Esta tomada de posição do organismo sub-regional onde a Guiné-Bissau está inserida foi divulgada no dia em que se confirmou que as Forças Armadas guineenses assumiram uma posição em favor de Embaló, ameaçando de morte alguns dirigentes políticos, como o presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), Cipriano Cassama, e o primeiro-ministro, Aristides Gomes, obrigando-os a desistir dos cargos.

No contexto geográfico da África Ocidental, a CEDEAO é o organismo com maior peso e influência e isso ficou provado quando, em Janeiro de 2017, numa crise parecida na vizinha Gâmbia, chegou a movimentar tropas para acabar com uma situação de desordem constitucional, podendo agora voltar a assumir as rédeas da resolução deste problema guineense.

No documento onde mostra a sua posição face a mais esta crise pós-eleitoral em Bissau, onde centenas de militares cercam várias repartições do Executivo e instituições do Estado, como o Parlamento, a CEDEAO diz que se a situação não regressar de imediato aos carris da ordem legal e constitucional, "os seus responsáveis serão alvo de sanções".

Este organismo diz ainda que não é possível manter uma situação em que dois presidentes assumem o poder ao mesmo tempo e com isso são nomeados dois primeiros-ministros, "revelando semelhanças com uma anarquia".

Mas esta posição aparece já com algum atraso em relação à realidade no terreno, porque, entretanto, sob ameaça de morte, tanto Cipriano Cassama, que tinha assumido, na ANP, o cargo de Presidente interino, e Aristides Gomes se recusava a deixar o cargo de primeiro-ministro.

Recorde-se que Embaló foi empossado numa cerimónia ilegal que teve lugar num hotel de Bissau pelo vice-presidente da Assembleia Nacional, Nuno Nabian, que só o poderia fazer se Cassama, que era o presidente da ANP, estivesse impedido por força maior, tendo, de imediato, demitido Aristides Gomes e nomeado Nabian primeiro-ministro.

O poder, que estava em dúvida face à existência de dois Presidentes e dos ministros, deixou de estar quando os militares se posicionaram ao lado de Embaló e Nabian, ambos empossados à margem do que estipula a Constituição, afastando do seu caminho Cipriano Cassama e Aristides Gomes.

Afirmando a sua "grande inquietude", a Comissão da CEDEAO sublinha o mau exemplo dado pelos militares e forças da ordem que se "imiscuíram nos assuntos políticos", exigindo o seu "regresso imediato" ao quartéis, observando uma "neutralidade absoluta e legal".

Fazendo uma referência clara às suas abordagens em situações semelhantes e ao seu posicionamento face à Guiné-Bissau anterior, a CEDEAO diz, de forma "firme e clara" que "não pode reconhecer órgãos criados e instalados fora do quadro legal e constitucional", o que significa que Umaro Sissoco Embaló não tem condições para governar o país contra a posição deste órgão e por causa das restrições que a não observância destas indicações lhe vão ser apresentadas.

Para solucionar o problema, a CEDEAO exige a conclusão do processo eleitoral, ou seja, a conclusão dos processos em análise nos tribunais, ali dados entrada pela candidatura de Domingos Simões Pereira, líder do histórico PAIGC, que não reconhece a derrota e clara por justiça café aos atropelos protagonizados pela Comissão Nacional de Eleições, acrescentado que "a Comissão vai tomar a iniciativa de propor soluções para este impasse eleitoral".

De ora em diante, a CEDEAO vai garantir um concertação de posições com a União Africana, a ONU, a CPLP e a UEMOA, que gere a união económica e monetária deste espaço geográfico, de forma a garantir que a "normalização política institucional" é conseguida de forma sólida e prolongada.

Recorde-se que a CEDEAO mantém há vários anos uma força militar importante, a ECOMIB, em Bissau, enviada depois de uma outra grave crise político-militar, em 2012.

Recorde-se que todo este cenário de instabilidade surge depois de Embaló ter sido recebido em Portugal pelo primeiro-ministro António Costa e pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, embora tendo esses encontros sido anunciados como cortesia e sem quaisquer tipo de cerimonial de Estado.

A Guiné-Bissau foi a primeira das antigas colónias portuguesas em África a proceder à proclamação da independência, a 24 de Setembro de 1973, nas matas de Madina do Boé, no leste do país, embora o início da fundação da nacionalidade tenha começado com o assassinato em Conacri meses antes, a 20 de Janeiro desse mesmo ano, de Amílcar Cabral, o histórico fundador do PAIGC e considerado o pai da Nação guineense.

Depois, o país teve o seu arranque enquanto Estado com um golpe militar onde o general Nino Vieira derrubou Luís Cabral, irão de Amílcar Cabral o primeiro Presidente do país e governou até finais da década de 1990, quando, numa guerra civil - a Guerra de 07 de Junho - de mais de um ano, onde tiveram participação activa ao lado de Nino Vieira o Senegal e a Guiné Conacri, levou ao derrube de Nino Vieira, que se exilou em Portugal.

Depois de anos de permanente instabilidade política e militar, marcada pela frenética presidência de Kumba Yalá, Nino Vieira regressa a Bissau em 2005, ganhando as eleições que lhe permitiu governar até 2009, ano em que foi assassinado em mais um golpe militar.

Desde então, e apesar de alguns anos de relativa acalmia, a Guiné-Bissau voltou a mergulhar no caos político, embora sem intervenção militar alguma, tendo ficado os últimos anos marcados pelos abusos cometidos pelo anterior Presidente, José Mário Vaz, que lhe permitiram governar por mais dois anos que o limite oficial do seu mandato e que, agora, volta a ferver por entre novas dúvidas quanto à lisura eleitoral num dos mais problemáticos, e dos mais pequenos, países africanos.