A OMS sublinha igualmente, no documento publicado na sua página oficial, e em posteriores actualizações, que ainda é cedo para se ter quaisquer certezas sobre o potencial patogénico global da Omicron, a variante descoberta pela primeira vez no Botsuana e identificada nos laboratórios da África do Sul, deixando, todavia, em aberto a possibilidade desta se tornar uma realidade global, como sucedeu com a variante Delta.

E esta agência das Nações Unidas para a saúde planetária deixa perceber alguma insatisfação pela reacção geral de fecho de fronteiras e suspensão de voos para cinco países vizinhos do Botsuana e da África do Sul sem que existam, até agora, evidências de uma relação directa entre o local da identificação e a origem desta nova estirpe.

Isto, quando cientistas em todo o mundo, desde logo da África do Sul, estão a conduzir uma investigação de larga escala para melhor conhecer a Omicron, que gerou pânico devido ao elevado número de mutações, pelo menos 32, mas que virologistas de todo o mundo se apressaram a dizer que não existe uma relação directa entre esse número de mutações e perigosidade.

Apesar desse esforço global, atira a OMS, sendo, provavelmente, a Omicron é mais transmissível entre pessoas quando comparada com as outras variantes, incluindo a Delt", que é a que predomina nos quatro cantos do planeta actualmente, está ainda por sustentar cientificamente que se trate de uma evolução mais letal do Sars CoV-2.

No que diz respeito à severidade dos sintomas e da doença gerada pela nova estirpe, a OMS avança que não existem dados que permitam dizer seja o que for com certezas, mas admite que os primeiros dados em avaliação, escassos e inconclusivos, sugerem que não existem diferenças substanciais em relação às outras variantes.

Alguns médicos sul-africanos que já lidaram com pacientes infectados com a Omicron, citados pela imprensa local, referem mesmo que os sintomas até agora identificados são ligeiros.

Porém, existem igualmente indícios de que pode haver um crescimento de reinfecções com esta nova variante sem que isso permita ir além da afirmação de que a Covid-19 é uma doença grave que causa hospitalizações intensivas e morte, seja quais forem as variantes em apreciação.

O que é já certo é que os testes PCR e os vários testes rápidos antigénio existentes detectam esta variante tal como as restantes. E no que toca aos tratamentos, a doença severa gerada pela Omicron é igualmente tratável com os medicamentos existentes, estado em estudo se existem variações entre variantes de eficácia, seja na doença severa, seja nos casos mais ligeiros da infecção.

No entanto, a OMS mantém a condição de variante de preocupação, o que, por si só, implica um conjunto alargado de acções por parte dos países, nomeadamente o aperto da vigilância e sequenciação de genomas, que devem ser partilhados com a comunidade científica internacional.

E foi, precisamente, o que a África do Sul, fez ao detectar e sequenciar o genoma da Omicron, que é, em síntese, "desmontar" o vírus para perceber onde estão as diferenças entre as diferentes famílias (estirpes).

O preço que a ciência sul-africana pagou, por ser eficaz, foi a transformação do país, e de quase toda a restante África Austral, de onde Angola, para já, se salva, numa espécie de "gueto" sem que, na verdade, se saiba ainda qual a origem da Omicron, apesar de haver indícios, ainda por precisar, de que seja o Nordeste da África do Norte a região mais provável do seu surgimento.

Para já, somam-se as críticas à reacção extemporânea da maior parte dos países europeus, norte-americanos e mesmo africanos que, antes de haver certezas científicas sobre a letalidade da Omicron e da sua transmissibilidade, correram a fechar fronteiras e a suspender voos de e para países como o Botsuana, África do Sul, Zimbabué, Moçambique, Lesoto...

