Mesmo que a África do Sul e o Senegal sejam os únicos países que actualmente possuem capacidade técnica para a despistagem deste tipo de coronavírus, em todos os outros, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem referido, é urgente a tomada de medidas para evitar que o "inimigo" fure as barreiras sanitárias, porque, como lembrou recentemente o seu director-geral, o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, "a força da humanidade para combater esta epidemia é igual ao seu elo mais fraco".

Ou seja, o que Tedros Ghebreyesus pretendeu dizer em tom de aviso foi que mesmo que os países mais avançados consigam travar o avanço do vírus, se ao lado, essa capacidade não existir, e o tal "inimigo" penetrar as defesas onde estas são mais frágeis, então a ameaça será uma realidade para todos e não apenas para os mais pobres e menos apetrechados.

E esses são, claramente, os países africanos, com sistemas de saúde débeis e impreparados para epidemias de grande magnitude, apesar de, como é o caso de Angola, o Ministério da Saúde tenha garantido oficialmente um controlo da temperatura corporal - febre - aos que chegam via aérea, terreste ou marítima, que é o primeiro sinal de alerta para um potencial caso, especialmente quando com a febre coincide a proveniência de locais afectados por esta epidemia.

Os centros africanos para o controlo de doenças e prevenção (CDC), organismo pan-africano recentemente criado pela União Africana para ser a primeira linha de defesa contra este tipo de doenças e ameaças à saúde pública, activaram já o seu sistema de emergência face à ameaça de chegada deste coronavírus ao continente por um dos muito corredores abertos para os locais já afectados, especialmente a China, cujas relações com África são a todos os níveis intensas.

Isto, porque, como sublinha este organismo via várias fontes citadas nas últimas horas por diversos media, as cidades sobrepovoadas e pobres em infra-estruturas sanitárias e de saúde do continente podem constituir como auto-estradas para a progressão desta doença e só a sua detecção precoce pode evitar um cenário que pode ser dramático.

E uma coisa já é considerada garantida pelas autoridades sanitárias continentais: um surto em África, especialmente numa das suas megacidades com milhões de pessoas a viver em áreas fortemente empobrecidas, vai ser de muito difícil combate porque essa condição coincide, normalmente, com a ausência de meios eficazes nos respectivos sistemas nacionais de saúde, podendo estes ser os melhores exemplos para aquilo que Tedros Ghebreyesus queria exemplificar quando lembrou que os países são tão fortes quantos o mais fraco dos seus vizinhos face a um "inimigo" desta natureza.

E estes são, por norma, os países que já se encontram sobrecarregados com problemas sérios devido a doenças como, entre outras, a malária, o sarampo ou, em alguns casos, o ébola, cuja epidemia que já dura há mais de ano e meio no leste da RDC e ainda não foi totalmente debelada.

Citado pela Reuters, Michel Yao, director do programa de emergência da OMS-África, com sede em Brazzaville, República do Congo, explicou que "o ponto-chave é impedir a transmissão a partir de países afectados, e, em segundo lugar, garantir a capacidade de isolar e garantir tratamento adequado a pessoas infectadas", o que a maioria dos especialistas, apesar de sublinharem os esforços em curso, temem que não esteja garantido em muitos dos 54 países do continente africano.

Mas Yao acrescenta, face às debilidades existentes, que os países "pelo menos consigam garantir a detecção precoce de um eventual foco de infecção" porque "todos sabem como são frágeis os sistemas de saúde em África" e ainda que esses mesmos sistemas estão "sobrecarregados com vários surtos de outras doenças", podendo essa detecção rápida permitir a ajuda da comunidade internacional.

Por outro lado, John Nkengasong, director do CDC-África, numa conferência de imprensa em Adis Abeba, Etiópia, disse que a activação da "operação de emergência" deste novo organismo, vai permitir que "um único incidente seja gerido por todo o sistema através do continente", o que constitui um reforço considerável para os sistemas de saúde nacionais, incluindo uma formação para cerca de duas dezenas de países em Dacar, no Senegal - onde se encontram os laboratórios do Instituto Pasteur, os melhores equipados do continente - em técnicas de diagnóstico.

