho pela frente", disse ainda, acrescentando que o objectivo é garantir que, até Abril, vacinar todos os trabalhadores da Saúde e os mais idosos, em todo o mundo, notando que a chagada das primeiras vacinas ao Gana, via Covax, é um "grande passo nesse sentido".

A Gavi/Covax garante que as restantes mais de 89 milhões de doses já garantidas serão distribuídas pelos restantes países à medida em que estas forem sendo disponibilizadas pelas farmacêuticas envolvidas.

Recorde-se, no entanto, que, fora deste esquema da Covax, há países que estão a usar vacinas produzidas e criadas na China e na Rússia, como a Argélia, o Egipto, Guiné Equatorial, Serra Leoa, Marrocos, Seicheles e Zimbabué, permitindo-lhes um avanço significativo em relação aos restantes.

Esforço para evitar que a Covid-19 se transforme em doença de pobres

As complexas exigências técnicas de conservação e transporte da maioria das vacinas que se conhecem actualmente para a Covid-19 podem ser determinantes para que esta infecção venha a ser, no futuro, mais uma doença dos países pobres, a exemplo de outras, como a malária ou a febre amarela.

Os dados existentes dizem que das largas centenas de milhões de doses de vacinas já adquiridas por antecipação, mais de 80% estão destinadas aos países ricos e apenas 14% têm como destino os países mais pobres, quase exclusivamente asiáticos e da América Latina, sendo que África está quase totalmente fora deste mapa de distribuição antecipada das vacinas, excepto no âmbito do esforço da Gavi/Covax.

Isto, apesar de já há alguns meses a União Africana ter anunciado a criação de uma plataforma online para agregar as encomendas dos diferentes países de forma a que as aquisições em quantidade permitam ganhos de competitividade no momento em que o mundo inteiro estiver a competir pelas vacinas existentes no mercado.

Por exemplo, o continente africano, mas também a maior parte dos países asiáticos ou ainda da América Latina, dificilmente vão conseguir condições em quantidade e qualidade para garantir uma distribuição generalizada de vacinas que, para serem armazenadas em segurança, exigem temperaturas de 20 a 70 graus negativos, linhas de frio contínuas e sem quebras de energia para garantir a sua eficácia, como camiões frigoríficos com especificidades que em muito ultrapassam os normais para transporte de medicamentos comuns.

Se este cenário se vier a verificar, a par da evidente incapacidade de resposta à gigantesca e complexa operação de logística que permita levar a vacina a todos os cantos do mundo, seguramente que os países mais pobres e menos influentes correm o risco de ficar para trás.

Isto, porque, depois de resolvido o problema nos países ricos - onde está a capacidade científica de criar soluções -, a Covid-19, no pior cenário, transformar-se-á, com o passar do tempo, numa doença endémica nalguns cantos do globo mais empobrecido e sem capacidade de resposta. Patologias como a malária, a febre-amarela, a poliomielite ou o dengue são disso bons exemplos, que, estando praticamente erradicados nos países ricos, resistem e matam aos milhões nos países pobres.

UNICEF organizou a maior operação logística do mundo

O UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) já se está a posicionar como o maior distribuidor de vacinas do mundo de forma a poder levar a solução para a infecção por Covid-19 a 92 países, onde estão, incluindo Angola, aqueles com maiores dificuldades para adquirir as vacinas disponíveis no mercado e com as mais deficientes redes de logística.

Este esforço do UNICEF envolve a aquisição de mais de 2 mil milhões de vacinas - incluindo as adquiridas por diversas plataformas como a Covax ou da União Africana -, o que envolve, segundo avançou a directora do departamento de distribuição de bens, Etleva Kadilli, ao site UN News, perto de 350 parceiros em todo o planeta, incluindo companhias de aviação, de transportes marítimos e terrestres e empresas de logística.

Este esforço está a ser feito para que as vacinas sejam distribuídas logo que estejam disponíveis no mercado, adiantado Kadilli que só vai ser possível levar este plano em frente com sucesso se os parceiros estiverem igualmente empenhados.