Como o Novo Jornal noticiou, as reacções não se fizeram esperar, sendo que algumas delas foram produzidas de forma efusiva, como a da representante da African Vaccine Delivery Alliance da União Africana, Ayoade Olatunbosun-Alakija, que chegou mesmo a dizer, numa entrevista à BBC World, que África merece tão pouco respeito que, apesar da ausência de evidências sobre a origem da variante, o mundo mostrou disponibilidade para fechar o continente à chave e deitar a chave fora.

Também as autoridades sul-africanas e do Botsuana vieram a terreiro mostrar indignação pelo que está a suceder, perguntando se valerá a pena fazer o trabalho que compete aos países para depois estes serem punidos de forma cega e sem freio.

Isto, porque foi pelo trabalho destes países que o mundo ficou a conhecer a Omicron mas, sem se saber de onde esta partiu, viram-se ostracizados quando outros países, como Bélgica, Alemanha, Reio Unido, Portugal, China e Israel, entre outros, já detectaram a estirpe e nem por isso foram... "guetizados".

Para Angola, que, tal como outros países, suspendeu os voos para estes países, a questão essencial é travar ou retardar a chegada da Omicron ao território nacional, mas estando já confirmada a presença desta nova variante em Portugal, o principal destino aéreo de Luanda para a Europa, a questão é: E agora?.

Angola, apesar de estar geograficamente localizada na África Austral, tem permanecido fora da lista vermelha europeia porque não possui fronteiras terrestres com os países tidos como o epicentro desta nova inquietação global.

Com Portugal na lista dos países onde foi detectada a nova variante, sendo que semanalmente largos milhares de pessoas se deslocam entre um e outro país, o risco de suspensão de voos entre Luanda e Lisboa e Luanda e Porto, ergue-se como uma possibilidade.

Os casos detectados em Portugal, 13, são todos jogadores de uma equipa de futebol, a Belenenses SAD, sendo que, de acordo com a Direcção Geral de Saúde portuguesa, nenhum dos doentes apresenta sintomas graves e na maior parte estão assintomáticos, o que,pelo menos nestes casos, permite deduzir que a Omicron não é substancialmente mais patogénica que as outras, embora sendo já claro que tem grande capacidade de propagação.

Há, no entanto, uma polémica antiga que ganhou vida com o surgimento da Omicron, que é o desfasamento gigantesco entre os países mais ricos e os mais pobres no que diz respeito às taxas de vacinação devido à evidente desigualdade no acesso às vacinas, perceptível nos muito dispares índices de imunização.

Um exemplo claro, que serve por ser mais próximo da realidade angolana, é que o país ainda não passou dos 9% de vacinados complestos quando Portugal já está nos 90%. Mas nem sempre o problema resulta de escassa disponibilidade de vacinas.

Angola, com perto de 34 milhões de habitantes, mantém, de acordo com a Universidade Johns Hopkins. um dos registos mais baixos do mundo de vacinação, com 8,3 % da sua população imunizada (8,7 milhões de doses administradas e 2,6 milhões de pessoas com vacinação completa), que compara mal com os países vizinhos (Namíbia, 11,4% - Botsuana, 18,1% - África do sul, 23,8% - Moçambique, 9,8% - embora não exista falha de vacinas, estando mesmos os postos criados para o efeito às moscas ou pouco mais.

Com esta escassa percentagem de população vacinada, se o País for invadido por uma estirpe com elevado grau de letalidade e transmissibilidade, e que tenha maior capacidade patogénica sobre a população mais jovem, como pode, eventualmente, vir a ser o caso da Omicron, uma tragédia pode estar ao virar da esquina, como têm advertido os especialistas da Organização Mundial de Saúde que apontam a imunização como a melhor forma de prever tal cenário.

Por detrás da escassa vacinação em África está, além da disponibilidade de vacinas ser menor, questões culturais onde sobressaem crenças místicas ou outras, como, por exemplo, que a vacina reduz a fertilidade dos inoculados.

Como o Novo Jornal alertava a 25 de Novembro de 2020, o risco de a Covid-19 se transformar em mais uma doença dos... africanos, permanece.