A fome está a ser usada por Israel como arma de guerra em Gaza, como denunciam múltiplas organizações humanitárias internacionais, e a World Central Kitchen (WCK) é uma das mais activas fornecedoras de alimentos no território, contra a vontade de Telavive.

Nesta organização humanitária participam voluntários de todo o mundo e entre os sete mortos estão cidadãos palestinianos, australianos, polacos, britânicos, canadenses e norte-americanos...

Num comunicado sobre este ataque israelita, a WCK afirma que os seus membros eram o alvo, exigindo a Telavive que pare com as "mortes indiscriminadas".

Num contexto em que os israelitas já mataram mais de 32 mil civis palestinianos e quase 100 mil ficaram feridos, a maior parte com gravidade, sendo que mais de 14 mil mortos são crianças, desde 07 de Outubro, este ataque é um dos que concentra mais protestos da comunidade internacional porque nele pereceram cidadãos de cinco países ocidentais.

No entanto, esta não é a primeira vez que morrem voluntários e funcionários de organizações humanitárias, porque só das Nações Unidas já foram abatidos por Israel mais de 170, na maior parte da UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinianos.

A menor reacção internacional é justificada pelo facto de que nenhum dos elementos da UNRWA mortos era cidadão de países ocidentais, "apenas" palestinianos e de países árabes circundantes.

Citada pela Al Jazeera, a porta-voz do UNICEF, Tess Ingram, afirmou que a situação em Gaza também é de grande perigo para os voluntários e trabalhadores humanitários, como o demonstra esta "imensa tragédia" que soma mais de 32 mil mortos e 174 elementos das Nações Unidas.

Esta responsável avançou ainda com ma inquietante informação, que é que todas as equipas humanitárias a trabalhar no terreno fornecem as suas posições às Forças de Defesa de Israel (IDF) para evitar que este tipo de ataques possam ser evitados.

"Mas isso não está a funcionar aqui em Gaza. As medidas de prevenção não são respeitadas, e não existem condições para trabalhar em segurança", notou ainda Tess Ingram, ao que junta a ideia de que é uma brutalidade inqualificável quando se morre desta forma a tenar ajudar pessoas que estão à beira de morrer de fome.

Na posição oficial de Telavive é dito apenas que foi ordenada uma investigação sobre oq eu se passou no ataque aos elementos da WCK.

Matar o mensageiro também

As IDF são acusadas por diversas organizações internacionais, desde os Repórteres Sem Fronteiras (RSF) ou o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), de estarem a assassinar deliberadamente jornalistas em Gaza, onde já morrerem mais de uma centena.

Por detrás deste alvejar repetido de repórteres está a necessidade de Israel, precisamente, procurar impedir que a verdade sobre as suas atrocidades em Gaza sejam mantidas no território, como sublinham muitos dos media atacados no território.

E um dos media mais visados tem sido a Al Jazeera, canal do Qatar que tem feito uma cobertura exaustiva do conflito em Gaza desde 07 de Outubro, aquando do raide do Hamas ao sul de Israel deixando um rasto de destruição e mais de mil mortos.

A Al Jazeera, que se tem notabilizado, além da cobertura dos ataques diários, pela investigação dos temas mais candentes, como este que pode ver aqui, desvendando não apenas as atrocidades israelitas mas também as falsas narrativas criadas para justificar a invasão de Gaza.

Face a este desempenho do canal árabe, Israel acaba mesmo de proibir a sua difusão em território israelita e nos territórios que controla, como a Cisjordânia, geografia palestiniana que Telavive controla com forte presença militar e está a mudar o seu tecido sociológico através da expansão de colonatos ilegais segundo a Lei Internacional e várias resoluções da ONU.

Fome já mata tanto como as bombas

O "cemitério" de Gaza estende-se por uma faixa de 40 kms por nove kms de largura e se até há bem pouco tempo eram apenas as bombas israelitas que enviavam os corpos para as tumbas, hoje uma excruciante fome e as doenças oportunistas disputam essa liderança.

Alguns analistas admitem que o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, que vários países consideram ser um criminoso de guerra e líder de um genocídio em curso e em directo nas tvs internacionais, concluiu que a fome mata mais e é mais barata que a metralha da guerra.

Há muito que o Secretário-Geral das Nações Unidos, António Guterres, que foi quem primeiro percebeu a tragédia que estava a ser preparada por Isarel, avisou que os camiões que estão a entrar em Gaza "são uma gota de ajuda humanitária num vasto oceano de necessidades".

Camiões cheios de... fome

Com efeito, as extensas filas de camiões travados pelos checkpoints dentro de Gaza, entre o sul do norte, e nas fronteiras com o Egipto, pelas forças israelitas, demonstram que se trata de impedir que a ajuda chegue às populações mais desesperadas que estão na Cidade de Gaza.

Apesar de a Jordânia, primeiro, e em maior quantidade, e depois os EUA, com alguns milhares de rações de combate, enviadas por avião, nem de perto nem de longe resolveram o problema da fome extrema que já afecta mais de 1,2 milhões de pessoas.

E os navios de organizações humanitárias internacionais que descarregam toneladas de alimentos, não são mais que uma gota de ajuda no oceano de desespero que é Gaza devido à invasão militar israelita que já fez mais de 32 mil mortos, a maior parte crianças e mulheres.

As Forças de Defesa de Israel (IDF), com mais de 300 mil militares, milhares de tanques e apoio da sofisticada aviação fornecida pelos EUA, e da marinha de guerra, que flagelam o território ininterruptamente há mais de cinco meses, iniciaram esta guerra a 07 de Outubro de 2023.

