Com o título "Economic hardships in Angola expose young people to cheap labour in Namibia" - que se pode traduzir por "Adversidades económicas em Angola expõem jovens a mão-de-obra barata na Namíbia" - o jornal sul-africano The Southern Times noticia hoje, na sua edição online, que jovens angolanos estão a cair nas malhas de redes de tráfico humano.

"Jovens angolanos tornaram-se vítimas de tráfico humano, com a maioria a ser explorada como vendedores ambulantes ilegais em grandes cidades [da Namíbia] como a capital Windhoek", escreve a publicação, acrescentando que muitos estão detidos, à espera da deportação.

Segundo o jornal, a Polícia namibiana deteve, só na semana passada, mais de 20 jovens angolanos, no âmbito de uma operação de combate à venda ambulante ilegal, realizada em Katutura, nos subúrbios da capital.

"Alguns desses vendedores transformaram-se num perigo para os automobilistas, porque são uma séria obstrução [à circulação]", justificou o superintendente da Polícia local, Gerry Shikesho, citado pelo The Southern Times.

Apesar de reconhecerem que os casos estão associados a suspeitas de tráfico de seres humanos, as autoridades locais admitem não terem provas suficientes do crime.

"Há denúncias da população de namibianos a traficar jovens angolanos para exploração em serviços domésticos, prostituição e outras actividades. Mas sem provas, trata-se apenas de alegações", considera o relações públicas da Polícia namibiana, vice-comissário Edwin Kanguatjivi.

Para além de um fluxo elevado de jovens angolanos no país, as autoridades namibianas relatam a presença de menores angolanos desacompanhados e sem documentos, apanhados a mendigar ou, tal como os mais velhos, a vender produtos nas ruas.

Recorde-se que no início de Fevereiro deste ano, a Polícia Nacional impediu o tráfico de 38 angolanos para trabalhos forçados na Namíbia a partir do Cunene.

Nesta mesma província, e também em Fevereiro, um namibiano foi apanhado a transportar 15 angolanos para a Namíbia, onde os tencionava "vender" para trabalhos agrícolas.

"Pretendia comercializá-los em algumas fazendas namibianas ao preço de 100 dólares namibianos [cerca de 1.200 kwanzas] por cada pessoa", indicou na altura fonte do Ministério do Interior, citada pela agência Lusa.

Sistema de alerta de raptos de menores na calha

O fenómeno motivou a criação de um sistema integrado de alerta de raptos de menores (SARM) para travar o tráfico de seres humanos em Angola, recém-apresentado em Luanda pelo ministro da Assistência e Reinserção Social, Gonçalves Muandumba.

"O sistema integrado constitui um mecanismo de reforço dos meios de combate aos crimes contra crianças, sobretudo o rapto, tráfico de menores e outras formas de violência", afirmou o governante.

Segundo o Relatório Global de Tráfico de Pessoas, elaborado pelo departamento de Estado dos EUA em 2016, e sobre o qual o Novo Jornal online fez notícia, "as províncias de Luanda, Benguela, Cunene, Namibe, Zaire e Uíge são as mais vulneráveis" a este tipo de criminalidade.

"Rapazes angolanos são enviados para a Namíbia para realizarem trabalhos forçados, nomeadamente de pastoreio de gado, da mesma forma que são obrigados a contrabandear mercadorias", aponta o relatório.

Para além das crianças, também as mulheres surgem como alvos preferenciais do tráfico, muitas vezes apanhadas por redes de prostituição: "As mulheres angolanas e as crianças são sujeitas a escravidão doméstica e a tráfico sexual, tendo como destino a África do Sul, a Namíbia e países europeus, como Holanda e Portugal", enquanto Angola recebe trabalhadoras sexuais do Vietname, da China e do Brasil, assinala a análise norte-americana.

Apontado como "país de origem e destino" do tráfico de homens, mulheres e crianças, na sua maioria sujeitos a trabalhos forçados, mas também a exploração sexual, Angola ainda "não cumpre os requisitos mínimos para eliminar o tráfico de seres humanos", conclui o documento.

Os maus indicadores apontam também o dedo à acção de "gangues chineses e empresas de construção", que recrutam chinesas sob falsas promessas de emprego. "Uma vez no país, são privadas dos seus passaportes, "presas" em complexos vigiados por guardas e obrigadas a prostituírem-se para pagarem os custos da viagem". Os abusos estendem-se a operários da construção civil - onde se incluem asiáticos, namibianos, brasileiros, quenianos e possivelmente congoleses -, que serão alvo de "ameaças de violência e privação de alimentos".

Para ajudar a travar esta realidade, o departamento de Estado norte-americano recomenda o reforço da fiscalização e da formação dos magistrados, "ainda pouco familiarizados com as leis de combate ao branqueamento de capitais". Embora estas normas surjam muitas vezes associadas apenas à banca e ao mundo dos negócios 'puro e duro', o relatório lembra que o tráfico de pessoas anda de mãos dadas com o branqueamento de capitais.