E, para melhor lidar com a epidemia em curso, e outras que possam emergir no futuro, graças a este organismo da União Africana, estão a ser erguidos laboratórios equipados e modernos no Gana, Madagáscar, Nigéria e na Serra Leoa, bem como o reforço da capacidade instalada já na África do Sul.

E a OMS-África anunciou, através de uma fonte citada pela Reuters, que nos próximos dias serão instalados os mecanismos básicos de detecção desta infecção em pelo menos mais 24 países, nomeadamente os reagentes para a realização dos testes.

Actualmente, apesar de existirem já dezenas de casos suspeitos em vários países, e que estão a ser sujeitos a testes de despistagem, em África ainda não foi confirmado nenhum caso.

Entretanto, a OMS-África acaba de colocar Angola entre os países africanos de intervenção prioritária para interromper a progressão do vírus no continente, especialmente por causa da sua intensa ligação à China, seja devido às fortes relações comerciais, seja porque existe no país uma significativa comunidade chinesa.

Num comunicado emitido a partir de Brazzaville, a OMS-África diz ainda que estes 13 países -Angola, Argélia, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Etiópia, Gana, Quénia, Ilhas Maurícias, Nigéria, África do Sul, Tanzânia, Uganda e Zâmbia - "devem estar particularmente vigilantes para o eventual surgimento do coronavírus" no seu território.

Mais de 560 mortos

No entanto, segundo o mais recente balanço oficial de vítimas e infecções, já morreram mais de 560 pessoas em cerca de 28 mil casos de contágio, sendo que a esmagadora maior parte, está concentrada na China, sendo que em apenas um dia foram registados mais 70 casos letais e mais 3.600 contaminações.

No resto do mundo fora registados 260 casos em 31 países além da China, com duas mortes confirmadas nas Filipinas e em Hong Kong, sendo que esta região autónoma chinesa foi a primeira a decidir pela quarentena obrigatória de 14 dias a todos aqueles que ali aportem provenientes da China continental.

Em vários países, como Japão, Itália, Hong Kong, entre outros, estão actualmente dezenas de milhares de pessoas em quarentena forçada a bordo de navios de cruzeiro, com mais de meia centena de casos confirmados.

Enquanto isso, as autoridades sanitárias chinesas já admitiram que a busca de uma vacina ou um medicamento eficaz contra este coronavírus, que foi descoberto em Dezembro, na cidade de Wuhan, com mais de 11 milhões de pessoas actualmente em quarentena rígida, está a revelar-se mais complicado que o esperado, sendo o calendário mais razoável para que haja novidades o final do ano.

Mas, nos próximos dias, a OMS vai reunir em Genebra, na sua sede na Suíça, mais de duas centenas de especialistas em vacinas, medicamentos e diagnóstico para estabelecer um programa de acção de combate a esta epidemia.

O impacto económico deste coronavírus vai-se consolidando, especialmente na China, com várias cidades paradas devido a quarentenas, com muitas fábricas paradas, destas destacam-se as multinacionais da Apple, da Airbus ou da Amazon, ou ainda no sector automóvel, o que está a reduzir fortemente as exportações da segunda maior economia do mundo.

E África, também aqui, está na linha da frente das potenciais vítimas, porque, como já começam a mostrar os indicadores, com o arrefecimento da economia chinesa e do seu sector exportador, a importação de matérias-primas a partir de África está a diminuir, para já de forma ténue, mas com tendência crescente.

O vírus em Angola

A par das medidas em curso aplicadas peo Ministério da Saúde, como o controlo à chegada nas várias fronteiras do país, é a comunidade chinesa em Angola que está a aplicar as medidas mais dramáticas, como explicou o seu embaixador, Gong Tao, em Luanda.

Evitar as viagens de e para a China e a redução da mobilidade interna são algumas das medidas auto-impostas pela comunidade chinesa em Angola de forma a contribuir para o combate global em curso contra o coronavírus.

Segundo o embaixador chinês em Angola, Gong Tao, em conferência de imprensa na passada semana, estas medidas que estão a ser seguidas pelos membros da comunidade chinesa em Angola, que ultrapassa os 250 mil, são voluntárias, porque, apesar de ter lançado um alerta internacional de saúde pública, a Organização Mundial de Saúde (OMS) não proibiu a movimentação de pessoas e bens.

