Com a morte de Floyd, filmada por vários telemóveis enquanto acontecia e transmitida quase em directo nas redes sociais, os Estados Unidos da América entraram num rodopio de tumultos que se estendeu a dezenas de cidades, resultando em centenas de feridos e pelo menos quatro mortos.

Milhares e milhares de pessoas, brancos, negros e hispânicos foram para a rua dizer "já chega" de mortes de negros às mãos de polícias brancos, em manifestações pacíficas mas também em túmulos radicais ateando fogo a centenas de edifícios, fazendo recordar os protestos que na década de 1990 varreram Los Angeles depois de um vídeo mostrar um grupo de agentes a espancar Rodney King, um negro, tendo todos sido condenados a penas ínfimas após um híper-mediatizado julgamento.

Agora, passaram apenas três meses e o mundo confronta-se com imagens ainda mais brutais - apesar de a vítima não ter morrido - tudo igualmente filmado e divulgado de forma massiva nas redes sociais: Jacob Blake, que testemunhas garantem que tinha estado a tentar separar duas pessoas desavindas, razão da presença policial, estava a tentar entrar no seu carro quando um polícia o segue e, a centímetros dele, sem quaisquer riscos para a sua vida ou dos seus colegas no local, desfere 7 tiros sobre as suas costas, deixando-o em risco de vida e, segundo os médicos, paralisado para o resto da sua vida.

Os protestos voltaram de imediato e o movimento "Black Lives Matter", que procura, em todo o mundo, sensibilizar os Governos e, especialmente, a Casa Branca, a mudar de uma vez por todas a legislação vigente de forma a que as diversas polícias norte-americanas se vejam "incentivadas" a matar menos pessoas em claro excesso de violência policial da qual os negros são as grandes vítimas, voltou, de forma mais intensa, às ruas e avenidas das grandes cidades dos EUA.

Mas a pergunta, como se percebe dos Editoriais que se multiplicaram, mais uma vez, a referir este assunto em destaque na imprensa norte-americana, é: Como foi possível um episódio destes três meses depois da morte de Floyd?

Recorde-se que as imagens do joelho de Chauvin sobre o pescoço de George Floyd levaram a uma sucessão de protestos que, na verdade, ainda não tinham parado quando Blake foi, no passado Domingo, alvejado com 7 tiros à queima-roupa pelas costas, e aquele agente da polícia de Kenosha, Wisconsin, de nome Rusten Sheskey, pode justificar a sua atitude com todos os argumentos menos o de que já não se lembrava do que sucedeu em Minneapolis, Minnesota, em finais de Maio, com os polícias envolvidos a serem de forma historicamente célere, condenados de forma severa, inclusive por homicídio qualificado.

"Black Lives Matter"

Floyd morreu e os protestos alargaram-se a todo o país, com as principais cidades, desde Minneapolis, onde tudo começou, a Los Angeles, a primeira urbe a "acordar" para esta vaga de contestação à morte de mais um negro nos EUA, passando quase em simultâneo a Detroit, Filadelfia, Boston, Chicago, Seatle, Nova Iorque... mas também, embora pacíficos, além mar, de Londres a Sidney, de Paris a Lisboa, porque a brutalidade policial atingiu um pico nunca visto por tantas pessoas quase em directo nas redes sociais.

Durante nove longos minutos, Derek Chauvin, um polícia do Departamento de Polícia de Minneapolis, manteve o seu joelho esquerdo sobre o pescoço de George Floyd, a centímetros da roda de um dos carros que levaram os agentes até ao local, mostrando, nas fotografias e nas imagens, em letras garrafais, a palavra Minneapolis estampada na viatura, tornando esta a cidade mais falada em todo o mundo naquela altura.

Floyd dizia, na voz diluída que conseguia projectar, apesar de notoriamente em dificuldades, que não conseguia respirar, clamando ao agente para, "por favor", o deixar respirar, mas Chuavin, o polícia, impávido perante as palavras do negro de 46 anos que esmagava contra o asfalto e das várias pessoas que à sua volta lhe diziam que o estava a matar, sem se poderem aproximar devido à barreira criada por mais três agentes, manteve a situação por nove longos minutos, tempo suficiente para que o vídeo chegasse às redes sociais quase em directo...

E a abrangência das imagens foi de tal ordem que logo que se soube que um hospital próximo tinha confirmado o óbito de Floyd, as manifestações de repúdio surgiram na cidade e noutras localidades do estado de Minnesota, primeiro pacificamente, depois com violência, alastrando em escassas horas a Los Angeles, e depois, a primeira noite em chamas, com esquadras e carros da polícia e equipamentos públicos a arder...

As últimas palavras de George Floyd antes de morrer "Não consigo respirar - I Can"t Breathe" rapidamente voaram para milhares de cartazes em todos os protestos, tornando-se num dos mais sonantes slogans de protesto, ao mesmo tempo que ressurgia o movimento "Black Lives Matter - As vidas dos negros são importantes", exigindo-se a rápida condenação do polícia Chauvin e dos seus colegas.

Ficou igualmente claro, pela análise exaustiva dos vídeos, feitos pelas pessoas e pelas câmaras de vigilância situadas nas proximidades, que Floyd nunca resistiu à detenção quando foi abordado por ser suspeito de ter, momentos antes, usado uma nota falsa de 20 dólares para comprar cigarros, numa pequena loja, tendo mesmo mostrado um comportamento colaborante com os quatro agentes que o detiveram.