Trata-se nem mais nem menos do maior esforço logístico de sempre realizado pela UNICEF desde que esta agência da ONU foi criada em Dezembro de 1946, com sede em Nova Iorque, EUA, apontando esta responsável como fundamental garantir que as vacinas chegam aos locais definidos no plano "imediatamente após estarem disponíveis e da forma mais segura possível".

"É uma operação gigantesca e histórica que exige sólidas garantias de transportes no terreno", disse Etleva Kadilli, referindo-se ao facto de estar em causa o transporte de muitos milhares de toneladas de material, desde logo as vacinas com as condições técnicas exigentes, como as baixas temperaturas no seu armazenamento, as seringas, o equipamento de protecção pessoal que está na linha da frente desta operação planetária que tem como um dos principais parceiros a IATA, a Associação Internacional de Transportes Aéreos.

Os 92 países que estão no mapa desta gigantesca operação logística, quase todos de baixo e médio rendimento, vão estar no caminho da maior e mais rápida operação logística de sempre liderada pelo UNICEF, embora o "Fundo" conte com uma larga experiência nesta área visto que anualmente já distribui milhões de vacinas em mais de 100 países do mundo.

Para garantir o sucesso desta empreitada, ainda segundo o site UN News, o UNICEF e a OMS mapearam as linhas de distribuição existentes, tanto privadas como públicas, de forma a serem introduzidas neste esforço, contando, para isso com o apoio dos Governos, especialmente no aproveitamento dos pré-existentes equipamentos de armazenamento a frio.

Uma ajuda excepcional para este esforço é o investimento já feito, especialmente em África, desde 2017, com a instalação de mais de 40 mil cadeias de frio incluindo equipamento desta natureza a funcionar a energia solar, ao mesmo tempo que a energia solar está a ser utlizada para a montagem de equipamento agora onde ainda não existe.

Plano de vacinação angolano

O plano de vacinação para a Covid-19 angolano, divulgado em Dezembro, é composto por três etapas, e estava previsto para Fevereiro, o que acabou por não ocorrer.

A prioridade é estabelecida neste plano, que foi aprovado a 24 de Dezembro, em Conselho de Ministros, para o pessoal hospitalar e pessoas acima dos 40 anos com doenças associadas ou elevada exposição, como vendedores de mercados, motoristas de transportes públicos, moto-taxistas e idade avançada.

A ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, disse na altura que Angola iria receber 12 milhões de vacinas, por etapas, com distribuição gratuita, no âmbito da iniciativa Covax, um número relevante quando se sabe que a Covax tem como objectivo distribuir 90 milhões em todos os 54 países do continente.

Neste plano está ainda estabelecido, na primeira etapa, que as pessoas com mais idade em Angola, acima dos 60 anos, são apenas 2,5% da população, de 30 milhões, muito pouco quando comparado com os países europeu, por exemplo, o que permite considerar pessoas com 40 anos neste processo como de idade "avançada".

De seguida, ainda segundo a ministra da Saúde, serão abrangidos todos aqueles com idades compreendidas entre os 20 e os 39 anos, e depois para a restante população.

As vacinas chegam ao País a custo zero mas os custos nacionais serão de cerca de 10 milhões USD, referentes à logística, estando já em curso a formação de pessoal e na preparação das cadeias de frio.

A par das vacinas da Covax, há ainda uns milhares de doses, não especificados, que deverão chegar a Angola via Portugal cujo Governo já anunciou que pelo menos 5% das vacinas adquiridas por aquele país serão redistribuídas pelos parceiros africanos de língua portuguesa, Angola, Cabo Verde, São Tomé, Moçambique, Guiné-Bissau e Guiné Equatorial - e Timor Leste.

E a Índia, segundo garantiu a sua embaixadora em Luanda, em delcarações à Lusa, está igualmente a estudar a forma de ajudar países africanos a terem acesso facilitado a vacinas, especialmente a vacina Made in Índia, a Covaxin, produzida nos laboratórios da Bharat Biotech.