Isso está a ser realidade também junto daqueles que se deslocaram por estes dias à China para comemorar junto das suas famílias o Ano Novo Lunar, a maior festa chinesa, e estão a retardar o regresso no âmbito das medidas preventivas consideradas adequadas.

Os que regressaram há poucos dias, para evitar quaisquer riscos, estão a proceder ao auto-isolamento.

O diplomata chinês, em conferência de imprensa realizada na sexta-feira em Luanda, admitiu que o vírus de Wuhan vai ter um impacto negativo nas relações económicas entre os dois países, mas notou que o mais importante é estancar esta pandemia porque os negócios podem esperar, "têm tempo".

Tao disse que a embaixada tem estado em permanente contacto com as autoridades angolanas, partilhando informações e cooperando no que diz respeito à assistência sanitária.

A embaixada está "muito atenta" no que diz respeito à comunidade chinesa, monitorizando a situação, sublinhando que para a representação diplomática de Pequim em Luanda, a saúde do povo angolano é tão importante como a do povo chinês.

Luanda não cancelou ou desaconselhou viagens para a China.

Com uma progressão muito mais rápida e letal que a pandemia de Síndrome Respiratório Agudo Grave (SARS, em inglês), igualmente com início na China, que em 2002/2003 fez cerca de 750 mortos e pouco mais de seis mil casos de contaminação confirmada em dezenas de países em mais de 18 meses, este vírus está a mostrar ser muito mais robusto e com uma capacidade de disseminação geográfica incomparável.

Uma das razões pela qual a OMS mostra maior inquietude é que este vírus, descoberto na cidade chinesa de Wuhan em Dezembro, rapidamente revelou a sua capacidade de contágio humano-a-humano e consegue passar de indivíduo em indivíduo ainda na sua fase inicial de incubação, onde não se mostra através dos sintomas do hospedeiro, o que dificulta de forma séria o trabalho de combate das equipas sanitárias e dos investigadores que em todo o mundo procuram a melhor forma de combate a este novo inimigo público da humanidade.

No entanto, a taxa de mortalidade deste coronavírus é inferior, substancialmente, à do SARS de 2002/2003, estando actualmente numa média de 2,2 por cento, quando há 17 anos, a média de letalidade por cada 100 contaminações, foi de quase 9,5 por cento.

O vírus, o que é e o que fazer, sintomas

Estes vírus pertencem a uma família viral específica, a Coronaviridae, conhecida desde os anos de 1960, e afecta tanto humanos como animais, tendo sido responsável por duas pandemias de elevada gravidade, como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), transmitida de dromedários para humanos, e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), transmitida de felinos para humanos, como início na China.

Inicialmente, esta doença era apenas transmitida de animais para humanos mas, com os vários surtos, alguns de pequena escala, este quadro evoluiu para um em que a transmissão ocorre de humano para humano, o que faz deste vírus muito mais perigoso, sendo um espirro, gotas de saliva, por mais minúsculas que sejam, ou tosse de indivíduos infectados o suficiente para uma contaminação.

Os sintomas associados a esta doença passam por febres altas, dificuldades em respirar, tosse, dores de garganta, o que faz deste quadro muito similar ao de uma gripe comum, podendo, no entanto, evoluir para formas graves de pneumonia e, nalguns casos, letais, especialmente em idosos, pessoas com o sistema imunitário fragilizado, doentes crónicos, etc.

O período de incubação máximo é de 14 dias e durante o qual o vírus, ao contrário do que sucedeu com os outros surtos, tem a capacidade de transmissão durante a incubação, quando os indivíduos não apresentam sintomas, logo de mais complexo controlo.

A melhor forma de evitar este vírus, segundo os especialistas é não frequentar áreas de risco com muitas pessoas, não ir para espaços fechados e sem ventilação, usar máscara sanitária, lavar com frequência as mãos com desinfectante adequado, cobrir a boca e o nariz quando espirrar ou tossir, evitar o contacto com pessoas suspeitas