Rusten, o novo carrasco

Agora, com Blake entre a vida e a morte, o nome de um agente da polícia emerge como o novo carrasco de negros nos EUA, Rusten Sheskey, que viu investigadores da autoridade federal a lançarem de imediato uma acção judicial, que vai ser conduzida pelo FBI e pelo Departamento de Justiça do estado do Wisconsin, por claro e evidente desrespeito pela não observância dos Direitos Humanos de Jacob Blake.

Apesar de já terem passo dias, pouco se sabe sobre o que se passou naquela momento em que Blake é atingido pelas costas, mas fontes do Departamento de Justiça do Wisconsin, citadas pela CNN, descrevem que os agentes da polícia terão usado um taser, arma eléctrica de atordoamento -, e que, depois, quando este entrava no carro, apesar de no vídeo não parecer estar afectado por qualquer disparo de taser, foi alvejado por um dos agentes no local por 7 vezes, sendo que Rusten Sheskey, ao contrário de Chauvin, que matou Floyd, foi apenas suspenso de funções.

Entretanto, o Procurador do Wisconsin, Josh Kaul, numa conferência de imprensa, citado pelos media norte-americanos, avançou que também os restantes agentes que estavam no local no momento dos disparos de Sheskey, vão ser ouvidos no âmbito das investigações.

Pelo que se sabe até ao momento, o agente da polícia de Kenosha alega que Blake terá disso possuir uma faca no seu carro, o que corresponde com uma navalha encontrada no seu veículo, mas a utilização de uma arma de fogo face ao uso de uma arma branca é uso desproporcional evidente de força, como sublinham os familiares da vítima que se têm desdobrado em declarações onde, entre outros apelos, pedem aos manifestantes mais violentos para enveredarem apenas por manifestações pacíficas.

Porém, o advogado da família de Blake, Patrick Salvi Jr., já veio desmentir esta versão e garantiu que o seu constituinte não tinha qualquer arma consigo nem no seu automóvel.

"Ele não tinha nenhuma arma no seu carro", disse o causídico à CNN, acrescentando não poder dizer o que Blake tinha ou não tinha, mas pode garantir que os seus três filhos estavam na viatura e que isso estava no topo das prioridades da sua mente, porque os seus filhos, a sua família, são a coisa mais importante para ele".

Neste momento, apesar de o que mais sobressai neste novo episódio envolvendo agentes brancos da polícia norte-americana e afro-americanos é a violência desmedida face à situação, as investigações estão a ser realizadas pelas autoridades federais e uma das questões que está a ser veiculada pelos media locais é que Blake ter-se-á deslocado a casa de uma antiga namorada à qual estaria legalmente proibido de ver ou de se aproximar, embora se trate de informação que a família, como uma sua irmã sublinhou, não confirma, por entender que se trata de uma questão à margem do que realmente está em discussão, a violência policial.

Enquanto as investigações prosseguem e se aguardam as primeiras confirmações oficiais sobre o que se passou, milhares de pessoas permanecem nas ruas, milhares envolvendo-se mesmo em protestos violentos, queimando viaturas e destruindo edifícios públicos e outros, exigindo que sejam tomadas medidas definitivas.

Tirar das pensões para alimentar o controlo interpares?

Uma das possibilidade que foi avançada aquando da morte de Floyd é que a única forma de acabar com este tipo de situações é os agentes das múltiplas polícias nos EUA se vigiem uns aos outros e isso só é possível se os gatos com a justiça e as indemnizações sairem directamente dos fundos da segurança social que as corporações possuem para garantir as reformas dos associados - nos EUA a segurança social é predominantemente privada e constituída por fundos das distintas áreas profissionais criados com as contribuições dos seus membros -, o que levaria a que todos e não apenas o prevaricador veriam diminuídas as suas pensões.

Esta solução pode mesmo vir a ser encarada como a mais viável, porque levaria a uma dissuasão deste género de violência tendo em conta que haveria uma motivação económica suplementar para que os agentes se vigiariam uns aos outros.

E é vista ainda como a única forma de ultrapassar a falta de vontade política para criar legislação que leve a uma diminuição drástica da violência policial, especialmente a que incide sobre os negros, que, apesar de agora estar mais exposta devido ao surgimento das redes sociais e da facilidade com que, através de telemóveis se produzem vídeos rapidamente colocados nestas plataformas digitais, de acordo com as estatísticas, faz milhares de vítimas todos os anos sem que se notem quaisquer evidências de uma diminuição ao longo das últimas décadas.

BIden ou Trump?

A demonstração clara de que o actual poder nos EUA não tem a vontade política para resolver o problema é que tanto Donald Trump, Presidente actual e candidato a um segundo mandato pelo Partido Republicano, como o seu Vice, Mike Pence, face aos protestos contra a violência policial após a agressão a Jacob Blake, optaram por sublinhar o impacto das manifestações mais radicais, como a destruição de edifícios e viaturas pelo fogo, em vez de apontar de forma decidida como solução o fim da sucessão de mortes de negros às mãos de agentes da polícia.

Este posicionamento contrasta com as reacções de Joe Biden, que, com Kamala Harris, uma afro-indiana-descendente, procuram desalojar Trump da Casa Branca, que optaram por criticar o comportamento policial.

Biden disse mesmo que se tinha sentido "enojado" com os tiros disparados contra Blake.

Ou seja, pelo menos enquanto compromisso público, o lado Democrata, o partido que levou Barack Obama à Presidência, e tenta agora colocar na vice-Presidência uma outra afro-descendente, afirma-se com maior disponibilidade para enfrentar o problema de forma decidida.

Mas é igualmente verdade que este é um problema de décadas e as diversas Presidências democratas também não o resolveram, incluindo a do afro-americano Obama.