Quem o vê é capaz de não acreditar ser octogenário. Como têm sido estes 13 anos de reforma de Dom Zacarias Kamwenho?

Estou muito bem. Portanto, já tenho os meus 87 anos de idade e vou fazer 48 de bispo, sou mais-velho. É por isso mesmo que estou aqui na Quibala, porque os novos bispos pediram para estar com eles nestes dias que se preparam para a ordenação episcopal.

Se tivesse de recuar na idade da juventude, quereria fazer a mesma trajectória de vida?

Olha, o meu trajecto foi aquele que me calhou e o vosso é o que vos calha. Eu sou do tempo colonial, no tempo em que era colonialismo verdadeiro, chapado, víamos os nossos pais irem trabalhar para fora, os que escapavam dos contratos (trabalho forçado), claro, e o meu pai teve a sorte de ir duas vezes à África do Sul para ir trabalhar e, assim, também poder educar-me. Cada um nasceu no seu tempo, e cada um responde pelo seu tempo. Eu respondi pelo meu e continuo a agradecer a Deus pelo tempo que ele me deu, bem como pelas circunstâncias tanto da família como da comunidade em que cresci. Estou contente, na igreja exerço as funções que me pedem e que gosto de exercê-las. Tudo quanto sou hoje é o ontem que veio para cada hoje e o cada hoje que se projecta para cada amanhã, e estes amanhãs vão-se multiplicando, mas cá estamos para dar uma resposta à vida, uma resposta ao País, que é a nossa Nação, onde nascemos, o País que, afinal, representa tudo quanto somos.

O que é que faz concretamente em relação ao que a igreja lhe pede?

Como aposentado, faço o que o meu arcebispo me pede. Há um calendário anual da Arquidiocese do Lubango e, depois, há tarefas que ainda posso fazer, sobretudo, a formação dos jovens, tanto nos seminários como nos noviciados. Tenho feito estas tarefas com muito gosto. Há tempos, estive no Seminário de Teologia a dar uma formação a seminaristas, a falar-lhes de como devem crescer na santidade, como devem crescer na sociedade para serem padres que a Igreja e a sociedade esperam. Tenho estado, também, nos noviciados femininos, onde rezo as missas diárias e, quando me pedem alguma formação, também a dou. Preparo-me certamente, mas há uma experiência já um pouco acumulada destes 47 anos de bispo e 61 de padre, e a própria idade.

São, portanto, dezenas de anos dedicados à Igreja Católica. Como vê hoje a sua religião em Angola?

Sinto que a igreja continua a dar aquele sinal como Jesus Cristo a fundou: sinal de união com Deus e sinal de união entre as pessoas. Nós, que crescemos na Igreja - e eu que trabalhei como presidente da Conferência Episcopal - vemos, hoje, que a igreja continua comprometida com aquilo que se lhe pede, fazer que, na sociedade, o bem comum seja sempre protegido; continua comprometida com a formação das pessoas, para que os cegos vejam; comprometida, também, com a saúde das pessoas. Mesmo neste momento de Covid-19, a igreja tem feito que os fiéis acatem as orientações, levando a que os doentes fiquem curados. É nessa linha que digo que a igreja está comprometida... é só ver as declarações da CEAST [Conferência Episcopal de Angola e São Tomé] constantes dos seus comunicados... tudo isso, para nós que estamos na reforma, nos dá esta alegria e esta consolação de que os esforços que fizemos no passado são continuados e que a igreja continuará, pois ela é de Cristo.

Se, por um lado, no ano passado, assistimos a um momento de boa relação entre a Igreja Católica e o Governo, com a efectivação de pontos constantes do acordo-quadro com o Vaticano; por outro, e no mesmo ano, acompanhámos o avolumar da tensão entre o Executivo e alguns bispos católicos, devido às declarações críticas à governação. Há vozes que, olhando igualmente para os quase sempre mediáticos comunicados da CEAST, acusam a Igreja Católica de fazer política.

Esta é uma situação já muito antiga, as pessoas confundirem as declarações de um padre ou de um bispo com política. A missão da igreja, entre outras, é ser um instrumento de moralização da sociedade. Não podemos, por sermos um Estado laico, dizer que tudo quanto o Governo faz é bom. Vemos muita gente criticar a igreja, dizendo que ela não se devia meter neste ou naquele assunto. Ora, a igreja, como tal, é um elemento que deve moralizar, porque, se não for o caso, não serviria para nada! Jesus, que a fundou, diz que a igreja devia ser sal, devia ser luz. Então, tudo aquilo que vai contra o bem-estar das pessoas, contra a boa harmonia entre as pessoas, tudo aquilo que suscita nas pessoas divisões, a igreja deve estar pronta para dizer que é errado e apontar o caminho certo. E nesta de dizer o que está errado, é claro, muitas vezes, nós, os pastores, temos de escolher o momento certo de o fazer. Naturalmente, quando estou no púlpito, devo falar para todos, para que todos vejam qual é a mensagem do evangelho, para que todos respeitem tanto as autoridades constituídas, como as instituições que estiverem na linha deste bem comum que todos perseguimos. Como diz o profeta Isaías, se a igreja se calar perante o mal, é um cão mudo, que não serve para aquilo para o qual foi constituída (a igreja). Portanto, continuaremos a dizer o que é mau e a louvar o que é bom. Como dizia o Presidente João Lourenço, durante a campanha, «Vamos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem». Isso, para nós, é mesmo o evangelho, porque não podemos continuar calados, sem criticar o que está mal, só porque quem esteja eventualmente no poder não goste de ouvir críticas. Quando as coisas estiverem mal, temos de dizer que estão mal e, quando estiverem bem, temos de dizer que estão bem, como, aliás, costumamos ouvir da igreja, quando se pronuncia a nível da Conferência Episcopal. Então, nesta altura, podemos dizer que é a Igreja que está a falar. Agora, nas igrejas particulares, quando surge um padre a falar sobre isso ou aquilo, temos de apurar se aquilo que está a falar é o evangelho que está a ser aplicado ou se são declarações feitas por paixão própria.

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