Quando cerca de 60 milhões de pessoas ficam, inesperadamente, sem electricidade e as rádios começaram a falar do gigantesco apagão que, tanto em Portugal como Espanha, deveria prolongar-se por 72 horas, começou o frenesi da corrida aos supermercados.

Um dos problemas mais sérios, em resultado deste apagão ainda por explicar, foram as fake news, com as versões mais mirabolantes a ganharem palco, desde explosões em França, um avião que tinha caído sobre uma linha de muito alta tensão em Espanha...

Mas, naturalmente, um ataque informático, com muitos dedos apontados aos russos, foi a versão circense que mais tracção ganhou nas redes sociais que ficaram em brasa e alimentaram o "circo" enquanto não se apagaram também devido à falta de energia.

E, tanto em Portugal como em Espanha, à medida que as horas passavam, as 72 horas inicialmente necessárias para a reposição da normalidade foram sendo encurtadas pelas autoridades responsáveis.

E a meio da tarde de segunda-feira, perto das 16:30, apenas cinco horas após o apagão, já se falava de que o jantar não seria à luz das velas.

E não foi. Para trás ficava uma situação de algum pânico, com milhões de pessoas em Portugal e em Espanha a correrem aos supermercados, para comprar água e enlatados, ou carvão para cozinhar e aos postos de gasolina para encher depósitos...

Apesar de não serem conhecidos problemas de segurança pública sérios, à excepção de alguns acidentes rodoviários nas cidades devido à falha dos semáforos, as infra-estruturas críticas, como hospitais ou instalações das forças de segurança, não perderam as suas funcionalidades básicas.

E nos aeroportos, tanto em Lisboa, Porto ou Faro, ou nos grandes aeroportos de Espanha, onde ainda não foram debelados todos os problemas, ou nas linhas de metropolitano nos dois países, apenas ocorreram atrasos, nalguns casos, prolongados.

Sem vidas colocadas em perigo, pelo menos no que chegou aos media dos muitos cantos da Península Ibérica, tendo os bombeiros socorrido milhares de pessoas presas em elevadores ou nas composições de comboios em linhas electrificadas.

E depois de reposta a normalidade, mesmo com algumas situações ainda por resolver, tanto em Espanha como em Portugal, perto das 11:30, hora de Lisboa e Luanda, desta terça-feira, 29, estes dois países europeus passavam ao modo de questionamento: como é que foi possível?

A resposta cabal só deverá ser conhecida nos próximos dias, mas já há pistas. Em Portugal, Luís Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e Energia, mas na qualidade de engenheiro de redes eléctricas da empresa portuguesa de electricidade (EDP) e professor universitário, veio dizer aos media portugueses que o que aconteceu em Portugal "não poderia ter sucedido" sem uma grave falha nos sistemas de resposta.

O especialista crítica com especial severidade a inexistência de sistemas de arranque capazes de substituir rapidamente as quebras de fornecimento, tenho o país apenas duas estações com essa capacidade de proceder ao chamado "black start", que é um de arranque controlado para permitir que o sistema volte a funcionar com equilíbrio entre o consumo e o fornecimento de modo a evitar novas quebras súbitas e novos apagões.

Tanto em Lisboa como em Madrid, os respectivos Governos apelaram à calma, pediram civilidade nos comportamentos dos cidadãos e prometeram repor o fornecimento de energia o mais rápido possível, assegurando que os serviços básicos estavam garantidos, ao mesmo tempo que prometiam explicações para o sucedido assim que elas existissem, apelando a cuidados especiais com as "fakes" que rapidamente inundaram as redes sociais.

Mas há já, segundo o jornal espanhol El Pais, algumas certezas, que foi o inexplicável e muito estranho "desaparecimento de 15 gigawatts (GW) da rede espanhola em apenas 5 segundos", o que corresponde 60% da electricidade que estava a ser consumida no país às 12:33, hora de Espanha, menos uma em Portugal.

