Emmanuel Macron foi o último dos lideres dos grandes países ocidentais a chegar a Israel, tendo retardado a decisão de viajar para o país acossado que está pela política interna, especialmente por causa de questões de segurança interna devido aos repetidos atentados, aeroportos encerrados por ameaça de bomba, escolas fechadas com receio de ataques terroristas, e à vasta comunidade islâmica em França, mais de cinco milhões.
Mas não chegou a Telavive de mãos a abanar, decidiu jogar o A de trunfo da política oficial europeia, que é apoiar a saída proposta pela ONU e concebida na década de 1990 nos famosos acordos de Oslo, que preconizam um mapa da grande Palestina com dois Estados, a República de Israel e a República da Palestina, e que, até hoje, não encontrou chão para caminhar porque os Estados Unidos da América tardam em mostrar vontade de concretizar esse "plano" apesar de ter sido desenhado com um contributo decisivo do então Presidente Bill Clinton.
O que o líder francês tem para tirar da cartola é uma não novidade na história das relações israelo-palestinianas mas é um regresso do tema à discussão política de topo, que é convencer Telavive de que tem mais a ganhar se aceitar regressar à mesa das negociações com as autoridades palestinianas representadas pela Autoridade Palestina de Mahmud Abbas, que "gere" a Cisjordânia, região ocupada por Israel, e não reconhecida pelo Hamas, que domina a Faixa de Gaza desde 2007, sendo este o único território efectivamente "livre" da Palestina.
Críticas esperadas
Macron sabia que iria, como está a acontecer em França, ser criticado, porque ir a Telavive agora, para mostrar a solidariedade da França após o ataque do braço-armado do Hamas, as Brigadas Al Qassam, no dia 07 de Outubro, onde morreram mais de 1400 judeus, não é igual a ter lá ido logo nos dias subsequentes, como fizeram o alemão Olaf Scholz ou o "americano" Joe Biden, porque, entretanto, as tvs de todo o mundo encheram-se de imagens de crianças mortas, mais de 2.500, em Gaza, devido ao tapete de bombas com que Israel cobriu o território que tirou a vida a um total de 6.500 pessoas... e a contagem continua ao fim de 17 dias de ataques aéreos ininterruptos.
Esta visita, pode, no entanto, ter um propósito escondido e corresponder a uma estratégia ocidental para adiar, no imediato, e anular, no contexto mais global, a invasão terrestre das forças israelitas a Gaza, para a qual montaram uma gigantesca máquina de guerra na fronteira, com milhares de carros de combate e peças de artilharia, e 300 mil soldados, e com a qual Netanyahu pretende "limpar o Hamas para sempre das preocupações de Israel".
Impedir esse avanço, que acrescentará, seguramente, mais uns largos milhares de mortos entre civis palestinianos e militares israelitas, tem sido sublinhado por todos os actores globais como urgente também porque a entrada por terra das forças israelitas em Gaza é dar o derradeiro passo para o alastramento deste conflito aos países vizinhos, desde logo ao sul do Líbano, onde o Hezbollah, movimento apoiado pelo Irão, com mais de 100 mil combatentes, e conhecido por ser o "exército" não estatal mais poderoso do mundo, já avisou que Telavive vai "pagar um preço inimaginável" se o fizer.
Conter os falcões de guerra em Telavive
Tanto os aliados israelitas europeus como o maior de todos eles, os EUA, têm procurado conter a impetuosidade belicista dos falcões de guerra em Telavive, especialmente o ministro da defesa, Yoav Gallant, que ainda nesta segunda-feira, 23, 17 dias após o ataque inicial do Hamas, repetia que Israel vai "avançar com uma força nunca vista" sobre Gaza, onde vivem, como o mesmo afirmou, "animais com forma humana".
Só que, segundo noticiou agora The New York Times, situação para a qual alguns analistas militares já tinham chamado a atenção, Israel não tem mesmo um plano exequível para invadir Gaza por via terrestre e tem sérias dúvidas de que, se esse passo for dado, daí resultará a total aniquilação do Hamas.
Isto, sabendo-se que este movimento tem a sua estrutura política fora do território, e as suas principais chefias militares salvaguardadas dessa eventual incursão terrestre, sabendo ainda Israel que, mantendo as estruturas de comando, o Hamas não tem quaisquer dificuldades em recrutar combatentes para as suas Brigadas Al Qassam, sendo esta mortandade entre civis em curso em Gaza um "chamariz" extra para atrair voluntários entre uma população radicalizada, desesperada e extremamente jovem.
Segundo o mais influente jornal norte-americano, que cita fontes do Pentagono e da Administração Biden não identificadas, foi mesmo o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que chamou o ministro da Defesa israelita, YOav Gallant, para o avisar da insensatez de uma incursão terrestre, que carece de uma "séria ponderação" por causa da densidade populacional no terreno.
Mas a questão que mais sobressai desta notícia no The New York Times é a dúvida que existe entre as chefias norte-americanas se Isral tem mesmo um plano bel elaborado para emoldurar a invasão terrestre com a qual Netanyahu pretende conseguir erradicar totalmente o Hamas da Palestina.
O olhar americano
Todavia, esta notícia foi, quase em simultâneo, acompanhada por uma declaração de John Kirby, o porta-voz do Pentagono, que esclareceu a posição dos EUA sobre a guerra em Gaza e que consiste em achar que ainda é cedo para um cessar-fogo, que Israel tem direito a criar condições para a sua segurança e que o Hamas deve ser efectivamente erradicado.
Sabe-se ainda que o Pentagono deslocou para Israel um grupo de oficiais especializados em guerrilha urbana para servirem de conselheiros aos comandantes das IDF, chefiados pelo general James Glynn, que teve um papel de relevo na guerra contra o `estado islâmico" e ainda no Iraque, durante a invasão deste país pelos EUA, em 2003.
Entretanto, a ajuda humanitária, embora a conta-gotas, já começou a chegar ao sul de Gaza. Pela fronteira de Raffah, com o Egipto, tendo, desde Sábado, entrada no território perto de 80 camiões, sendo que as agências da ONU estimam que para acudir às necessidades mínimas, serão necessários pelo menos 100 camiões por dia.
Isto, porque as mais de 800 mil pessoas, dos 1,1 milhões que Israel exigiu que deixassem o norte de Gaza em direcção ao sul, estão alojadas de forma provisória, sem condições de salubridade, alimentos, água ou medicamentos... enquanto as mais de 1,2 milhões que já habitavam a região a sul do Rio Wadi, ficaram igualmente inundadas de miséria e escassez.
É ainda de sublinhar que o Hamas já libertou quatro dos mais de 220 reféns que mantém sequestrados em Gaza, feitos durante a operação de 07 de Outubro, no sul de Israel, especialmente nos kibutz mais próximos da fronteira com Gaza e na festa de música moderna no deserto do Negueve, onde milhares de jovens estavam concentrados naquele dia, tendo sido mortos perto de 300 às mãos dos terroristas deste movimento e da Jihad Islâmica.