As IDF foram enviadas para Gaza numa resposta totalmente assimétrica depois de os combatentes do Hamas terem realizado um ousado e estranho - porque driblou a mais sofisticada intelligentsia do mundo e as fronteiras mais vigiadas do Médio Oriente - ataque ao sul de Israel.

O estranho ataque do Hamas a 07 de Outubro

Nesse ataque, as brigadas Al Qassem, o braço armado do Hamas, e a Jihad Islâmica deixaram um rasto de destruição, matando mais de mil israelitas, maioritariamente civis, sem que a Mossad, a secreta externa, o Shin Bet, a secreta interna, e a AMAN, a inteligência militar, todas no topo das mais conceituadas do mundo nas suas especialidades, tivessem percebido.

E esse facto não passou desapercebido à oposição interna nem aos analistas internacionais, laçando dúvidas sobre o contexto em que este ataque palestiniano ao sul de Israel aconteceu, questionando um eventual concluiu entre Netanyhau e as "suas" forças de segurança para se libertar do sufoco das manifestações populares e dos graves processos judiciais por corrupção.

Todos os seus aliados, incluindo os mais próximos, como os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido, além da União Europeia, exigem que o Governo israelita trave a mortandade de civis em Gaza.

Mas Benjamin Netanyhau garante que vai manter a pressão militar sobre Gaza até conseguir os seus objectivos traçados logo a 07 de Outubro de 2023, que são aniquilar totalmente o Hamas, garantir que o território não volta a ser ameaça para Israel e libertar todos os reféns.

Nenhum destes objectivos foi conseguido, mesmo com quase seis meses de guerra, uma mortandade de civis em tão pouco tempo, coisa que não se via há largas décadas, com destaque para as 15 mil crianças entre os 32 mil mortos.

Dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza, o que dá, face aos seus 365 kms2, mais de 5.000 habitantes por km2, uma das mais densas concentrações populacionais do mundo, perto de 1,5 milhões foram obrigados a sair em direcção ao sul pelas IDF.

Falas promessas de segurança

Nesse êxodo, Israel prometeu que o sul seria um local seguro, especialmente as cidades de Khan Yunis e Rafa, esta mesmo junto à fronteira com o Egipto...

Só que, depois de destruírem Khan Yunis, as IDF estão agora a marchar sobre Rafa, onde a sua entrada, que dizem ser justificada por ali se acoitarem milhares de combatentes do Hamas, significará a morte de milhares de civis.

E é precisamente a entrada em Rafa que desperta novos receios de que este conflito em Gaza se espalhe para o vasto e complexo barril de pólvora que é o Médio Oriente, com a iminente entrada em cena de novos actores, como o Hezbollah, no norte de Israel e sul do Líbano.

Além disso, a gigantesca concentração de civis na cidade de Rafa e a iminente morte de milhares destes, em caso de entrada das IDF, que são, na sua maioria crianças, mulheres e idosos que ali chegaram do norte do território, está a gerar uma convulsão popular no Egipto.

Isto, porque a denominada "rua árabe", o povo árabe, mas também islâmico, no caso do Irão, não está sintonizada com os governos nesses países, que procuram evitar um confronto com Israel, exigindo, ruidosamente, acção determinada para impedir a continuação do genocídio.

Guerra em Gaza chega à campanha nos EUA

Protestos esses que já são igualmente uma dor de cabeça para o Presidente dos EUA, Joe Biden, que tem visto as suas acções de campanha para as Presidenciais de Novembro próximo interrompidas por activistas pró-palestinianos.

Essa a razão pela qual Washington está a pressionar como nunca Telavive para que Netanyahu aceite reformular o mapa da guerra e abra novos corredores mentais em Israel para aceitar um acordo de cessar-fogo com o Hamas, cujas negociações estão de novo a acontecer no Qatar.

A questão é de tal modo incómoda para Joe Biden que o seu secretário de Estado, responsável pela diplomacia, Antony Blinken, disse agora que todos os 2,3 milhões de habitantes de Gaza estão ameaçados pela fome, repetindo a frase da ONU, "severa insegurança alimentar".

O homem que no início da invasão israelita a Gaza foi a Telavive dizer que mais que um governante norte-americano e maior aliado de Israel, estava ali para garantir todo o apoio a Netanyhau como judeu, diz agora que "está é a primeira vez que uma população inteira é oficialmente classificada como estando a viver uma grave insegurança alimentar".

Isto, numa altura em que Biden conversa repetida e longamente ao telefone com Benjamin Netanyhau, sempre com o primeiro-ministro israelita a ignorar por completo o seu maior aliado.

O genocídio à vista de todos

Até que algo aconteça que permita acabar com o "genocídio" em Gaza, crime de que Israel está a ser acusado no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Haia, são as organizações da ONU e ONG"s internacionais que procuram salvar o maior número possível de vidas.

Essas organizações, de onde se destacam o Programa Alimentar Mundial (PAM) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), ou a norte-americana World Central KItchen e a espanhola Open Arms, que inventou a rota marítima para ajudar, procuram conter as barreiras criminosas montadas por Israel à entrada de alimentos e medicamentos em Gaza.

As forças israelitas estão a apertar de tal modo a malha nas fronteiras que nem Philippe Lazzarini, o chefe da Agência da ONU para os Refugiados da Palestina (UNRWA), que garante a ajuda alimentar a milhões de famílias, consegue entrar no território.

A fome em Gaza, ao contrário das imagens excruciantes de meninos de barriga inchada a morrer à fome no continente africano, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, geradas por secas extremas, está a ser provocada estrategicamente por um Governo de forma a aniquilar um povo, como diz a África do Sul na acusação que deu entrada no TIJ.