Este problema pode explicar facilmente o que sucedeu em Portugal, porque o país estava, segundo a portuguesa REN (Redes Energéticas Nacionais), nesse momento a importar 30% da electricidade em consumo de Espanha, e uma quebra deste volume gera a queda de todo o sistema, obrigando o país inteiro a ficar à espera do "black start".

Mas se esta falha repentina pode explicar o que sucedeu em Portugal, embora expondo, como sublinhava Luís Mira Amaral, as deficiências do sistema eléctrico nacional, demonstrando a urgência de investir nessa capacidade de resposta para garantir, inclusive, a segurança pública, está longe de dar resposta ao sucedido em Espanha.

Há décadas que não sucedia nada de parecido na Europa, embora algumas pessoas tenham lembrado que o mesmo já aconteceu em períodos de guerra, como a II Guerra Mundial, ou em menor escala, na Ucrânia, e isso é um acrescento para a necessidade de respostas rápidas para o que sucedeu.

Tanto em Lisboa como em Madrid os Governos nacionais não descartam nenhuma possibilidade para explicar o ocorrido, tanto Pedro Sanchez, o primeiro-ministro espanhol, como o português Luís Montenegro, focaram as suas atenções na reposição da normalidade como prioridade mas sem deixarem de garantir que dariam explicações assim que as causas estiverem apuradas.

Para já, o que precisa de resposta é como é que, dando como certo que esse foi o início da crise e a razão para o que sucedeu depois, em cinco segundos apenas uma gigantesca quantidade de energia, 60% do consumo em Espanha, um dos maiores países europeus, no momento, tenha desaparecido da rede energética espanhola?

Os media espanhóis dão como exemplo para a grandeza do que está em causa, o desaparecimento dos 15 GW da rede de um momento para o outro, o facto de as cinco centrais nucleares que Espanha possui terem "apenas" uma potência instalada de 7,5 GW.

Mas a questão permanece. Essa oscilação repentina deixou abaixo os sistemas em rede de Portugal e Espanha, mas o que é que está pode detrás desse escape para o éter de tanta electricidade?

Uma das palavras-chave no contexto deste extraordinário momento na história da Europa, que levou mesmo a União Europeia a anunciar reuniões de emergência e a criação de equipas para analisar o fenómeno, que ocorreu apenas alguns dias depois de uma reunião de alto nível em Bruxelas para debater a questão da segurança energética europeia, é as "especulações" que urge evitar.

Uma das tentativas para reduzir o pânico social foi avançado em Portugal pela REN de que se tinha tratado de um "fenómeno meteorológico" relacionado com altas temperaturas no interior de Espanha, ou que teria feito desmoronar uma linha de muito alta tensão que ligava França a Espanha.

Essa possibilidade não faz qualquer sentido para os especialistas, o que coloca na primeira linha de hipóteses um ciberataque, tendo Manuel Moreno Bonilla, presidente do governo regional da Andaluzia, sul de Espanha, feito declarações públicas no sentido de dar credibilidade à possibilidade de um ataque informático devido à magnitude do que sucedeu.

Este posicionamento de uma autoridade relevante, que assentou a informação avançada com dados recolhidos pelo Centro de Segurança daquela região autónoma espanhola. Veio dar combustível às teorias de índole conspirativa que inundaram a internet sobre a origem russa do golpe dado na segurança energéticas europeia.

Tanto Pedro Sanchéz como Luís Montenegro, chefes dos executivos espanhol e português, se apressaram a negar a existências de quaisquer dados que corroborassem essa possibilidade, e também a vice-presidente da Comissão Europeia, Teresa Ribera, espanhola, veio dar solidez aos dois governantes ibéricos sublinhando não haver nada que aponte para um ciberataque.

Há, porém, uma certeza: este episódio de dimensão ibérica veio expor as fragilidades europeias, permitindo ainda que alguns sectores políticos aproveitassem para voltar a criticar a privatização de sectores estratégicos nacionais como é o caso da REN em Portugal, empresa que tem como maiores accionistas a China State Grid (25%) e os donos da espanhola ZARA com 12%.

E, como sublinha o antigo ministro português da Indústria e Energia, Mira Amaral, "é chocante ver o tempo que levou a rede a recuperar" em Portugal.